Lauro Jardim
Evaristo Sá/AFP |
Lula: em 2005, a revelação da ligação entre Lulinha e a Telemar atrasou a operação |
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Os próximos dias serão longos, estressantes e inesquecíveis para um seleto grupo de empresários, executivos e advogados brasileiros. Uma turma de trinta pessoas estará às voltas com o detalhamento de um negócio que criará uma superempresa de telecomunicações, resultado da compra da Brasil Telecom pela Oi (antiga Telemar). A nova empresa, que poderá ser batizada de Oi Brasil, terá números superlativos a apresentar. Será dona de 65% da telefonia fixa no país. Terá 43% do mercado total de banda larga. E 17% dos assinantes de telefonia celular. É o surgimento de um gigante de quase 30 bilhões de reais de faturamento anual. Muito mais que o da Vale ou o do grupo Pão de Açúcar, dois ícones entre as empresas de capital nacional.
A questão central da negociação resolveu-se na noite da segunda-feira passada. Foi definido que a Oi pagará 4,85 bilhões de reais pelo controle da Brasil Telecom. Mais 3,8 bilhões de reais poderão ser gastos pela Oi para comprar as ações dos minoritários, por causa de um mecanismo chamado tag along (que obrigará a Oi a adquirir as ações dos minoritários, remunerando-os com pelo menos 80% do valor pago pelas ações dos controladores da BrT). Somem-se as duas quantias e chega-se a um negócio de 8,65 bilhões de reais – quase tudo financiado pelo BNDES.
Falta agora detalhar alguns pontos do rearranjo societário das duas empresas. O grupo GP, por exemplo, sairá da Oi. O Citibank está dando bye-bye à Brasil Telecom. A nova empresa será controlada por Sérgio Andrade (da Andrade Gutierrez) e Carlos Jereissati (do grupo La Fonte), hoje integrantes do bloco de controle da Oi. Juntos, terão 50,3% do negócio. O mais espinhoso desses rearranjos será a definição do poder que os fundos de pensão e o BNDES, acionistas da Brasil Telecom e da Oi, terão na nova empresa – a chamada "governança corporativa". Eles concordam em ficar com uma fatia entre 12% e 20% da nova empresa, mas querem manter alguns direitos de veto sobre atos dos controladores. Nada que não possa ser resolvido – e rápido.
Otavio Magalhães/AE |
Martelo batido na privatização: o número de telefones multiplicou-se por dez desde 1998 |
É necessário também que seja alterada a lei que regulamenta as telecomunicações. Pela legislação em vigor, a compra não é permitida, pois o mesmo controlador não pode ser dono de duas concessionárias. Isso não será empecilho. O Palácio do Planalto desde sempre avisou às partes que está pronto para editar um decreto mandando essa proibição para o espaço. A mexida na lei será feita em velocidade de carro de Fórmula 1 – o negócio tem a bênção do governo Lula. E não é de hoje.
A operação estava marcada para vir ao mundo em 2006, conforme mostrou uma reportagem de VEJA publicada em outubro daquele ano. O que a travou foi justamente a descoberta, pela revista, de que o lobby para mudar a legislação impeditiva foi tão violento que chegou a envolver o filho do presidente da República, Fábio Luís, o Lulinha, e seu amigo, Kalil Bittar. Antes disso, VEJA havia revelado que, em 2005, a Telemar (atual Oi) investira 5,2 milhões de reais na Gamecorp, uma produtora de TV e de jogos para celular que tem entre os seus sócios Lulinha e Bittar. Quem aproximou a Telemar e a Gamecorp foi o consultor Antoninho Trevisan, amigo de Lula. Trevisan convenceu, inicialmente, Fersen Lambranho, do grupo GP, da boa oportunidade de investimento na empresa do filho do presidente. Lambranho levou a idéia aos sócios Carlos Jereissati e Sérgio Andrade e – bingo! – o negócio foi fechado num piscar de olhos. Até agora, a Telemar/Oi investiu mais de 10 milhões de reais na Gamecorp. A produtora fechou no vermelho em 2005 e 2006. O balanço de 2007 ainda não é conhecido.
O impacto da descoberta de VEJA adormeceu o negócio entre a Oi e a Brasil Telecom. Mas não o matou. No ano passado, sob a declarada boa vontade do governo, as conversas recomeçaram. E intensificaram-se a partir de novembro. Entre os dias 18 e 21 de dezembro, chegou-se ao estágio final. Houve reuniões diárias em São Paulo, ora no escritório de Carlos Jereissati, ora na sede da Angra Partners, empresa que representa os fundos de pensão nesse e em outros negócios. Pela Oi, compareceram Jereissati e Otávio Azevedo, braço direito de Sérgio Andrade. O advogado Sérgio Spinelli representou o Citibank. Do lado dos fundos de pensão, havia Alberto Guth e Pedro Paulo de Campos, da Angra. Numa das vezes, Sérgio Rosa, presidente da Previ, deu as caras. A primeira oferta da Oi, ainda em novembro, foi de 3 bilhões de reais. Mas os lances foram subindo. No dia 21 de dezembro, o negócio estava por um fio para ser fechado. Os fundos de pensão e o Citibank pediam 5,2 bilhões de reais pelas suas participações na Brasil Telecom. A oferta da Oi era de 4,5 bilhões. A diferença relativamente pequena não impediu que Jereissati, num rompante, interrompesse a negociação, dizendo que estava "sendo extorquido". Ânimos serenados, marcou-se uma reunião para a segunda-feira passada. O acordo final acabou saindo por 4,85 bilhões de reais.
Fotos Eugênio Sávio/Valor e Rui Mendes |
Sérgio Andrade (à esq.) e Carlos Jereissati (à dir.): à frente da supertele, depois de dois anos de espera |
Para o usuário, a nova empresa pouco afetará a sua vida na telefonia fixa, em que já não há concorrência. Em relação aos celulares, a conversa é outra: prevê-se um acirramento da concorrência com a TIM, Vivo e Claro. A concentração em setores como o de telecomunicações é uma tendência inevitável no estágio atual do capitalismo global. Sob o ponto de vista dos diretamente envolvidos, a união das duas empresas faz todo o sentido. Separadas, inevitavelmente seriam compradas em algum momento pelos espanhóis (Telefônica) ou pelos mexicanos (Claro e Embratel). "O nome do jogo é escala", diz o presidente de uma das teles envolvidas no negócio. Hoje, espanhóis e mexicanos detêm 68% da telefonia móvel e 62% da fixa na América Latina. Mas será que uma Telemar vitaminada conseguirá brigar com esses dois gigantes, num setor que sabidamente se utiliza de capital intensivo? Só no Brasil, por exemplo, a Telefônica já investiu 29 bilhões de reais desde 1998. Outros 15 bilhões estão previstos para os próximos dois anos. É consenso entre os analistas de mercado que o poder de fogo da Oi e da BrT é suficiente para encarar a concorrência. Mas a nova empresa terá de olhar para fora do Brasil e comprar ativos em países da América Latina. A Telecom Argentina, aliás, deve ser o primeiro alvo da empresa resultante dessa aquisição.
Os novos caciques da telecomunicação brasileira, Sérgio Andrade, de 62 anos, e Carlos Jereissati, de 61, têm em comum a proximidade que sempre cultivaram com o estado. Cada um ao seu modo. Andrade, por exemplo, tinha excelente relação com José Sarney e FHC, em seus tempos de presidente da República. E agora é um dos empresários com mais acesso a Lula. Jereissati, por seu turno, há quase duas décadas se movimenta com bastante desenvoltura entre os fundos de pensão de estatais. Também os une o fato de que até a privatização do setor, em 1998, seus focos de negócios eram outros. Andrade era um gigante da construção pesada. E Jereissati, um nome expressivo no setor de shopping centers. Eles continuam nesses ramos, mas a telecomunicação virou a galinha dos ovos de ouro de ambos. O ingresso da dupla no setor foi atribulado. O leilão de privatização da Telemar foi recheado de denúncias e confusão. Um coquetel que misturava grampos telefônicos, revelações de favorecimento no financiamento para a compra da empresa e negócios poucos transparentes com fundos de pensão. Àquela altura, a Telemar era o patinho feio da privatização. Como o capitalismo brasileiro é cheio de surpresas, para dizer o mínimo, agora o patinho feio está jantando a Brasil Telecom, alvo da maior disputa societária que o país já viu – aquela que opôs Daniel Dantas aos fundos de pensão e à Telecom Italia. Depois que saiu das mãos de Dantas, há dois anos, o valor de mercado da empresa passou de 5,6 bilhões de reais para 14,1 bilhões de reais.
Desde que o site de VEJA, na quarta-feira, revelou que o negócio estava fechado (mas não assinado), dois movimentos se precipitaram. Pelo lado da Oi e Brasil Telecom, recrudesceram a tensão e a necessidade de fechar o negócio rapidamente. Entre os concorrentes, por sua vez, acendeu-se o desejo de atrapalhar a concretização do negócio. A Portugal Telecom (sócia da Vivo) já fez chegar ao governo que gostaria de integrar a nova empresa. Será difícil. O governo quer que o negócio saia logo – e com os parceiros de quase dois anos atrás.
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