27.1.08

Perguntas ao telefone

Ugo Braga - Correio Brasiliense

Nobres propósitos podem jogar o brasileiro nos braços de um novo monopólio

Leio com certo espanto o noticiário acerca da compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar, cada vez mais iminente, pelo que se diz. Saltam do caso questões urgentes, interrogações profundas, de naturezas ética, moral e política. Não se engane, meu caro leitor, temos aqui algo bem maior que mero episódio empresarial. Nas negociações entabuladas dentro de gabinetes trancados a ferro, molda-se toda a relação de um grupo político-partidário com o exercício do poder e com as coisas do Estado. O dia-a-dia do cidadão comum tem tudo a ver com isso.

Antes de erguer o argumento, joguemos um pouco de luz sobre os fatos.

A Oi/Telemar, sabemos todos, pertence à sociedade formada entre a empreiteira Andrade Gutierrez e o grupo La Fonte, do ramo de shopping centers.

À guisa de aproximação com o governo, essa associação engendrou o artifício de injetar milhões de reais na firma de joguinhos de computador pertencente ao filho do presidente da República. Não era uma relação empresarial óbvia e rentável.

Do ponto de vista institucional, a Andrade Gutierrez é talvez a empresa mais próxima de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1990, depois de se ver covarde e involuntariamente envolvida na campanha presidencial do ano anterior, uma filha de Lula foi abrigada num belo apartamento em Paris. Passou seis meses justamente protegida da curiosidade alheia, algo sempre prejudicial à adolescente que era então. O imóvel pertencia a Marília, prima de Sérgio Andrade, dono da construtora.

Os anos passaram e a empreiteira tornou-se a maior financiadora da vitoriosa campanha reeleitoral de Lula. Em 2006, doou R$ 6,2 milhões ao PT. E outro R$ 1,2 milhão ao comitê eleitoral.

Paralelamente…
O mercado brasileiro de telecomunicações transfigurou-se ao longo da década passada. Era montado sobre monopólios estatais — estaduais no mercado de discagem direta, e nacional, no de longa distância. O serviço era caro, ruim e escasso. Reestruturado, ergueu-se sobre o pilar da competição privada. Melhorou, barateou e universalizou-se.

Para proteger o novo ambiente competitivo, o país construiu um manancial regulatório, banhado pela Lei Geral de Telecomunicações. Criaram-se impedimentos para que empresas estabelecidas impusessem barreiras às entrantes. E também para que um mesmo grupo controlasse mais de uma operadora, ainda que em regiões distintas.

Pois muito bem, para que a Oi/Telemar compre a Brasil Telecom é preciso que se mude parte do regulamento protetor do ambiente competitivo. O que se faz por meio de decreto presidencial. Luiz Inácio Lula da Silva tem diante de si, portanto, o dilema ético e moral de patrocinar um ato de ofício em benefício da empresa que abrigou uma filha sua numa hora difícil e tornou milionário outro seu filho, além de financiar sua própria campanha eleitoral.

Dado que o governo não só apóia como articula para viabilizar o negócio — financiando-lhe com recursos do BNDES e influenciando os fundos de pensão controladores do lado vendedor —, é possível que o presidente Lula se julgue desimpedido e acabe pondo sua assinatura embaixo do decreto. Quando o fizer, evocará o bem-estar da população. Professará sua crença na necessidade da criação de uma grande empresa brasileira, capaz de brigar com os gigantes internacionais de telecomunicações. Note que, sob o lustre oratório de nobres propósitos, se estará jogando o brasileiro ao domínio de um novo e grande monopólio privado. Talvez seja algo até pior que a antiga versão estatal.

Institucionalmente…
Mas a parte que realmente me interessa desse assunto é a da grande política. Porque o episódio configura no Brasil algo que alguns estudiosos chamam de "capitalismo de compadrio". É um tipo de sistema bastante rudimentar, no qual as ações do Estado privilegiam agências privadas próximas da estrutura político-partidária no poder.

Em sua vasta obra, o pensador italiano Norberto Bobbio formulou análises centradas em duas questões básicas: quem governa e como governa. Segundo ele, quando o governante não tem ou não consegue aplicar políticas de interesse público, ocorre uma aliança da alta burocracia com agentes privados, no intuito de se apropriar das três funções básicas do governo — arrecadar, normatizar e coagir. Bobbio não seria mais preciso se descrevesse o caso em tela.

Indivíduo ou partido nenhum é capaz de se relacionar igualmente com todos os cidadãos ou empresas de seu universo. Daí, resta claro que o compadrio, gerado pela ausência de políticas de interesse público, não só é injusto. Dissemina incertezas, custos e outras vilezas prejudicais à civilização.

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