Para extrair madeira, fazendas com reservas florestais viram alvo de invasores
Segundo a polícia, união informal ocorre em área de grande desmatamento em Rondônia; madeireiros e sem-terra não comentam
Uma investigação da Polícia Federal detectou uma "aliança informal" entre sem-terra e madeireiros no interior de Rondônia. O esquema envolveria, de acordo com a polícia, a escolha da propriedade, a invasão da terra, a expulsão do fazendeiro, o desmatamento e, por fim, a venda da madeira.
Segundo relatório da PF obtido pela Folha, a parceria é formada pela LCP (Liga dos Camponeses Pobres) e madeireiros da região de Buritis, Nova Mamoré e Campo Novo de Rondônia. O lucro da venda é dividido entre líderes sem-terra e os donos das madeireiras.
Criada em 2003, a LCP é uma dissidência radical do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Em Rondônia, tem diálogo com a superintendência regional do Incra, toma conta de assentamentos e reivindica a desapropriação de outras áreas.
"Os madeireiros de Buritis, após explorar até a exaustão a madeira em áreas de manejo autorizadas pelo Ibama e nas reservas indígenas próximas, fizeram uma aliança com os líderes da LCP a fim de avançar sobre as reservas florestais das grandes fazendas", diz a PF.
A Folha procurou a direção da LCP, mas ninguém quis comentar o relatório da PF, assim como proprietários de algumas madeireiras locais.
O esquema
Na prática, segundo a polícia, essa "aliança" começa na escolha da terra a ser invadida. Os sem-terra "não invadem médias e pequenas propriedades, porque seus proprietários, em geral, exploram suas reservas florestais para se capitalizar, não restando, portanto, quantidade economicamente interessante aos líderes da LCP".
Esses sem-terra visam sempre a invasão de áreas com reservas florestais, em especial aquelas voltadas para a pecuária. Dessa forma, o gado pode ser abatido para sustentar o acampamento. Segundo a PF, os integrantes do movimento social nunca invadem área sob controle dos madeireiros.
De acordo com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a região é o principal foco do desmatamento no Estado -um dos líderes do desmate na região da Amazônia.
Quem lidera as invasões é um braço armado da LCP, com cerca de dez homens, segundo o relatório. Esses homens entram na propriedade, expulsam fazendeiro e peões e autorizam a entrada dos demais sem-terra para montar o acampamento e extrair a madeira. No local de atuação dessa "aliança informal", entre meados de 2007 e meados de 2008, o Ibama aplicou 538 multas, que totalizam cerca de R$ 35 milhões.
Vítimas dessa aliança, os fazendeiros desconhecem a participação dos madeireiros, retaliando, então, apenas os sem-terra. Segundo a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, 12 crimes motivados por conflitos fundiários ocorridos desde meados de 2006 nessa mesma região permanecem sem esclarecimento.
"Os inquéritos policiais são extremamente precários. Isso explica essa sequência de mortes", disse Ailson Machado, assessor de mediação de conflitos agrários da secretaria. "Todas essas barragens do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] vão causar uma migração para o Estado, o que tende a agravar os problemas, essa violência", diz Fermino Fecchio, ouvidor-geral da Cidadania da secretaria e que assina ofício enviado ao procurador-geral de Justiça de Rondônia pedindo explicações sobre os crimes.
Procurada pela Folha e informada sobre o teor da reportagem, a Secretaria da Segurança Pública de Rondônia não se manifestou.
Essa aliança é de conhecimento do Ministério Público de Rondônia, que mantém o tema sob sigilo para, segundo o procurador-geral de Justiça, aguardar o momento certo para flagrar os madeireiros.
Para os madeireiros, oriundos do Sul do país, a aliança permite usar mão-de-obra de um movimento sem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), ou seja, que não pode ser responsabilizado, e não se indispõem com os fazendeiros, a maioria de São Paulo.Folha
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