LAMARCA MORTO NA BAHIA
Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 19 de setembro de 1971
Carlos Lamarca, considerado o mais perigoso lider terrorista no País, foi morto em tiroteio com as forças de segurança, na pequena localidade de Pintada, interior da Bahia. O encontro decisivo ocorreu há dois dias, mas somente ontem foi feita a identificação oficial do cadaver, mediante confronto com as fichas datiloscopicas.
Com base numa serie de indicios, as autoridades haviam montado no Centro-Oeste baiano ampla manobra de cerco que aos poucos foi se apertando e terminou com a localização de Carlos Lamarca e um companheiro, José Campos Barreto, em Pintada. Eles descansavam sob uma arvore e só viram os agentes de segurança quando estes estavam a 20 metros. Abriram fogo imediatamente, sem atender à ordem de rendição, mas acabaram caindo mortalmente feridos.
Quanto a Iara Yavelberg, companheira de Lamarca, revelaram as autoridades que ela se suicidou em agosto, em seu apartamento de Salvador.
Uma longa perseguição levou a Lamarca
Salvador (Do correspondente) - O ex-capitão Carlos Lamarca, chefe da organização terrorista "Vanguarda Popular Revolucionaria" foi morto no Municipio de Pintada, no Centro-Oeste da Bahia, após sustentar um tiroteio com as forças de segurança a 20 metros de distancia do local onde descansava, sem atender às ordens de rendição.
Pintada fica a 700 km de Salvador, pela BR-242.
O corpo do ex-capitão Carlos Lamarca foi trasladado para Salvador, mas sua identidade só foi oficialmente reconhecida pelas autoridades, com a chegada de sua ficha datiloscopica do Sul do País.
Com Carlos Lamarca, "morreu tambem José Campos Barreto (Zequinha), quando tentava romper o cerco do dispositivo de segurança.
As autoridades de segurança haviam montado uma operação nas zonas rurais da Bahia, especialmente entre Ibitirama, Seabra, Oliveira dos Brejinhos e Barra do Mendes, depois da prisão de um individuo conhecido apenas pelo nome de Rocha, que denunciou a formação de um "aparelho" em Brotas de Macaubas, comandado por José campos Barreto.
No mês de agosto, a ex-companheira de Carlos Lamarca, Iara Yavelberg, suicidou-se em Salvador, no seu apartamento localizado na rua Minas Gerais, 121, Pituba, apos o desbaratamento de um grupo do MR-8, quando foi capturada uma mulher identificada apenas como Solange, já enviada para a Guanabara.
A operação
O encontro das forças de segurança com terroristas registrou-se na Fazenda Buriti, em Brotas de Macaubas, quando houve as primeiras baixas: Otoniel Campos Barreto e Luís Antonio de Santa Barbara foram mortos ao reagir às ordens de prisão, e Aldorico Campos Barreto ficou ferido durante o tiroteio. Ele encontra-se hospitalizado e já fora de perigo no Hospital da Policia Militar. Na fazenda, foram apreendidos cinco revolveres e munição.
A operação já estava encerrada quando as autoridades receberam dois telegramas oriundos de Oliveira dos Brejinhos: dois elementos estranhos à comunidade, armados, ameaçavam a população à procura de alimentação. Os mesmos elementos foram vistos no ultimo dia 10 de setembro procurando um tal primo Zequinha, em Ibitirama. Os suspeitos procuraram tambem um medico, mas não foram atendidos.
Com essas informações em mãos, as autoridades armaram novo esquema para Carnauba Grande, onde os dois suspeitos foram vistos mostrando sinais de cansaço e fome, a caminho de Carnaubinha.
Mas foi em Pintada que os dois foram descobertos. Cerca de 200 metros, os agentes ficaram em silencio e se encaminharam para uma arvore frondosa, onde eles pareciam dormindo ou descansando. Um delles, ao sentir a presença dos agentes, gritou:
"Os homens estão chegando".
A uma distancia de 20 metros, foi iniciado o tiroteio.
Processos e condenações
O ex-capitão Carlos Lamarca, no mesmo dia em que morreu, fôra condenado a mais 4 anos de prisão, com suspensão dos direitos politicos por dez anos, pelo Conselho Permanente da Justiça Militar, em São Paulo. O mesmo tribunal já o condenara a 30 anos de prisão, pelo sequestro de um caminhão do Exercito; e sua fuga do quartel de Quitauna, com armas, fôra punida com outros 24 anos de prisão.
Ele respondia ainda a diversos processos, inclusive os do assassinio do tenente PM Alberto Mendes Junior, em Registro, e do sargento da PE da Guanabara, Elias Santos.
Carlos Lamarca sentou praça no Exercito a 1.o de abril de 1955, e em dezembro de 1960 passara a aspirante a oficial. Foi promovido a 2.o tenente um ano depois; em 1963 era 1.o tenente e no dia 25 de agosto de 1967 chegava a capitão. Seu nome entrou nos noticiarios quando foi designado para treinar em tiro as funcionárias de um banco.
Desertou e foi expulso das fileiras do Exercito a 10 de abril de 1970, por decreto do presidente da republica, com base no AI-5, "por ter cometido atos de natureza desonrosa à dignidade militar".
Ultima sentença: 4 anos
Após oito horas de sessão secreta, anteontem à noite, o Conselho Permanente de Justiça Militar da 1.a Auditoria, em São Paulo, condenou Carlos Lamarca, Tilma Vania Vinhares, Claudio de Sousa Ribeiro e Fernando Mesquita Filho a 4 anos de reclusão, com suspensão dos direitos politicos por 10 anos, pela participação na VAR-Palmares.
João Batista de Sousa foi condenado a 12 anos, com remessa de cópias do processo ao procurador, por haver indicios de outros crimes; Benedito Antonio Ferraz, a 2 anos; Gilberto Martins Vasconcelos, Carlos Galvão Bueno, Ana Maria Gomes da Silva, a um ano de reclusão; Natael Custodio Barbosa, a 6 meses, Paulo Cesar Xavier Ferraz, a 15 meses; José Olavo Leite Ribeiro a 15 meses; Idoian de Sousa Rangel, a um ano; Maria Joana Teles Cubas, a seis meses; Joaquim Venturini Filho, a 18 meses; João Roaro Filho, a um ano; Carlos Saverio Ferrante, a 15 meses; Antonio Francisco Xavier, a 15 meses; Alfredo Nozumo, a 18 meses; Pedro Camargo, a 15 meses; Reinaldo Antonio Carcarolo, a 15 meses; Iara Yavelberg, a 15 meses; José Claudio Teles Cubas, a 2 anos e perda dos direitos politicos por 10 anos; Claudio Galeno de Magalhães Linhares, a 15 meses; Manuel Henrique Ferreira, a 15 meses; e Carmem Lisboa , a 15 meses.
Parlamentares comentam
A proposito da noticia da morte do terrorista Carlos Lamarca, o senhor Eurico Resende, vice-lider da ARENA no Senado, declarou em Brasilia:
"Não se deve, obviamente, manifestar regozijo diante de um fato dessa natureza, embora os terroristas o façam, quando obtêm exitos na covardia de suas violencias".
O senador Eurico Resende, que foi dos primeiros a receber nesta Capital ontem à tarde a confirmação, ainda oficiosa àquela altura, da morte de Lamarca, acrescentou:
"Mas, não se pode negar que o episodio agora verificado oferece uma sensação de alivio na sociedade brasileira. E vale para comprovar, mais uma vez, que o governo está atento e perseverante no combate ao passionalismo predatorio e homicida da subversão, ampliando e consolidando a confiança da opinião, na ação firme e patriotica de nossas autoridades".
Em São Paulo, ao tomar conhecimento da morte de Carlos Lamarca, o deputado Adolfo Oliveira, ex-secretario-geral do MDB e um dos principais articuladores do futuro Partido Democratico Republicano, afirmou que aquele lider terrorista "chegou ao unico fim a que leva o terrorismo", acrescentando que "possivelmente, sua morte tenha assinalado o fim deste tipo de atividade subversiva, que contraria todos os sentimentos, tradições e a propria indole do povo brasileiro".
O ultimo dialogo
Segundo depoimento da equipe que localizou Carlos Lamarca, foi travado o seguinte dialogo antes de o lider terrorista expirar:
Agente federal - "Quem é você?"
Lamarca - "Carlos Lamarca".
Agente Federal - "Você sabe o que aconteceu com a Iara?"
Carlos Lamarca - "Sei. Ela se suicidou em Salvador."
Agente Federal - "Onde estão sua mulher e seus filhos?"
Carlos Lamarca - "Estão em Cuba".
Agente Federal - "Você sabe que é um traidor da Pátria?"
A esta pergunta, Carlos Lamarca procurou fazer um movimento com a cabeça, mas não chegou a responder, expirando em seguida.
Depoimentos
Ainda de acordo com depoimento da propria equipe que localizou Lamarca, foram historiados os seguintes fatos:
"As autoridades federais da Bahia prenderam no dia 6 de agosto ultimo o terrorista de nome "Rocha". Através dele, conseguiram localizar e estourar um aparelho dentro da cidade de Salvador, na rua Minas Gerais, bairro da Pituba. Do estouro desse aparelho, resultaram duas prisões, que culminaram com o suicidio de Iara Yavelberg, amante de Lamarca, que estava naquele "aparelho" e conseguira passar para outro apartamento após pular um muro da area de serviço. Nesse apartamento, ela suicidou-se com um tiro de revolver calibre 38 no coração, dentro do banheiro da empregada. Ainda através do subversivo "Rocha", os orgãos de Segurança conseguiram chegar a um "aparelho" na zona rural na localidade de Brotas de Macaubas. Esse aparelho foi cercado e os terroristas que lá se encontravam sairam da casa atirando. Dois foram mortos e um ficou ferido. Aliás, um dos mortos era irmão do terrorista conhecido por "Zequinha" que morreu agora juntamente com Lamarca. O que ficou ferido também é irmão de "Zequinha".
"As autoridades continuaram vasculhando aquela area numa operação que vinha sendo considerada das mais demoradas uma vez que Lamarca não era encontrado. Muitos agentes federais receberam ordem de retornar as suas bases. Após isso, novos informes deram conta de que havia dois elementos suspeitos armados acuando a população, com ameaças para conseguir, particularmente, alimentos. Nesse interim Carlos Lamarca e "Zequinha" já haviam sido identificados, quatro equipes de agentes deslocaram-se para aquela região, a fim de seguir as pegadas dos dois terroristas, baseando-se em informações de elementos da população local, que muito colaboraram com as autoridades.
"Os dois terroristas, percebendo a perseguição, começaram a se deslocar em demasia para despistar os agentes federais e desacreditar as informações dadas pela população. Numa hora, Lamarca era visto em determinada localidade e noutra hora a 70 km de distancia numa area completamente diferente. Verificados esses informes, foram constatados a sua veracidade e as autoridades passaram a se movimentar em areas mais desertas e em velocidade igual à dos terroristas.
"Anteontem, na localidade de Pintada, chegou uma equipe de agentes, deixando nesse local apenas uma viatura com o motorista. Os outros três elementos da equipe se deslocaram para uma outra localidade chamada Canabrava. No meio do caminho, encontraram outra equipe que vinha de Canabrava, que informou que naquela localidade não havia absolutamente nada. A primeira equipe, então regressou para Pintada. Quando chegava perto da viatura, o motorista fez um sinal de silencio aos seus companheiros apontando dois elementos que descasavam à sombra de uma arvore, aparentemente dormindo. A equipe foi se aproximando deles (dos terroristas), disposta a predê-los, quando um deles, que era o "Zequinha", percebeu a aproximação da equipe a uma distancia de 20 metros e gritou para Lamarca:
"Os homens estão chegando".
"Aí, os dois sacaram as armas. Houve tiroteio e Carlos Lamarca e Zequinha morreram no local.
"Lamarca sabia que Iara tinha se suicidado e antes de morrer confessou ser Carlos Lamarca e que sua verdadeira esposa e dois filhos menores estavam em Cuba."
lamarca.jpg Lamarca no MR-8
A TRAJETÓRIA DE UM DESERTOR
LAMARCA: A TRAJETÓRIA DE UM DESERTOR
1. O FIM E O COMEÇO
No meio da tarde de uma sexta-feira, sob o ardente calor de 40 graus da caatinga do sertão baiano, uma equipe de agentes, aproximando-se passo a passo, vislumbrou os dois homens que descansavam à sombra de uma baraúna, no lugarejo de Pintada, município de Oliveira dos Brejinhos.
À voz de prisão, tentaram sacar suas armas. Duas rajadas curtas mataram os dois homens.
Um deles era José Campos Barreto, o Zequinha, morador da região.
O outro, também conhecido por "Renato", "Célio", "Sylas", "João", "César", "Cid", "Cláudio", "Paulista" e "Cirilo", era Carlos Lamarca, ex-Capitão do Exército, ex-dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares (VAR-P), naqueles tempos já militante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) e escondido no interior da Bahia.
Foi o fim trágico de um desertor.
Filho de pais pobres, Lamarca nasceu em 27 de outubro de 1937 e viveu, até os 17 anos, no Morro de São Carlos, no Rio de Janeiro, com seus irmãos e uma irmã de criação, Maria Pavan, que viria a ser sua esposa.
Em meados da década de 50, como muitos, entusiasmou-se com a campanha do "O Petróleo é Nosso", politizando-se com as idéias nacionalistas que o influenciaram a procurar a carreira militar.
Depois de reprovado por duas vezes nos exames, ingressou, em 1955, como aluno na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre. Três anos depois, estava matriculado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
Já como cadete, Lamarca -- clandestinamente e fora dos limites da AMAN -- participou de grupos de estudo do marxismo-leninismo, tornando-se um simpatizante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Declarado, em dezembro de 1960, aspirante-a-oficial da Arma de Infantaria, foi designado para servir no quartel do 4º Regimento de Infantaria (4ºRI), em Quitaúna/SP.
Como tenente, iniciou estudos sobre guerrilha e, em junho de 1962, vislumbrando a possibilidade de integrar a Força Brasileira, em Suez, conseguiu ser transferido para o 2º Regimento de Infantaria, na Vila Militar/RJ, e participou, durante 13 meses, da Força de Emergência da ONU, no Oriente Médio.
Retornando ao Brasil, foi designado, em outubro de 1963, para a então 6ª Companhia de Polícia do Exército (6ª Cia PE), em Porto Alegre/RS.
A Revolução de 31 de março de 1964 veio encontrar o Tenente Lamarca na 6ª Cia PE, admirando a tentativa de resistência de Brizola e condenando a atitude de Jango, por ele tachada como uma "fuga covarde".
Nesse ano, já transitando com desenvoltura pelas esquerdas, chegou a pedir o seu ingresso no PCB, somente desistindo quando alguns companheiros afirmaram que esse partido, "reformista e traidor, o entregaria à polícia".
Na noite de um sábado de dezembro de 1964, quando escalado de oficial-de-dia, Lamarca, deliberadamente, facilitou a fuga do Capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, que estava preso por subversão.
O inquérito, aberto para apurar o seu primeiro ato de traição ao Exército Brasileiro, não chegou a conclusões definitivas.
Entretanto, essa fuga inexplicável tornou o ambiente demasiadamente tenso para ele, na PE. Novamente movimentado, apresentou-se, em dezembro de 1965, no seu antigo quartel do 4º RI, em Quitaúna.
Nesse quartel paulista, reencontrou-se com seu amigo, o Sargento Darcy Rodrigues, com quem, novamente, passou a ter longas conversas sobre a situação brasileira e a realizar um estudo sistemático sobre o marxismo-leninismo.
Em 1968, várias organizações clandestinas, de linha foquista e militarista, sob o pretexto de livrar o Brasil da ditadura militar, ensangüentavam-no, desencadeando as açõs armadas e terroristas preconizadas por Cuba. Uma delas era a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), criada, em março desse ano, pela fusão do grupo foquista dissidente da Política Operária (POLOP) com os remanescentes do núcleo de São Paulo do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de Brizola. Paradoxalmente, uniram-se os "políticos" teóricos com os "militares" práticos.
Depois de estabelecer conversações com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Lamarca decidiu ingressar na VPR, seduzido pela facilidade com que poderia galgar os postos de comando, fazendo valer sua natural ascendência hierárquica sobre os inúmeros sargentos que integravam a organização.
Assim, em junho de 1968, ingressou na base militar da VPR, levado pelos irmãos de um de seus dirigentes, o ex-sargento Onofre Pinto. De imediato, criou uma célula clandestina da VPR no seu quartel, o 4º RI, composta pelo Sargento Darcy Rodrigues, pelo Cabo José Mariano Ferreira e pelo Soldado Carlos Roberto Zanirato.
Muito "convenientemente", Lamarca era, na época, o instrutor de tiro da Unidade.
Com essa facilidade, cometeu a segunda traição ao Exército, conseguindo desviar 2 mil tiros para municiar os 9 FAL que haviam sido roubados pela VPR, em 22 de junho de 1968, no assalto ao Hospital Geral de São Paulo, no Cambuci.
Em dezembro desse ano, explodiu a crise latente na VPR, provocada pela contradição entre a prática e a teoria, entre os "militaristas", oriundos do MNR, e os "políticos" ou "leninistas", oriundos da POLOP. Numa conturbada reunião realizada no litoral paulista, que ficou conhecida como a "praianada", os "militaristas", agora fortalecidos pela adesão do Capitão Lamarca, assumiram a direção da VPR.
Nesse ínterim, Lamarca vinha ministrando instrução de tiro a funcionárias do Banco Bradesco, ironicamente, para que elas pudessem enfrentar os assaltos a bancos.
Na sua cabeça, entretanto, fervilhavam as idéias sobre futuras ações armadas, dentre as quais o assalto ao seu próprio quartel, ato que marcaria, publicamente, o seu ingresso na luta armada terrorista e a sua terceira traição ao Exército.
Apesar do comando militar da área já ter tido conhecimento, desde outubro de 1968, da existência de uma célula comunista no 4º RI e, inclusive, da participação do Capitão Lamarca, as medidas então tomadas -- fruto do despreparo em combater ações desse tipo -- revelaram-se inócuas e não impediram o assalto.
Foi intenso e meticuloso o planejamento da ação, prevista para ser realizada nos dias 25 e 26 de janeiro de 1969, um final de semana, inclusive com a especificação detalhada de quem deveria matar quem. Entretanto, a prisão de quatro militantes da VPR, na quinta-feira, e a descoberta, em Itapecerica da Serra, do caminhão que estava sendo pintado com as cores do Exército, a fim de facilitar o roubo do armamento, determinaram a antecipação do assalto.
Assim, no final da tarde de sexta-feira, 24 de janeiro de 1969, Lamarca entrou no 4º RI com sua própria Kombi e, no paiol, carregou-a com 63 FAL, 3 metralhadoras INA, uma pistola .45 e farta munição.
Dali, dirigiu-se para a casa de Onofre Pinto, a fim de despedir-se de sua esposa, Maria Pavan, e do casal de filhos que, naquela mesma noite, embarcariam para Cuba, via Roma, junto com a família de Darcy Rodrigues.
Com 31 anos, Carlos Lamarca desertava do Exército e ingressava na clandestinidade, com seu nome já aureolado pelo ato audacioso. Com a família em segurança, pôde livremente desfrutar da companhia de sua amante Iara Iavelberg, psicóloga casada com um médico, também militante da VPR, e que, desde sua antiga militância na POLOP, colecionava os codinomes de "Leila', "Norma", "Rita", "Leda", "Cláudia", "Célia", "Márcia" e "Mara".
Alimentado pelo desejo de logo iniciar as ações violentas, foi planejá-las nos locais secretos da organização, os "aparelhos". Em pouco tempo, cometeria o seu primeiro assassinato.
2. O 1º ASSASSINATO
Depois de um Congresso realizado em abril de 1969, numa casa em Mongaguá, cidade do litoral paulista, entre Praia Grande e Itanhaém, no qual Lamarca foi eleito um dos cinco membros do Comando Nacional (CN), a VPR reiniciou as ações armadas.
Na tarde de 09 de maio, Lamarca comandou o assalto simultâneo aos bancos Federal Itaú Sul-Americano e Mercantil de São Paulo, na Rua Piratininga, bairro da Moóca, cujo gerente, Norberto Draconetti, foi esfaqueado e o guarda-civil, Orlando Pinto Saraiva, morto com dois tiros, um na nuca e outro na testa, disparados por Lamarca, que se encontrava escondido atrás de uma banca de jornais. No final da ação, disparou uma rajada de metralhadora para o ar, como a marcar, ruidosa e pomposamente, o seu primeiro assalto a banco e o seu primeiro assassinato.
Os primeiros meses de 1969, entretanto, foram marcados pelas prisões de dezenas de militantes da VPR e do Comando de Libertação Nacional (COLINA), organização criada em junho do ano anterior por dissidentes da Política Operária (POLOP) em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Debilitadas, ambas buscaram, na fusão, um modo de rearticularem-se, formando uma única organização, mais poderosa e de âmbito quase nacional. Dessa forma, no início de julho de 1969, surgiu a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-P), com Lamarca integrando, com mais cinco membros, o seu Comando Nacional (CN).
Nessa época, Lamarca já era um dos comunistas mais procurados. O roubo das armas, a deserção e o primeiro assassinato levaram os órgãos de segurança a efetuarem esforços especiais para a sua captura. O Exército, particularmente, sentindo-se traído, colocara como ponto de honra o fim dos seus atos terroristas. No entanto, ele não era mais um subversivo desconhecido, que necessitava ser identificado. Sua fama e sua origem o qualificavam como extremamente perigoso e sua fotografia atualizada era guardada no bolso de muitos agentes. Sua aparência física e, principalmente, seu rosto cadavérico, tornavam-no um alvo fácil de ser reconhecido. Lamarca sabia disso e resolveu mudar.
Em julho de 1969, dois médicos militantes da Base Médica da VPR, Almir Dutton Ferreira ("Augusto", "Cesar", "Ivo", "João") e Germana Figueiredo ("Júlia"), incumbiram-se da tarefa.
Almir convocou seu amigo de infância, o dentista Rogério Iório, que, em quatro consultas em seu consultório na Avenida Nelson Cardoso, em Jacarepaguá, trocou todos os dentes superiores de Lamarca.
Quinze dias depois, já em agosto, Almir procurou um outro amigo, o médico Milton Nahon, que conseguiu os serviços do também militante comunista Afrânio Marciliano Freitas Azevedo, cirurgião mineiro do Hospital Gaffrée Guinle, que, com o auxílio do médico cearense Amauri Luzardo Santiago de Almeida e do anestesista Luiz Alves, realizou a operação plástica na Clínica São João de Deus, na Rua Almirante Alexandrino, em Santa Tereza.
Lamarca foi internado com o nome de "Paulo Cesar de Castro" e chegou na clínica estranhamente vestido de mulher, com trejeitos para se passar por cabelereiro e homossexual. Durante as 24 horas da cirurgia, dois militantes da VPR, Sonia Eliane Lafoz e Wellington Moreira Diniz - este escondido no armário, permaneceram no seu quarto, como seguranças armados.
Logo depois, já com o nariz reduzido e sem os marcantes sulcos da testa e da face, Lamarca tirou fotografias para a nova identidade e viajou para São Paulo, numa caravana composta por seguranças e pelo médico da VPR Luiz Roberto Tenório, que a capitaneava num Gordini.
Entretanto, se a cirurgia deu certo e tínhamos um novo Lamarca, o mesmo não ocorria com a fusão que dera origem à VAR-PALMARES. Se, por um lado, os "marxistas" oriundos do COLINA, melhor preparados politicamente, criticavam os "militaristas" da VPR pelo "imediatismo revolucionário", por outro, os oriundos da VPR sentiam-se moralmente fortalecidos pelo que levavam para a nova organização: 55 milhões de cruzeiros e um grande arsenal de armas, munições e explosivos.
Nem a "Grande Ação" -- assalto ao cofre de Anna Benchimol Capriglione, amante de Adhemar de Barros, ex-Governador de São Paulo, e que proporcionou à VAR-P cerca de 2 milhões e 800 mil dólares -- conseguiu acalmar os conflitos entre os dirigentes.
Entre agosto e setembro de 1969, uma casa em Teresópolis abrigou 33 militantes que, depois de 20 dias, transformaram aquilo que seria o I Congresso Nacional da VAR-P num festival de bebedeiras, drogas e sexo, recheado por acirradas discussões político-ideológicas que, por pouco, não degringolaram em agressões físicas e tiros.
Ao final, concretizou-se um "racha" na VAR-P, surgindo o "Grupo dos 7" -- dentre os quais, Lamarca -- que foi reestruturar a VPR.
No início de outubro, no bar do Hotel das Paineiras, na Floresta da Tijuca, representou a VPR num encontro com dirigentes da VAR-P para a partilha dos bens das duas organizações
Apesar de ser membro do CN, ele delegou aos demais a burocrática tarefa de organizar o Congresso da nova VPR, realizada na Barra da Tijuca, e foi orientar seus militantes que se exercitavam no tiro e em marchas tipo guerrilha, num sítio em Jacupiranga, próximo ao Km 234 da BR-116. Observou, no entanto, que esse local, demasiado próximo de uma rodovia e de regiões urbanas, não oferecia boas condições de segurança.
Assim, já como Comandante-em-Chefe da VPR, Lamarca determinou a desmobilização dessa área e a ativação de uma outra, em Registro, no Vale do Ribeira/SP.
3. A ÁREA DE REGISTRO
No feriado da Proclamação da República, Lamarca e Iara Iavelberg foram apanhados de carro por Joaquim dos Santos, num "ponto" junto ao Forte de Copacabana, na então Guanabara, e levados para São Paulo. No dia seguinte, chegavam na nova área de treinamento, localizada no Sítio Palmital, com 40 alqueires de terra, na região de Barra do Azeite, na altura do Km 254 da BR-116, antiga BR-2, rodovia que liga São Paulo a Curitiba, 30 Km ao Sul do município de Jacupiranga.
O ex-Capitão - agora utilizando o codinome de "Cid" - e mais quatro militantes permaneceram no sítio, realizando exercícios de tiro, marchas e reconhecimento das áreas adjacentes. Observaram que a área também não era a ideal: além de ser pequena, a excessiva proximidade da rodovia e a constante presença de caçadores aumentavam a sua vulnerabilidade, inviabilizando-a como área de treinamento apta a receber mais "guerrilheiros".
No início de dezembro, a VPR adquiriu um outro sítio, de 80 alqueires, situado um pouco mais ao Norte, distante 4 quilômetros da BR-116. A primeira área foi desmobilizada e seu material transferido para a nova, denominada de Área 2, considerada pronta antes do Natal.
A partir de janeiro de 1970, os militantes foram chegando para o treinamento e, em março, a Área 2 contava com um total de 18 "guerrilheiros", dentre os quais Lamarca e duas mulheres, uma delas, sua companheira Iara.
Mas as coisas começaram a se complicar.
Em 27 de fevereiro, foi preso Chizuo Ozawa, o "Mário Japa", que sabia a localização da área. Se falasse, tudo estaria perdido. Preocupado em libertá-lo, Lamarca exigiu, em caráter de urgência, o seqüestro de um diplomata.
Em 11 de março de 1970, foi seqüestrado o Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi, posteriormente trocado por cinco presos, dentre os quais "Mário Japa". A localização da Área 2 permanecia secreta.
Mas as dezenas de prisões de dirigentes e militantes da VPR, ocorridas no início de abril, viriam, novamente, comprometer a segurança da área de treinamento. Os depoimentos dos presos confirmaram que Lamarca havia feito, no ano anterior, uma operação plástica e Maria do Carmo Brito, membro do CN, presa no Rio de Janeiro, apontara a localização da área.
Em meados de abril de 1970, sentindo-se seguro, Lamarca convocou uma reunião ampliada do CN/VPR, numa casa da Rua Estância, em Peruíbe, cidade do litoral sul paulista. Aventurou-se a deixar a área de treinamento - relativamente próxima ao local - e encontrou-se com Ladislas Dowbor, membro do CN e Cmt da Unidade de Combate (UC) de São Paulo, e com Maria do Carmo Brito, membro do CN, além dos dois Cmt/UC da Guanabara, Juarez Guimarães de Brito e José Ronaldo Tavares de Lira e Silva. O Cmt da UC/RS, Felix Silveira Rosa Neto, também previsto para comparecer à reunião, não foi encontrado por Joaquim dos Santos, que o fora buscar de carro em Porto Alegre (ninguém sabia que Félix já havia sido preso em 12 de abril). Ainda na casa, estavam presentes Iara Iavelberg, Maria Barreto Leite Valdez, que iria cumprir missão no Sul, e Tercina Dias de Oliveira, a "Tia", retirada da área de treinamento no início de março. As informações ainda obscuras sobre as quedas dos militantes da VPR não permitiram que essa reunião do CN decidisse ações de importância.
Entretanto, na noite de 18 de abril de 1970, já alertado sobre as prisões, Lamarca decidiu desmobilizar a área e evacuar os militantes em três grupos. Dois dias depois, quando chegaram as primeiras tropas da "Operação Registro", 8 militantes já haviam fugido.
4. O ASSASSINATO DO TENENTE MENDES
Na noite do Dia das Mães, 08 de maio, depois de mais de duas semanas ainda cercados na área, Lamarca e mais 6 militantes emboscaram cerca de 20 homens da Polícia Militar de São Paulo, chefiados pelo Tenente Alberto Mendes Júnior - o "Berto", como era chamado por sua família, que decidiu se entregar como refém, desde que seus subordinados, feridos, pudessem receber auxílio médico.
Na noite seguinte, os 7 guerrilheiros ficaram reduzidos a 5, pois 2 haviam se extraviado na refrega da noite anterior.
Conduzindo o Ten Mendes como refém, prosseguiram na rota de fuga.
Depois de andarem um dia e meio, os 5 guerrilheiros pararam para um descanso, no início da tarde de 10 de maio de 1970.
Lamarca disse que o Ten Mendes os havia traído, causando a morte de dois companheiros (não sabia que eles estavam, apenas, desgarrados) e, por isso, teria que ser executado.
Nesse momento, enquanto Ariston Oliveira Lucena e Gilberto Faria Lima vigiavam o prisioneiro, Carlos Lamarca, Yoshitane Fujimore e Diógenes Sobrosa de Souza afastaram-se e, articulando-se em um "tribunal revolucionário", condenaram o Ten Mendes à morte.
Poucos minutos depois, Yoshitane Fujimore, acercando-se por trás do Tenente, desferiu-lhe, com a coronha do fuzil, violentos golpes na cabeça. Caído e com a base do crânio partida, o Ten Mendes gemia e contorcia-se em dores. Diógenes Sobrosa de Souza desferiu-lhe outros golpes na cabeça, esfacelando-a.
Lamarca, perante os 4 terroristas, responsabilizou-se pelo assassinato.
Ali mesmo, numa pequena vala e com seus coturnos ao lado da cabeça ensangüentada, o Ten Mendes foi enterrado.
Alguns meses mais tarde, em 08 de setembro de 1970, Ariston Oliveira Lucena, que havia sido preso, apontou o local onde o Tenente Mendes estava enterrado. As fotografias tiradas de seu crânio atestam o horrendo crime cometido. Sua mãe entrou em estado de choque e ficou paralítica por quase três anos.
Ainda nesse mês de setembro, descoberto o crime, a VPR emitiu um comunicado "Ao Povo Brasileiro", onde tenta justificar o frio assassinato, no qual aparece o seguinte trecho:
"A sentença de morte de um Tribunal Revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O Tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, e assim o foi, sendo depois enterrado."
Os dirigentes da VPR não só eram os donos da verdade, como arvoravam-se em senhores da vida e da morte!
Na tarde de 31 de maio de 1970, Lamarca e os 4 militantes seqüestram uma viatura do 2º Regimento de Obuses 105 e conseguem romper o cerco, largando o veículo já na cidade de São Paulo, na marginal do rio Tietê, perto do bairro da Vila Maria, com os militares amarrados à carroceria, sem roupas.
O segundo assassinato cometido por Lamarca e a fuga bem sucedida, ludibriando e humilhando os militares, serviu para aumentar a lenda e o mito.
5. O SEQÜESTRO DO EMBAIXADOR DA SUÍÇA
Lamarca encontrou a VPR em situação caótica, em face das numerosas "quedas" de abril e de maio de 1970. Em 03 de junho, cobriu um ponto com Ariston Oliveira Lucena na Avenida Ipiranga e reassumiu a sua função de Comandante-em-Chefe, rearticulando o Comando Nacional (CN) com Inês Etienne Romeu e com o homossexual ainda não assumido Herbert Eustáquio de Carvalho, o "Daniel", que com ele estivera na área de Registro. Ao mesmo tempo, foi morar com Iara num "aparelho" do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
Em meados de junho, Lamarca, em reunião com Joaquim Câmara Ferreira ("Toledo"), da ALN, e Devanir José de Carvalho ("Henrique"), do MRT, estabeleceu a lista dos 40 prisioneiros que seriam trocados pelo Embaixador alemão, seqüestrado em 11 de junho de 1970.
Reestruturada e com o moral fortalecido pelo sucesso alcançado no seqüestro, a VPR ingressou no 2º semestre de 1970 disposta a incrementar as ações violentas.
Contudo, o seu Comandante-em-Chefe continuava enclausurado em "aparelhos" de outra organização, o diminuto mas violento MRT, por falta de uma conveniente infra-estrutura em São Paulo, até que, no início de outubro, os três membros do CN foram transferidos para o Rio de Janeiro, sendo que o casal Lamarca e Iara foi descansar, durante dois meses, numa casa alugada pelo militante Walter Ribeiro Novaes - nomeado "infra" do Comando - em Rio D'Ouro, pequeno lugarejo situado entre Piabetá e Santo Aleixo, na entrada de Imbariê, estrada Rio-Teresópolis.
Com tranqüilidade, Lamarca pôde, nesses dias, escrever vários documentos teóricos de orientação à VPR e, à revelia da "frente" composta com a ALN, o PCBR, o MR-8 e o MRT, decidiu executar o seqüestro do Embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.
A ação desencadeou-se na manhã de 07 de dezembro de 1970, na Rua Conde de Baependi, uma rua estreita, de mão única, que liga o bairro de Laranjeiras ao Flamengo.
Depois de bloqueado o Buick azul do Embaixador, Lamarca, de cavanhaque, terno e gravata, bateu no vidro da janela onde estava o segurança, o Agente da Polícia Federal Hélio Carvalho de Araújo. Abriu a porta e disparou dois tiros com um revólver "Smith & Wesson" calibre .38, cano longo, a uma distância de um metro: o 1º tiro atingiu o teto do carro e o 2º, as costas do Agente que, por instinto, se virara. Com a medula totalmente seccionada pelo projetil, o Agente viria a falecer três dias depois, no Hospital Miguel Couto.
Consumado o seqüestro e o seu 3º assassinato, Lamarca levou o Embaixador para uma casa da Rua Tacaratu, uma ladeira que começava em Rocha Miranda e terminava em Honório Gurgel.
Nessa casa, durante os 40 dias de cativeiro, junto com quatro outros militantes, Herbert Eustáquio de Carvalho, Gerson Theodoro de Oliveira, Tereza Ângelo e Alfredo Hélio Sirkis, Lamarca viu, por diversas vezes, ameaçada a sua autoridade, na polêmica sobre se matavam ou não o suíço.
Num rompante de democracia, Lamarca determinou que os militantes da VPR enviassem, por escrito, as respectivas posições.
No documento de Adair Gonçalves Reis, datado de 24 de dezembro, aparece:
"Propomos a marcação imediata da data e horário para o justiçamento, com comunicado à ditadura. Prazo mínimo de 48 horas e máximo de 72 horas, tomando as 18 horas da tarde como horário básico."
Dois dias depois, Zenaide Machado afirma:
"A saída é pagar o preço alto e carregar um defunto que irá muito nos incomodar."
Ubajara Silveira Roriz ("Otávio", "Nando", "Paulo", "Salomão"), militante que já defendera a idéia de sabotar as indústrias siderúrgicas soltando milhares de ratos nas cidades próximas, propugnava:
"... fazer a ditadura levar o cadáver do embaixador atravessado na garganta, nas suas andanças pelo mundo."
Nas respostas, somente Alfredo Hélio Sirkis e José Roberto Gonçalves de Rezende não viram dividendos políticos na morte do Embaixador. Dentre os 5 militantes confinados no "aparelho" da Tacaratu, inicialmente, Sirkis ficou isolado, numa posição absolutamente minoritária.
Com as respostas e o passar dos dias, Lamarca mudou a sua posição. Mesmo assim, eram cerca de 15 votos contra 3, esmagadora maioria a favor da execução. Lamarca, como comandante-em-chefe da VPR, exerceu o seu poder de veto e a sustou.
Sem o saber, Bucher nunca estivera tão perto da morte como naqueles dias de Natal.
À meia-noite de 13 de janeiro de 1971, 70 presos, escoltados por 3 agentes da Polícia Federal, decolavam do Galeão num Boeing da Varig, com destino a Santiago do Chile.
No dia 15, um dia antes do Embaixador ser libertado, Lamarca abandonou o "aparelho" e foi matar as saudades de Iara, que viera de São Paulo.
6. A SAÍDA DA VPR E O INGRESSO NO MR-8
Se o seqüestro do Embaixador suíço proporcionou, por um lado, a libertação de 70 militantes, por outro, demonstrou ser uma "vitória de Pirro", abalando a liderança de Lamarca e iniciando o que viria a ser a desestruturação da VPR.
Em 10 de janeiro de 1971, ainda no "aparelho" da Tacaratu, Lamarca redigiu o documento "Os Mesmos Problemas da Propaganda Armada", no qual, num desabafo, revela as incertezas que lhe corroíam o espírito:
"Estamos nos esvaziando, não conseguimos recuperar o terreno perdido, os companheiros no exterior estão sendo transformados em tábuas de salvação enquanto aqui não conseguimos criar condições para recebê-los, não admitimos fazer trabalho político e ficamos impossibilitados de penetrar no campo, aprofundamos o nosso isolamento político, afundando cada vez mais na marginalidade, ignoramos a história, preocupamo-nos mais com o que o MR-8 vai dizer do que significam as nossas ações, transformamos as nossas discussões em afirmação pessoal (encenações de marxismo), deturpamos tudo para demonstrar que a nossa linha é a correta quando estamos num impasse histórico, esquecemos as discussões, a maioria silencia aguardando não sabemos o que, desgastamo-nos no cri-cri-cra-cra da política burguesa, não criamos nada. A discussão é decisiva."
Dez dias depois de escrever uma "Carta Aberta a Toda a ORG", Zenaide Machado escreveu em 25 de janeiro, em parceria com Adair Gonçalves Reis, um documento no qual analisa os fenômenos existentes na esquerda, dentre os quais o voluntarismo, o espontaneísmo, o individualismo, o personalismo e a autoafirmação, concluindo:
"Toda a esquerda sofre na carne a presença destes fenômenos que têm atravancado o seu desenvolvimento. Se não vencermos o desafio que esta realidade nos impõe, se não tivermos a combatividade necessária para fazermos uma profunda autocrítica e revolução interna não passaremos do que somos hoje: um tumor dentro da realidade política brasileira."
O ponto alto das discussões, entretanto, pelo caricato que se revestiu, foi a polêmica entre Lamarca e o estranho militante de codinome "Otávio", Ubajara Silveira Roriz, o mesmo dos "ratos" e do cadáver "atravessado na garganta". Depois de escrever, em 27 de outubro de 1970, um documento sobre a moral revolucionária, Ubajara, em 19 de dezembro, redigiu o "Libelo contra os Apóstolos do Laissez-Faire ou Abaixo o Positivismo Anti-Revolucionário", usando termos nunca sonhados no hermético discurso marxista-leninista, tais como "pitecantropus erectus", "primatas", "português do bar da esquina", etc.
Foi, no entanto, a crítica aos que estavam no Comando que provocou a irritação em seus companheiros, agravada por dois novos documentos datados de 02 e 05 de janeiro, respectivamente, uma "Carta Aberta ao Comando Nacional" e um "Balanço da Situação", nos quais reputa o seqüestro do embaixador suíço como uma derrota política e disserta sobre a "volúpia do poder" e a "completa ausência de companheirismo revolucionário" que havia, no seu entender, na VPR.
Até aquele momento, o ex-Capitão não havia recebido nenhum desses documentos, pois os comandantes das Unidades de Combate (UC) e das bases estavam considerando que era melhor preservar o comandante-em-chefe da leitura das diatribes de Ubajara. O último documento, entretanto, foi recebido por Lamarca em 14 de janeiro e, dois dias depois, enviava uma "Resposta Sintética ao Companheiro Otávio", afirmando que seu balanço havia sido superficial e incompleto, caindo num "desvio ideológico". Ao final, uma advertência: "Nós devemos é ser mais sérios em nossas análises."
Em 23 de janeiro, Ubajara responde com o documento que mexeu com toda a organização, o "Quem é Carlos Lamarca ?", no qual levanta dúvidas sobre a lealdade revolucionária do "ex-capitão do Exército" e afirma estranhar o mito que se havia criado em torno do seu nome.
Quase uma dezena de documentos sobre a polêmica Lamarca x "Otávio" circularam entre os militantes da VPR nesses dois primeiros meses de 1971, demonstrando a fragilidade do Comando, tendo em vista, particularmente, que tudo acabou em nada.
O mês de março de 1971 ficou marcado pelas ásperas discussões travadas entre Lamarca e Inês Etienne Romeu, que redundaram no desligamento desses dois membros do triunvirato que compunha o Comando Nacional da VPR.
Em 22 de março de 1971, Lamarca, através do documento "Ao Comando da VPR", apresentou o seu "pedido de desligamento em caráter irrevogável", fundamentado por:
"1) divergir da linha política da VPR, conforme coloquei em diversos documentos internos;
2) ter constatado os desvios ideológico
Um comentário:
Eu conheci Carlos Lamarca, sua esoposa e seus filhos, um menino e uma menina.Vi como Lamarca preparou a fuga do capitão, eu sei e tive que ficar de bico calado, pois sobre mim existia tres pistolas prontas para me matar, isto é, eu tinha que ficar debico calado, se quizesse viver, se falasse me matarian, tenho este problema comigo até agora, e digo não acredito nas forças armadas, para defender o povo brasileiro, militar pra mim é bandido com arma na mão
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