17.10.08

O orçamento da recessão

Editorial do Estadão

Já não há ilusão, mesmo em Brasília, quanto ao contágio da economia brasileira pela crise internacional. O estouro da maior bolha financeira da história já se reflete numa severa redução do crescimento econômico nos Estados Unidos e na Europa e a palavra recessão é usada sem muita cerimônia por autoridades e especialistas da academia e do setor privado. No Brasil, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admitiu rever despesas programadas para o próximo ano e cancelar concursos de seleção de pessoal para ajustar as contas do governo a um crescimento menor da economia. O governo poderá, segundo afirmou o ministro em entrevista ao Estado, adiar o pagamento de aumentos salariais já concedidos ao funcionalismo. O Executivo poderá, em novembro, pedir uma revisão da proposta orçamentária em tramitação no Congresso, se surgirem dados para justificar uma alteração das projeções da expansão econômica e da inflação. Algumas fontes de Brasília dão como certa essa revisão.

No mesmo dia dessa entrevista, a Câmara dos Deputados aprovou aumentos salariais para 471.477 servidores civis, além da criação de 2 mil cargos para a Polícia Federal - item acrescentado por solicitação do Executivo a uma das duas medidas provisórias votadas na quarta-feira. Os aumentos de salários deverão ser pagos de forma gradual. Em 2008 o impacto no orçamento será de R$ 3,45 bilhões. Em 2011, de R$ 16,6 bilhões. Falta esclarecer como o governo poderá adiar o início do pagamento destes e de quaisquer outros aumentos determinados por lei e não por acordo com o funcionalismo.

O ministro Paulo Bernardo foi a primeira autoridade do primeiro escalão a admitir claramente a hipótese de um ajuste das contas públicas no próximo ano, por causa dos efeitos da crise internacional na economia brasileira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, têm-se queixado da crise e criticado os governos do mundo rico, onde os problemas se originaram, mas continuam falando como se previssem conseqüências muito limitadas para o Brasil. Sem dúvida, o País está mais preparado para enfrentar choques externos do que noutros tempos, mas este não é um bom momento para exibição de otimismo e muito menos para menosprezar o perigo.

O relator-geral da proposta orçamentária, senador Delcídio Amaral (PT-MS), já havia recomendado cautela quanto às projeções, especialmente no caso da reestimativa de receita apresentada pelo deputado Jorge Khoury (DEM-BA), responsável por essa tarefa. A reestimativa, baseada nas projeções de crescimento econômico de 4,5% e de inflação média de 5,1%, constantes da proposta original, indicou um folga de R$ 7,9 bilhões na comparação com o valor previsto pelo Executivo e incluído no texto enviado ao Congresso no fim de agosto.

Segundo o ministro Paulo Bernardo, o governo preservará o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mesmo se tiver de limitar os gastos no próximo ano. Conclusão necessária: os cortes atingirão investimentos não incluídos no PAC, ou despesas de custeio, ou, talvez, uma combinação dos dois itens. A folha de salários e benefícios é o item principal do custeio, mas é também o menos comprimível a curto prazo. Será interessante ver como o governo cortará os gastos correntes, se tiver de ajustar a despesa a uma arrecadação menor. O ajuste mais fácil ocorrerá, quase certamente, de maneira incompatível com o discurso oficial. O governo é rápido para aumentar as despesas de pessoal e muito ineficiente quando se trata de realizar projetos. A maior parte das obras do PAC permanece atrasada e assim continuará em 2009, porque o padrão gerencial do governo continuará ruim como hoje.

De toda forma, pelo menos um ministro já considera a hipótese de um ajuste das contas federais para o caso de uma forte desaceleração da economia brasileira. Já é um dado positivo, tanto quanto a preocupação demonstrada pelo relator-geral da proposta orçamentária.

Talvez nem seja necessário um ajuste muito severo, se o governo conseguir destravar o crédito e impulsionar as atividades produtivas, especialmente as vinculadas à exportação. Mas um acerto no orçamento, especialmente se concentrado no custeio e na maior eficiência do gasto, será sempre bom e deixará mais dinheiro para o setor produtivo trabalhar.

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