O Globo - Chico Otavio, Bernardo de la Peña e Adriana Vasconcelos
RIO e BRASÍLIA. O Núcleos, fundo de pensão da Eletronuclear, Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Nuclep, aplicou, entre 2003 e 2004, R$ 148,8 milhões em investimentos que estão sob suspeita. O valor representa 30% dos ativos de R$ 500 milhões dos 3.300 participantes do fundo. As operações incluem a compra de títulos públicos, que deram um prejuízo à entidade de R$ 22,7 milhões, do Banco Santos e de empresas ligadas ao fraudador argentino Cezar Arrieta. As transações com títulos públicos federais, que representaram perdas para o fundo e beneficiaram a Euro DTVM SA e a Quantia DTVM Ltda, revelam duas corretoras que já haviam participado de negócios prejudiciais aos cofres públicos na gestão da petista Benedita da Silva, em 2002.
A Euro e a Quantia participaram da venda de papéis para o RioPrevidência, o fundo de pensão dos funcionários públicos fluminenses, numa operação que, no total, custou à entidade R$ 25 milhões além do necessário. Representantes dos funcionários na gestão do Núcleos e do RioPrevidência relacionaram os prejuízos com os títulos a ingerências políticas nos fundos de pensão em governos do PT. A CPI dos Correios, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central investigam as corretoras por causa de operações com fundos de pensão consideradas “incompatíveis com os padrões de mercado”.
No caso do Núcleos, a melhor pista de interferência política encontrada até o momento é o registro feito por uma secretária, que anotara recado do economista Marcelo Sereno, então assessor especial do ex-ministro José Dirceu, para um dos diretores do fundo da Eletronuclear, Gildásio Amado Filho, pedindo que ele entrasse em contato com uma empresa de administração de recursos. Na época da operação das duas corretoras com o RioPrevidência, Sereno era secretário-executivo de Gabinete da governadora Benedita. Integrantes da CPI dos Correios dizem que o economista, que depois foi secretário de Comunicação do PT, está sendo investigado por sua suposta interferência nos fundos de pensão.
STF suspendeu quebra de sigilo
Uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado no RioPrevidência, em 2003, revelou que operações financeiras feitas sem licitação, entre junho e dezembro de 2002, causaram prejuízo de R$ 25,3 milhões. O relatório sustenta que o rombo foi causado por 30 operações de compra de títulos públicos federais a preços acima do valor de mercado, adquiridos em valores até 162% mais altos pelas distribuidoras Turfa (que mudou o nome para Euro no ano seguinte), CQJR e Quantia.
Dirigentes das distribuidoras, em depoimentos na Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), alegaram que só cumpriam ordens dos gestores do RioPrevidência. Mas investigações desencadeadas pela CPI na Alerj que apurou o caso mostraram que um dos sócios da Turfa, Eric Bello, era filho do então presidente do RioPrevidência, Ruy Bello.
Outro detalhe do caso chama a atenção do engenheiro Cesar Drucker, representante dos funcionários da direção do fundo: de acordo com documentos da Junta Comercial do Rio, a Turfa foi fundada em 11 de abril de 2002, portanto, poucos dias antes da posse de Ruy Bello no fundo.
— Está claro que a distribuidora só foi criada para fazer as operações — disse.
As duas corretoras, Euro e Quantia, tiveram o sigilo bancário, telefônico e fiscal quebrados pela CPI. Uma liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, entretanto, suspendeu os efeitos da decisão da CPI. A comissão vai pedir que o ministro reconsidere.
— A Euro e a Quantia apareceram inicialmente quando foram analisadas operações de títulos públicos pelos fundos de pensão. Foram vistas operações com 11 fundos, entre eles o Núcleos. Neste exame, o primeiro feito pela CPI, antes mesmo da criação da sub-relatoria, verificou-se que ambas tinham obtido vantagens indevidas em operações que deram prejuízos para os fundos — explicou o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), sub-relator da CPI responsável pelas investigações sobre os fundos de pensão.
— Parte das corretoras que tiveram o seu sigilo quebrado já estava sendo investigada pelos órgãos reguladores do mercado — completou o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS).
A CVM instaurou inquérito administrativo para investigar a Euro. O Banco Central também enviou ofícios à comissão informando que a corretora esteve envolvida em operações suspeitas com fundos de pensão. Os técnicos do BC consideraram os negócios como fora dos padrões de mercado.
Relatório preparado pela auditoria KPMG comparou a compra de 84.397 títulos, que custaram R$ 118,875 milhões ao Núcleos, com as demais operações com os mesmos papéis realizadas no mesmo dia. Foi com base neste estudo que se chegou a um “custo de aquisição excedente de R$ 22,7 milhões”. “Observa-se que a maioria das transações foram realizadas via as corretoras Euro DTVM S.A com 35.580 títulos e a Quantia DTVM Ltda com 53.772 títulos, representando uma participação de 31% e 47%, respectivamente (78% em relação as compras totais dos títulos públicos adquiridos pelo Núcleos)”, afirma o documento.
Ação contraex-gestores
A diretoria do Núcleos foi substituída no dia 31 de agosto e o Conselho Deliberativo determinou a contratação de duas auditorias externas. Uma delas apenas para apurar possíveis prejuízos face à constatação de vultosos investimentos, de aproximadamente R$ 170 milhões entre janeiro de 2004 e junho de 2005, em títulos públicos federais de longo prazo. O Núcleos está ingressando na Justiça com uma ação de ressarcimento contra o ex-presidente Paulo Figueiredo, e mais três ex-gestores, Abel de Almeida, Gildásio Amado Filho e Fabiana Castro.
Advogado diz que Sereno não fez nomeações
O economista Marcelo Sereno, ex-assessor especial da Casa Civil na gestão de José Dirceu, não foi encontrado para comentar a reportagem. Seu advogado, Luís Paulo Viveiros de Castro, informou que Sereno não foi o responsável pela nomeação de Ruy Bello como presidente da RioPrevidência no governo Benedita da Silva e de Paulo Figueiredo na direção do Nucleos. Viveiros de Castro disse que seu cliente só não entrou com uma ação contra Neildo de Souza Jorge, represente dos funcionários no Conselho Deliberativo do Núcleos e que o acusa de ter nomeado Paulo Figueiredo porque não encontrou seu endereço:
Figueiredo também nega ter sido apadrinhado por Sereno. Ele diz que não houve irregularidades no Núcleos durante sua gestão e afirma que, no caso de aplicações em debêntures da Ulbra — empresa ligada ao fraudador argentino Cezar Arrieta — outros fundos de pensão fizeram o mesmo. Disse ainda que ingressou na Justiça com duas ações contra Neildo.
Já o advogado da Euro Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, Fernando Freire, informou na sexta-feira que não há na contabilidade da empresa registro de operações com o Núcleos. Segundo ele, isso pode ter acontecido porque a corretora nem sempre sabe para quem está vendendo os papéis que são negociados em mercados que funcionam por intermédio de sistemas eletrônicos. O advogado informou ainda que a Euro já fez negócios com outros fundos, como a Postalis, em janeiro deste ano, e com o RioPrevidência. Freire negou, entretanto, que os negócios com o fundo de pensão fluminense tenham dado prejuízo e disse que a corretora teria participado de apenas parte da operação.
"Sobre as operações com o RioPrevidência, a parte do prejuízo, no entorno de R$ 750 mil, imputado à Euro DTVM S/A, não representa a verdade", afirmou, acrescentando que a operação teria dado lucro de R$ 52.300. O advogado admitiu que um dos dirigentes da corretora, por ocasião da operação, Eric Bello, é filho do presidente do RioPrevidência na época. Mas afirmou que Eric não tinha conhecimento das operações e que quando soube do assunto pediu que todas as transações com o fundo fossem suspensas.
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