Em meio a desabastecimento, Chávez ocupa fábrica de arroz
Intenção é forçar cumprimento de preço tabelado; para associação, medida piora escassez
Governo venezuelano, que acusa empresas de estocar para fazer especulação, ameaça com estatização se intervenção não surtir efeito
As Forças Armadas venezuelanas iniciaram na noite de anteontem a ocupação da indústria de beneficiamento arroz do país, determinada pelo presidente Hugo Chávez como medida para garantir o cumprimento dos preços tabelados pelo governo. A medida ocorre em meio a um aumento no problema de desabastecimento de produtos como feijão e ovos, além do próprio arroz.
"Eles se negam a produzir e a empacotar arroz para o consumo do prato do venezuelano. Eu me cansei. E disse a Elías [Jaua, ministro da Agricultura]: "intervenha e, se eles jogarem contra, expropriaremos'", disse Chávez ontem, em seu programa dominical de TV "Alô, Presidente".
Chávez afirmou que, caso haja expropriação, as empresas passarão de privadas a "sociais", e a indenização será paga em bônus. "Não creiam que vou pagar com dinheiro vivo. O governo está aqui para proteger o povo, e não para proteger a burguesia nem os ricos."
A primeira intervenção ocorreu anteontem à noite, quando militares da Guarda Nacional ocuparam a fábrica de arroz Primor, em Calabozo (180 km ao sul de Caracas). A planta pertence à empresa Polar, a maior produtora de alimentos da Venezuela.
Ontem, Jaua acusou a empresa Polar de produzir 90% de seu arroz em versões "coloridas" para fugir da tabela do governo, que só inclui o arroz branco tradicional. "Hoje [ontem] se iniciou a produção de arroz 100% tabelado, estabelecido no controle de preços imposto pelo governo revolucionário", disse o ministro, também no "Alô, Presidente".
Na quinta-feira, o governo já havia confiscado 16 mil toneladas de arroz da fábrica da Polar. O governo afirmou que irá comercializá-lo pela tabela.
O confisco foi chamado "arbitrário e ilegal" pela empresa Polar. "O arroz com sabor, assim como o arroz instantâneo e o parboilizado, são produtos cuja produção e comercialização estão expressamente permitidas", disse o diretor jurídico da empresa, Guillermo Bolinaga, ao jornal "El Universal". Até o final da tarde de ontem, a empresa não havia se pronunciado sobre a intervenção.
Hoje, está prevista a ocupação da fábrica Mary, considerada a maior do país. Jaua disse que haverá mais ações semelhantes até amanhã. O site da Asovema (Associação Venezuela de Moinhos de Arroz) lista 11 empresas do setor no país.
Em nota, a Asovema demonstrou "surpresa" com a medida, negou irregularidades e alertou que a intervenção pode piorar o desabastecimento.
Em falta
Um levantamento publicado na sexta-feira pelo jornal "Últimas Notícias", o maior do país, mostra que, de seis mercados visitados, apenas um vendia arroz no preço tabelado. O produto estava ausente inclusive na unidade do Mercal, rede administrada pelo governo nacional.
Pela tabela, o quilo do arroz branco custa 2,18 bolívares (R$ 2,40 no câmbio oficial), mas o levantamento do "Últimas Notícias" encontrou por até 6,70 bolívares (R$ 7,40), na versão parboilizada.
Há problemas em outros produtos. Nos casos mais graves, o levantamento não encontrou ovos ou feijão preto (muito consumido pelos venezuelanos) em nenhum dos seis estabelecimentos.
A escassez tem sido apontada como um dos principais motivos da inflação mais alta da América Latina: 30,9% no ano passado. No mesmo período, o preço dos alimentos subiu 47%.
O governo tem culpado as empresas privadas pelo desabastecimento e pela inflação, acusando-os de estocar alimentos para gerar especulação. No ano passado, Chávez estatizou laticínios e frigoríficos em resposta à falta de leite e de carne.
Analistas críticos de Chávez, por outro lado, dizem que a insegurança jurídica e o excessivo controle de preços desestimulam o setor privado, estancando a produção e pressionando os preços. Folha
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