Duda Teixeira, de Caracas
Alejandro Rustom/Reuters |
O CORONEL EM SEU PALÁCIO O plano de Chávez é governar até ficar caduco, como seu mentor, Fidel Castro |
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Quanto tempo falta para que a Venezuela, país com a sexta maior reserva de petróleo do mundo e 28 milhões de habitantes, se transforme em uma Cuba, governada por uma ditadura de partido único, com escolas e meios de comunicação controlados e uma falida economia centralizada? A resposta a essa pergunta depende de quanto tempo o coronel Hugo Chávez permanecerá no Palácio Miraflores, a sede do Poder Executivo. Seu mandato ainda lhe reserva quatro anos de desmandos. Contudo, caso vença no referendo para aprovar uma emenda constitucional neste domingo, 15, Chávez poderá participar de quantas eleições seguidas quiser até caducar, seguindo o exemplo de seu mentor, Fidel Castro. Teria assim tempo suficiente para construir o seu socialismo do século XXI, o nome pomposo que deu ao seu estilo autoritário de governo. "Aqui a revolução chegou para ficar", disse o presidente durante um comício, na quinta-feira passada, em Caracas.
Dois fatores concorrem para atrapalhar a concretização dos planos do coronel. O primeiro é o surgimento de uma nova e vigorosa oposição, escorada pelo nascente movimento estudantil e por uma nova geração de políticos. Desde que retornaram das férias, em janeiro, os jovens realizam passeatas ou eventos em média a cada dois dias com o lema "Não é não", uma resposta à insistência de Chávez em tentar se perpetuar no poder. A primeira tentativa foi no fim de 2007, quando um referendo popular rejeitou a reforma constitucional que, entre outras barbaridades antidemocráticas, incluía a legalização de milícias armadas a serviço do presidente.
O segundo fator é a crise econômica, que se anuncia especialmente profunda na Venezuela. Longe de ser mero reflexo da situação internacional, a degringolada foi concebida dentro do regime. Com critérios obtusos, Chávez nacionalizou um teatro, hotéis, empresas de energia, de telecomunicações e até um shopping center, afugentando investimentos e empreendedores. O congelamento de preços e o câmbio artificial, que favorece as importações, destruíram um terço das indústrias do país. A Venezuela praticamente parou de fabricar qualquer coisa e a inflação é a mais alta da América Latina.
Carlos Rawlins/Reuters |
OPOSIÇÃO NAS RUAS Passeata pelo "não" no plebiscito. Apesar da violência das milícias chavistas, a defesa da democracia está mais sólida e vigorosa |
Com o preço do petróleo nas alturas até o ano passado, Chávez foi capaz de contornar os problemas de abastecimento aumentando as importações do Brasil, da Colômbia e dos Estados Unidos. Com a queda no preço do barril para menos de 40 dólares, um terço de seu valor um ano atrás, tudo mudou. Neste ano, a Venezuela só conseguirá importar metade do que precisa, agravando o racionamento de produtos de primeira necessidade. Na semana passada, a venda de papel higiênico em alguns supermercados estava limitada a quatro rolos por consumidor. O governo só conseguirá arcar com metade dos gastos previstos no Orçamento nacional, calculado com o barril a 60 dólares. A petrodiplomacia chavista também está ameaçada. Da produção de 2,3 milhões de barris por dia, 400 000 destinam-se a países da área de influência do presidente. O pagamento se dá em condições extremamente favoráveis ou simbólicas. Cuba paga com o envio de médicos à Venezuela e a República Dominicana oferece diárias de hotéis em Santo Domingo. A previsão é de uma retração do PIB entre 1% e 2% e uma inflação de 35% a 40%.
A queda da produção petrolífera é o resultado dos desmandos, da corrupção e da ineficiência da nomenklatura chavista. Chávez aparelhou o estado com militares e amigos, com consequências desastrosas para as companhias estatais. Em dez anos, a Venezuela ultrapassou Paraguai e Colômbia para se tornar o país mais corrupto da América do Sul na avaliação da Transparência Internacional. A estatal petroleira PDVSA, símbolo do país e orgulho nacional no passado, não publica relatórios financeiros auditados há quatro anos. Todos os empregados estão alinhados com o presidente, já que Chávez demitiu quase metade dos funcionários em 2002, após uma greve. Para acomodar seus amigos, o número de cargos foi ampliado em 50%. Em vez de investir na manutenção e prospecção de poços, a empresa esvaziou seus cofres para financiar programas assistencialistas do governo e importar alimentos. Nenhuma surpresa, portanto, que a produção venezuelana tenha caído um terço no governo Chávez. Com a companhia de energia, a história é parecida. Desde que ela foi nacionalizada, em 2007, a cidade de Caracas passou a sofrer apagões constantes. "O maior fracasso de Chávez decorre da tentativa de acabar com o sistema capitalista. Tudo o que ele tentou colocar no lugar do livre mercado deu errado", disse a VEJA a cientista social venezuelana Isabel Pereira Pizani, pesquisadora do instituto de pesquisas Cedice, em Caracas.
Nada ilustra tão bem as mudanças ocorridas na Venezuela como o aumento da criminalidade. A taxa de homicídios triplicou no governo de Chávez e os grupos armados chavistas desfrutam total impunidade. O prefeito de Caracas, o oposicionista Antonio Ledezma, eleito no fim do ano passado, está impossibilitado de despachar na prefeitura, cujo prédio está ocupado por milícias chavistas. A invasão foi decidida depois que o novo prefeito anunciou que não renovaria o contrato de trabalho de 8 000 funcionários fantasmas contratados pelo prefeito anterior, um chavista. "As pessoas votaram em Chávez em 1998 porque estavam assustadas com o custo de vida elevado e queriam dar um fim à corrupção e à insegurança", disse a VEJA o cientista político venezuelano José Vicente Carrasquero. "O lamentável é que os problemas hoje são os mesmos de dez anos atrás, só que se tornaram muito mais graves."
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