O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o Brasil vive uma situação de "hipocrisia coletiva", em que "todo mundo tem medo de tudo e todo mundo é culpado antes de ser julgado". Em meio a um discurso sobre a burocracia na máquina governamental, o presidente disse que um funcionário público hoje conta "mil vezes até dez" antes de assinar uma autorização por temer ações do Ministério Público.
"Ao dar a assinatura e autorizar, se houver alguma queixa do Ministério Público, seus bens são disponibilizados e ele tem que contratar advogado e colocar do próprio bolso", declarou Lula, ao falar para uma platéia de cientistas e acadêmicos, nas comemorações dos 60 anos da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência (SBPC). "A máquina está engendrada para isso. Ou seja, se joga desconfiança sobre tudo e sobre todos. E todo mundo fica com medo de funcionar. Lamentavelmente, é assim a máquina pública."
Dizendo sentir-se como um "trem" que passa por uma estação sempre inalterada, Lula afirmou que a máquina está sujeita a um conjunto de regras que, individualmente, pretendiam proteger o Estado. Mas a somatória dessas normas, segundo ele, tornou-se "perniciosa". "Nós precisamos de muita pressa para recuperar o tempo perdido."
Lula contou que ele próprio se vê às voltas com a burocracia em seu dia-a-dia no Planalto. E citou como exemplo o fato de ter pedido a troca dos microfones usados em cerimônias oficiais, para evitar que se sobreponham ao púlpito, dificultando a leitura de documentos. "Está fazendo dois anos. Vocês acham que é só com vocês?", brincou. A "única solução" para contornar a burocracia, segundo o presidente, é criar uma "cesta de problemas" e tentar resolvê-los de uma única vez.
Lula também rebateu queixas dos cientistas em relação à portaria que limitou repasses financeiros entre fundações e universidades. A medida nasceu das denúncias de corrupção na Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), ligada à Universidade de Brasília (UnB). "Certamente não teria dificuldade com as fundações se não fosse alguém em uma fundação meter os pés pelas mãos", respondeu Lula. Por outro lado, o presidente procurou assegurar que manterá como prioridade o investimento em ciência e tecnologia. "Vocês têm que aproveitar essa metamorfose que governa o Brasil", brincou.
REAÇÃO
A queixa de Lula contra ações do Ministério Público "traz um reconhecimento importante e raro" da União quanto ao papel que promotores desempenham na defesa do patrimônio público. E os problemas daí decorrentes, para autoridades públicas, significam apenas que "é regra do jogo" um administrador responder por seus atos. A avaliação é do promotor de Justiça Roberto Livianu, doutor em Direito Penal pela USP. "O que o presidente afirma é que as ações podem ser exageradas", prossegue. "Mas é tarefa da Justiça avaliar se as ações que o MP propõe são razoáveis, se atendem ao rigor da lei." De um lado, ele adverte que "qualquer blindagem pode se tornar um instrumento de impunidade". De outro, os processos "prevêem a ampla defesa, o contraditório, e ao final cabe a um juiz representar a vontade da lei".
Ele propõe duas medidas: primeiro, que se estabeleçam relações de alto nível e permanentes entre os Executivos e o Ministério Público para dar saídas práticas aos conflitos. Segundo, que se crie uma secretaria para centralizar ações anticorrupção nos órgãos públicos.Estadão
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