Na aparência, o sucesso da ofensiva estaria garantido pelo fato de que os volumes e preços foram decrescentes. Na primeira, feita às 10h13, vendeu R$ 1,223 bilhão. Na segunda, às 10h43, o mercado já quis comprar só R$ 310 milhões. Na terceira operação, às 11h29, colocou apenas R$ 16 milhões. E as taxas de corte foram declinantes, de R$ 2,4485 no primeiro, R$ 2,37 no segundo e R$ 2,3560 no terceiro. Se sua fome por dólares fosse insaciável, o mercado exigiria volumes crescentes e as taxas não diminuiriam.
Da mesma forma que o BC errou ao permitir, em 2006, que o dólar caísse abaixo de R$ 2,00, equivocou-se agora, no início do mês, ao autorizar que superasse os R$ 2,00. Ele optou pela estratégia de apenas observar a alta enquanto ajudava, via leilão de swaps cambiais, os bancos a se livrar dos hoje ruinosos (antigamente, ultrarentáveis) swaps reversos. A outra estratégia, a do leilão de linhas externas, nunca foi levada a sério pelos corretores de câmbio. A venda compromissada de dólares, equivalente técnico ao fornecimento de um crédito em dólar, nunca atingiu o coração da disparada. Os números sobre fluxo cambial divulgados ontem pelo BC comprovam o alerta dado por esta coluna no dia 2 de que a arrancada decorria de armações especulativas feitas nos pregões de derivativos cambiais da BM & F e em mercados de balcão por investidores estrangeiros, exportadoras nacionais e bancos instalados aqui.
A balança cambial relativa aos primeiros dias de outubro comprova a informação de que, se há de fato um corte importante nas linhas de ACC, os exportadores encontram outras alternativas para fechar suas vendas externas. O fluxo registrado nos três primeiros dias do mês foi positivo em US$ 514 milhões. A conta comercial foi superavitária em US$ 1,14 bilhão enquanto a financeira mostrou déficit de US$ 631 milhões. Os bancos estão, como sempre, na posição correta. À vista, elevaram suas posições " compradas " de US$ 3,75 bilhões no fim de agosto para US$ 6,68 bilhões no fim de setembro.
Obviamente, antes de divulgá-los, o BC já tinha conhecimento dos dados. E, mesmo sabendo que não era a falta de linha, nem os prejuízos com os swaps cambiais reversos (compensados pelas outras posições " compradas " dos bancos ) os responsáveis pela espetacular valorização do dólar, insistia apenas na venda de linhas e recompra de swaps. Tais operações não faziam, é claro, efeito nenhum. Os leilões de venda direta fazem?
Não é por que o dólar fechou em queda ontem que o BC irá se descuidar. Vai ter de dar paulada todo dia se os especuladores colocarem de novo a cabeça para fora. E o farão, para aumentar lucros ou se livrar de posições desastrosas, se o Dow Jones piorar mais ainda. O BC terá de derrubar a taxa de câmbio porque, a despeito da paradeira no lado real da economia, historicamente sempre há contágio inflacionário de maxidesvalorizações cambiais. Foi assim em 1999, foi assim em 2002. Após o fim da âncora cambial, logo no primeiro mês de 1999, o real depreciou-se quase 63%, o Copom puxou a Selic de 25% para 45% em sua reunião de 4 de março de 1999, mas a inflação anual bateu em 8,94%.
Mas o Brasil não está hoje " fundamentalmente " diferente daqueles outros brasis? Está, sim, em quase todos os fundamentos, menos em um, o da dívida interna pública. E já há economista ressuscitando a famosa e polêmica tese da " dominância fiscal " . Por ela, o BC não poderia seguir os passos da flexibilização monetária coordenada feitos ontem pelos mais importantes bancos centrais do mundo porque, por causa da alta do dólar e premido pela necessidade de rolar os papéis da dívida pública, teria de aceitar as taxas pedidas pelos bancos credores. O BC perderia a capacidade de fazer política monetária. Não seria mais ele a determinar a Selic, mas os credores da dívida, os mesmos que estão " comprados " em dólar.
(Luiz Sérgio Guimarães | Valor Econômico)
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