Proximidades
Era inevitável que o Brasil, convidado, participasse da operação para libertação de reféns das Forças Armadas Revolucionárias (Farcs) na Colômbia, mas era perfeitamente evitável
Era inevitável que o Brasil, convidado, participasse da operação para libertação de reféns das Forças Armadas Revolucionárias (Farcs) na Colômbia, mas era perfeitamente evitável que o governo se envolvesse de maneira tão próxima no que provou ser mais uma operação marqueteira de Hugo Chávez, em busca do prestígio perdido nesse que foi o seu “anno horribilis”, do que uma ação humanitária séria. Envolvimento que ficou claro quando, em vez de enviar como observador um diplomata dos quadros do Itamaraty, designou o assessor especial Marco Aurélio Garcia e seu enorme chapéu panamá para nosso representante.
Mas foi o Itamaraty que divulgou a nota oficial em que o governo brasileiro lamenta que “as circunstâncias” tenham impedido a liberação dos reféns, e apóia “os esforços” conduzidos por Chávez. Acontece que “as circunstâncias” a que se refere a nota foram criadas, segundo acusação de Chávez e das Farcs, por ações do governo colombiano, o que é negado pelo presidente Álvaro Uribe.
Há duas questões a serem analisadas em mais essa negociação frustrada para libertação de reféns das Farcs que desde fevereiro de 2002, quando foi sequestrada a senadora e candidata à presidência Ingrid Betancourt e sua assessora Clara Rojas, já se frustrou várias vezes.
A primeira é a proximidade que fica novamente evidenciada entre os governos do Brasil e da Venezuela e as Farcs, e a outra questão é o próprio caráter politico da operação. Esse relacionamento com as Farcs e Hugo Chávez tem origem no Partido dos Trabalhadores.
O presidente Lula, que na campanha de 2002 se mostrava ofendido sempre que alguém lembrava essas relações perigosas, hoje já se acha à vontade para abordar o assunto, como fez no discurso de encerramento do encontro de Governadores da Frente Norte do Mercosul em Belém, a 6 de dezembro de 2007: “Eu tive a felicidade de, em 1990, convocar (...) a primeira reunião da esquerda na América Latina.(...) era preciso fazer um chamamento a todas as organizações de esquerda que militavam na política da América Latina, para que pudéssemos começar a estabelecer uma estratégia de procedimento entre a esquerda da América Latina”.
Nesse mesmo discurso Lula diz que conheceu Chávez em uma reunião do Foro de São Paulo. O caráter decisório do Foro, e não meramente de debates, é comprovado por um documento do Partido dos Trabalhadores de 2005, em plena crise do mensalão, quando o Foro de São Paulo se reuniu na capital paulista festejando seus 15 anos de fundação: “Em vários países latino-americanos ocorrem mudanças importantes promovidas por governos que foram eleitos com o protagonismo ou o apoio de partidos membros do FSP (...) que colocam em prática políticas que discutimos ao longo destes 15 anos”.
O Foro de São Paulo abriga não apenas partidos políticos de vários matizes da esquerda, mas também organizações guerrilheiras como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), ou a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (UNRG), consideradas terroristas, acusadas de tráfico de drogas e outras atividades criminosas.
Em janeiro do ano passado, as Farcs divulgaram uma nota sobre o Foro, classificado como “uma trincheira onde podemos encontrar os revolucionários de diferentes tendências, e diferentes manifestações de luta e de partidos (...)”.
Eleito em 2002, Lula mandou seu então futuro chefe da Casa Civil, José Dirceu, à Colômbia, onde ele deu a garantia ao presidente Álvaro Uribe de que o governo eleito não teria relações institucionais com as Farcs, ao contrário do PT.
Mas como separar o PT do governo quando, como agora, um dos mentores do Foro de São Paulo é o mesmo Marco Aurélio Garcia que foi enviado como emissário oficial do governo brasileiro na operação marqueteira de Chávez com as Farcs? Operação que tinha a declarada intenção de enfraquecer o presidente colombiano e fortalecer a posição do venezuelano como interlocutor entre os narcoguerrilheiros e países como a França e instituições internacionais, como a Cruz Vermelha.
O deputado Fernando Gabeira, que faz parte de um comitê para libertação de Ingrid Betancourt, atribui o fracasso da operação à fanfarronice de Hugo Chávez.
Ele chama a atenção para o fato de que Chávez apareceu na televisão numa entrevista coletiva fantasiado com uma farda militar, e mostrou no mapa uma seta com a localização da região onde se daria a entrega dos reféns.
“Quem nos garante que todas as informações que Chávez deu em público foram combinadas com as Farcs? Se as coordenadas fossem passadas por rádio para os helicópteros, como ele disse, é quase certo que as informações seriam interceptadas, se não pelo serviço secreto da Colômbia, certamente pelos americanos.
Não houve o menor cuidado com a segurança da operação”, comenta o deputado.
Gabeira diz que o Brasil deveria ter mantido “uma posição profissional e distante” nessa negociação, e ironiza o fato de o representante da Argentina ter sido o ex-presidente Nestor Kirchner: “Ficou claro que o governo argentino era um grande devedor de Chávez, e não apenas pelos bônus que a Venezuela andou comprando”, referindo-se ao escândalo de dólares venezuelanos para a campanha presidencial de Cristina Kirchner.
Seria uma coincidência quase mágica se o pequeno Emmanuel, nascido no cativeiro filho de Clara Rojas com um guerrilheiro, estivesse mesmo, como insinua o presidente colombiano Álvaro Uribe, em uma instalação do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, em Bogotá. Essa instituição, que cuida de menores desamparados, tem origem no trabalho, nos anos 60, de Yolanda Pulecio, mãe da senadora Ingrid Betancourt, cujo comprometimento político contra a corrupção e o narcotráfico levou Ingrid a entrar também na política.
Merval Pereira
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