11.1.08

Pode muito, não pode tudo

O presidente da República declarou que não haveria aumento de tributos para compensar a CPMF e, se bem lembrado estou, após a derrota da prorrogação da mesma e havendo risco da DRU, houve promessa formal de que não haveria agravamento de carga fiscal. O presidente da República chegou mesmo a puxar as orelhas de um ou dois ministros porque haviam falado nisso. Pois a passagem do ano foi o bastante para que o dito passasse a ser desdito. E os jornais do dia 3 foram abundantes quanto a medidas ontem negadas e hoje confirmadas. Nem faltou louvor aos ministros admoestados.

A reação foi imediata. O mínimo que se falou foi em traição. Independentemente do mérito do "pacote", fazer hoje o que ontem se negava, não é bom para ninguém, nem para o governo. O governo ainda tem três anos de vida e pode ter problemas e a necessidade de contar com um mínimo de sua boa vontade; a velhacaria pode ser boa por um dia, mas desacredita três anos restantes de governo; a palavra prometida tem de ser honrada; o governo não pode ser visto como felão. Na vida parlamentar, como na vida social, as combinações avençadas têm a garantia de honra. E não só dela. Também do interesse. Lincoln disse que, se o desonesto soubesse como é vantajoso ser honesto, seria honesto por desonestidade. Mutatis mutandis, os compromissos parlamentares são sagrados. Dir-se-á que quem acha natural o mensalão e foi o inventor do caixa 2 tem outros critérios e outros padrões. Contudo, Lincoln costumava ter razão em suas sentenças.

O fato é que o presidente não se acanhou em aumentar despesas e agravar a carga fiscal que, embora enriqueça o erário, empobrece a nação. Isso sem falar na duvidosa qualidade dos serviços públicos em geral.

Em 2007, mais uma vez, a carga foi agravada, e os brasileiros nunca pagaram tanto tributo. De cada R$ 100 produzidos, 36% foram papados pelo fisco, chegando a 36,02% do PIB, mais 0,81 ponto percentual em relação aos 35,21% de 2006. Os contribuintes deixaram mais de R$ 928 bilhões nos cofres da União, dos estados e dos municípios, ou R$ 2,54 bilhões por dia. Não é só. O desembolso do brasileiro ao fisco corresponde ao que ele ganha em 146 dias de trabalho, de 1º de janeiro a 26 de maio. Ainda mais. Se se levar em conta os contribuintes de classe média, renda mensal entre R$ 3 mil e R$ 10 mil, a carga fiscal sobre a renda bruta sobe para 42,7%, e para 156 dias de trabalho, de 1º de janeiro a 5 de junho.

Esses dados, apurados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, ilustram a sentença segundo a qual o brasileiro paga tributos escandinavos em troca de serviços africanos. Estou convencido de que há necessidade de abrandar a contribuição tributária, que onera o contribuinte brasileiro, e verifico que perdura a idéia fixa de esfolá-lo sempre e cada vez mais.

No momento em que escrevo, chega-me às mãos um dos grandes jornais do país, o Estadão. No editorial "Infidelidade e deboche", leio estas palavras: "Quanto vale hoje a palavra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Deveria ter ainda algum valor, quando a oposição aceitou, no mês passado, sua promessa de não elevar tributos para compensar o fim da CPMF. Em troca a oposição apoiaria a renovação da DRU, a desvinculação das receitas da União. Pois o presidente conseguiu baixar ainda mais sua credibilidade ao assinar, no primeiro dia útil do ano, dois atos de majoração tributária".

Como se não bastasse a perfídia, o seu ministro da Fazenda não se pejou da gaiatice (a palavra deveria ser outra) e escarnecer "o compromisso do presidente Lula era não promover alta de impostos em 2007. E de fato não o fez. Estamos fazendo em 2008, o que está dentro do programado". Sem comentários. O despudor tem limites.

A situação mundial não é tranqüila. O que os Bancos Centrais já despejaram de dinheiro para aliviar temores mundiais na área financeira indica a gravidade dos problemas existentes. E, com todas as providências adotadas, volta-se a falar em recessão nos Estados Unidos, e quem fala sabe o que diz. Amanhã o governo poderá necessitar entender-se com a oposição e quem vai levar a sério os compromissos que o presidente assume ou promete assumir?


Paulo Brossard

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