5.1.08

A "vigilância" de contas bancárias, que substitui o efeito fiscalizador da CPMF, é constitucional?

NÃO

O sigilo é um direito seu, meu, nosso

AS INSTITUIÇÕES financeiras sabem e os agentes do fisco também: é dever dos destinatários da norma que protege o sigilo bancário manter resguardados dados de tantas quantas pessoas -físicas ou jurídicas- operarem, de uma ou de outra forma, nesse sistema.
A proteção ao sigilo bancário está no inciso X do artigo 5º da nossa Constituição Federal ("são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação") e no inciso XII do mesmo artigo ("é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal").
Não decorre da criação dadivosa do legislador complementar (lei complementar 105/2001). Integra o rol dos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos brasileiros. Logo, não pode ser tisnada por espécie normativa de hierarquia menor, como estamos vendo.
A instrução normativa da Receita Federal 802, de 27/12/2007, foi além das questionadas normas que lhe deram fundamento. Não se satisfez em romper os limites de duvidosa constitucionalidade traçados pela lei complementar e pelos decretos que a regulamentaram: dispôs, no artigo 2º, que, na hipótese em que o montante global movimentado por semestre referente a uma modalidade de operação financeira discriminada no parágrafo primeiro do artigo 5º da lei complementar 105/2001 for superior a R$ 5.000 (caso de pessoa física) ou R$ 10 mil (por pessoa jurídica), as instituições financeiras deverão prestar informações relativas às demais modalidades de operação, ainda que movimentadas em montantes globais inferiores aos limites estabelecidos.
Com isso, contrariou o disposto no artigo 4º do decreto 4.489, de 2002, que permitia às instituições financeiras desconsiderar as informações relativas a cada modalidade de operação com montante global movimentado mensalmente inferiores a esses mesmos limites.
Em tradução livre: pode não haver limite mínimo algum para que as informações sejam repassadas ao fisco. Foi ainda mais longe a referida instrução ao ignorar que o decreto 3.724, de 2001, este também alvo de Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), ao possibilitar a quebra do sigilo bancário pela autoridade administrativa, exigiu como condição para tal a existência de processo administrativo fiscal e a imprescindibilidade da violação dos dados.
No âmago da relação jurídica tributária, a União age como parte, impondo o cumprimento do dever ao contribuinte, mas sem gozar privilégios que desequilibrem essa relação.
A regra constitucional que veicula o direito ao sigilo de dados bancários só pode ceder a excepcionalidade no curso de processo administrativo ou judicial quando necessária para conclusão da ocorrência do fato tributário ou eventual fraude ou crime, sempre mediante ordem judicial.
O governo, com o fim da CPMF, alardeia ter perdido importante instrumento de fiscalização. Contudo, a contribuição provisória foi concebida como tributo eminentemente de arrecadação, e não de fiscalização, tanto que a lei 9.311, de 24/10/96, na redação original do parágrafo terceiro do artigo 11, vedava a utilização das informações bancárias para a constituição de crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.
Alguém já disse que uma vida pode ser escrita a partir dos cheques emitidos e das compras com cartões de crédito. Assim, é um direito seu, meu, nosso -assegurado constitucionalmente- que esses dados não sejam devassados sem a existência prévia de processo, ainda que administrativo. Por fim, a instrução normativa, se aplicada, irá promover a quebra generalizada no sigilo bancário de inúmeros correntistas. E, por isso, é inconstitucional. O razoável argumento de combate à sonegação fiscal, ao crime contra a ordem tributária, à evasão fiscal, à lavagem de dinheiro não permite que se perpetrem atos contra a Constituição Federal.
Fora da Constituição, não há segurança jurídica nem esperança para a sociedade. Tampouco para a administração pública.
VLADIMIR ROSSI LOURENÇO, 45, advogado, é vice-presidente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

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