Guaribas (PI) — Uma cidade que vive de esperar. Por melhorias na educação, na saúde, no saneamento básico. Mas, principalmente, por uma visita do presidente da República. No município-piloto do programa Fome Zero, localizado a 650km da capital, Teresina, dorme-se e acorda-se na expectativa de que Luiz Inácio Lula da Silva apareça. “Lula, nos acuda. O povo do Fome Zero está morrendo à míngua. Venha ver nós (sic). A sua cidade está acabada.”
O apelo é de Orlando Rocha, 65 anos. Na época do lançamento do programa, em 2003, ele esteve em Brasília. Fez propaganda, apareceu em todos os jornais. Hoje, sente-se esquecido. “Eu sei que o ‘Lulinha’ acha que aqui está tudo uma maravilha. Você, que é de Brasília, pede pra ele aparecer aqui”, diz Carmelita. A agricultora aposentada conta que gostaria de escrever uma carta ao presidente. “Mas a gente não sabe escrever, não. Na época do Fome Zero, a gente fez curso de alfabetização. Só aprendemos a assinar o nome”, explica Elza Rosa, cunhada de Orlando.
Quase cinco anos depois de sair do obscurantismo para ganhar destaque no país como símbolo de investimento na área social, Guaribas ainda depende das aposentadorias e do cartão Bolsa Família. No ano passado, a prefeitura cancelou 30% dos cartões concedidos. De acordo com a Secretaria de Assistência Social do município, havia cadastros duplicados. Mesmo assim, 77,3% da população ainda recebe o Bolsa Família.
A economia local está estagnada. A produção agrícola, no ano passado, limitou-se à colheita de feijão, arroz com casca, milho e mamona, o que rendeu R$ 459 mil ao município. Menos da metade do total arrecadado no mesmo período em Manari (PE), cidade com pior Índice de Desenvolvimento Humano do país, que produziu, na agricultura, R$ 991,2 mil.
O comércio formal também não se desenvolveu. Estabelecimentos funcionam dentro de casas, sem registro nem trabalhadores com carteira assinada. O arrimo vem da prefeitura, que emprega cerca de 130 pessoas, incluindo 93 professores.
Abandono
“Se não fossem os velhos e o cartão, isso aqui estava acabado”, constata Ronilio Dias da Rocha, 22 anos. O jovem, que tinha 17 na época do lançamento do Fome Zero, não acredita mais no desenvolvimento da cidade. Com baixa escolarização — ele não chegou a terminar o ensino fundamental — Ronilio decidiu migrar para São Paulo. “Aqui não dá não, não tem meio de vida”, justifica.
As taxas de abandono escolar estão em alta desde 2001. Em todas as séries do ensino fundamental, mantido pela rede municipal, houve aumento da evasão (leia quadro). Apesar dos dados, disponibilizados pelo Ministério da Educação, em Guaribas, ninguém assume que está fora da escola. É o medo de perder a bolsa. A Secretaria Municipal de Educação diz desconhecer os dados do MEC e, sem apresentar documentos, informa que a evasão aumentou 0,5% no ano passado.
Mãe de duas crianças com idades de 5 e 9 anos, Paula Mathias da Silva, 34 anos, garante que os meninos estudam. Mas, no ano passado, teve o cadastro cancelado. “Eu não sei o motivo não. Só sei que os R$ 50 que eu recebia fazem falta. A gente só não passa fome por causa da aposentadoria do meu marido”, conta. A enteada, Rosângela Dias da Rocha, 28, também perdeu o benefício. “Trabalho na roça e neste ano a seca matou toda a produção. Não tenho de onde tirar dinheiro. Eu faço só chorar”, conta a jovem. Ela diz que só não passa fome porque ganha ajuda do pai, Osvaldo Lopes da Rocha, 57, que recebe R$ 380 mensais de aposentadoria.
O Correio tentou entrar em contato várias vezes com o prefeito de Guaribas, Ercílio Matias (PTB). No dia em que a reportagem esteve na cidade, em 19 de setembro, ele havia viajado para Teresina. Nas outras tentativas, por telefone, o celular estava desligado. Funcionários da Prefeitura informaram que Ercílio Matias estava viajando pelo interior do estado, sem acesso a celular.
Falhas admitidas
O secretário de Educação e Cultura do governo do Piauí, Antônio José Medeiros, reconhece que os índices do estado são os piores do país. “Os baixos índices do Piauí são históricos. Nossa esperança era reverter esse quadro nos últimos quatro anos, mas não conseguimos. Avançamos nas condições estruturais, mas não houve avanço na qualidade do ensino, no desenvolvimento dos alunos. Nem na geração de emprego e renda”, diz o secretário. Eleito em 2002, o governador Wellington Dias (PT) ganhou novamente as eleições no ano passado.
Segundo Medeiros, os desafios do segundo mandato serão a melhoria da educação. Entre as medidas previstas, estão o controle da evasão, com visitas às casas dos alunos faltosos, as aulas de reforço escolar aos sábados para os alunos ameaçados de reprovação e a ampliação da carga horária, de cinco para seis horas por dia.
O secretário de Educação lembra que a gestão do ensino fundamental é responsabilidade do município e diz que, em março deste ano, o governo construiu em Guaribas a Unidade Escolar Paulo Freire, voltada ao ensino médio e à educação de jovens e adultos, equipada com biblioteca, laboratório de ciências e antena parabólica. Hoje, a escola atende a 180 alunos. O estado também capacitou seis agentes comunitários, que acompanham a freqüência dos estudantes. A cidade fará parte do programa “Viva o Semi-Árido”, que capacita professores das redes municipal e estadual.
À espera de Lula
Moradores reclamam de problemas e pedem ajuda, mas tratam presidente da República como ídolo
Guaribas (PI) – “Papai Lula veio pra tirar a gente dessa escravidão, desse pé de serra, onde a gente tinha de passar pelo meio das cobras para buscar água com aqueles potes pesados na cabeça. Ele e o Wellington.” É com adoração que Eudália da Rocha, 60 anos, fala sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governador do Piauí, Wellington Dias (PT). “Mas o governo que não tirava nossa Guaribas da boca, agora não fala mais da gente”, lamenta a agricultora, que se aposentou no ano passado e ganha R$ 380 por mês. Até então, sobrevivia dos R$ 80 do Bolsa Família e da pequena produção agrícola nos fundos do barraco onde mora com mais cinco pessoas, incluindo netos, um filho e a nora.
Uma das principais reclamações de Eudália é a poeira. Em frente à sua casa, na parte velha da cidade, como é chamada pelos moradores, não há pavimentação. “A gente engole pó o dia todo. Sou nascida e criada em Guaribas. Tem gente que não é daqui e já mora em rua asfaltada”, diz. “Já pavimentamos 3.750 metros quadrados, sendo que 2.250 foram calçados pelo estado. As pessoas vão sempre querer mais e estão certas”, afirma o secretário de Cidades do Piauí, Flávio Nogueira.
Isaías Conrado Alves, 66 anos, é um dos poucos moradores de Guaribas que não fazem questão de ver o presidente Lula de perto. “Não votei nele mesmo. Ele precisa saber que não é só dar dinheiro para o povo, não. Tem que melhorar as coisas, dar emprego para as pessoas”, cobra.
A casa de Isaías é uma das mais pobres do município. De taipa e chão batido, possui apenas um cômodo. O fogão a lenha, construído no quintal, não tem muito o que cozinhar. Isaías, que mora com a mulher, Maria Mendes de Moraes, 61, ainda não conseguiu a aposentadoria rural e sobrevive da pequena roça que, este ano, não vingou por causa da seca. “Só fiz chorar. O sol matou o milho, o feijão”, conta. Também recebe R$ 50 do Bolsa Família. “É pouco, só dá para uma comprinha. Dá para comprar um saco de arroz, um de farinha e três latas de óleo”, diz.
Comida ou telhas
“A ajuda que eu tenho é de Deus”, afirma o agricultor José Arismar Ferreira, 51 anos, mais conhecido como Chico do Lago do Baixio, comunidade onde mora, pertencente a Guaribas. Pai de cinco filhos, um deles com síndrome de Down, ele diz que a vida “é só de sofrimento”. A casa, construída com dificuldades, está com telhado incompleto e não tem porta. “Faço um mês sim, outro não. Ou a gente come ou compra telha”, conta.
O sonho de Chico é ver a água encanada chegar à comunidade, onde existe apenas uma cisterna. E ter acesso a um telefone público. Quando precisa ligar para o filho mais velho, que mora em Santa Luz (PI), ele anda 7km até Guaribas. Vai e volta a pé. O agricultor, que há três anos perdeu uma filha de 18, morta por desnutrição e anemia, segundo ele, conta que uma das poucas alegrias é ver as outras crianças, Daniel e Derlieide, na escola que funciona no vilarejo.
O secretário Flávio Nogueira diz que a infra-estrutura de Guaribas e dos nove povoados do município vai melhorar. “Estamos construindo uma unidade de saúde, construindo mais uma escola e duas lanchonetes, como opção de lazer aos moradores”, diz. A água encanada, garante Nogueira, será ampliada para os vilarejos que dependem exclusivamente de cisternas. Chico do Baixio aguarda pelo encanamento. E pela visita de Luiz Inácio Lula da Silva. “A vontade do Lula é vir aqui. Tenho certeza de que ele tá pensando que aqui tá bom mesmo. Mas não tá.”
Correio Brasiliense
O apelo é de Orlando Rocha, 65 anos. Na época do lançamento do programa, em 2003, ele esteve em Brasília. Fez propaganda, apareceu em todos os jornais. Hoje, sente-se esquecido. “Eu sei que o ‘Lulinha’ acha que aqui está tudo uma maravilha. Você, que é de Brasília, pede pra ele aparecer aqui”, diz Carmelita. A agricultora aposentada conta que gostaria de escrever uma carta ao presidente. “Mas a gente não sabe escrever, não. Na época do Fome Zero, a gente fez curso de alfabetização. Só aprendemos a assinar o nome”, explica Elza Rosa, cunhada de Orlando.
Quase cinco anos depois de sair do obscurantismo para ganhar destaque no país como símbolo de investimento na área social, Guaribas ainda depende das aposentadorias e do cartão Bolsa Família. No ano passado, a prefeitura cancelou 30% dos cartões concedidos. De acordo com a Secretaria de Assistência Social do município, havia cadastros duplicados. Mesmo assim, 77,3% da população ainda recebe o Bolsa Família.
A economia local está estagnada. A produção agrícola, no ano passado, limitou-se à colheita de feijão, arroz com casca, milho e mamona, o que rendeu R$ 459 mil ao município. Menos da metade do total arrecadado no mesmo período em Manari (PE), cidade com pior Índice de Desenvolvimento Humano do país, que produziu, na agricultura, R$ 991,2 mil.
O comércio formal também não se desenvolveu. Estabelecimentos funcionam dentro de casas, sem registro nem trabalhadores com carteira assinada. O arrimo vem da prefeitura, que emprega cerca de 130 pessoas, incluindo 93 professores.
Abandono
“Se não fossem os velhos e o cartão, isso aqui estava acabado”, constata Ronilio Dias da Rocha, 22 anos. O jovem, que tinha 17 na época do lançamento do Fome Zero, não acredita mais no desenvolvimento da cidade. Com baixa escolarização — ele não chegou a terminar o ensino fundamental — Ronilio decidiu migrar para São Paulo. “Aqui não dá não, não tem meio de vida”, justifica.
As taxas de abandono escolar estão em alta desde 2001. Em todas as séries do ensino fundamental, mantido pela rede municipal, houve aumento da evasão (leia quadro). Apesar dos dados, disponibilizados pelo Ministério da Educação, em Guaribas, ninguém assume que está fora da escola. É o medo de perder a bolsa. A Secretaria Municipal de Educação diz desconhecer os dados do MEC e, sem apresentar documentos, informa que a evasão aumentou 0,5% no ano passado.
Mãe de duas crianças com idades de 5 e 9 anos, Paula Mathias da Silva, 34 anos, garante que os meninos estudam. Mas, no ano passado, teve o cadastro cancelado. “Eu não sei o motivo não. Só sei que os R$ 50 que eu recebia fazem falta. A gente só não passa fome por causa da aposentadoria do meu marido”, conta. A enteada, Rosângela Dias da Rocha, 28, também perdeu o benefício. “Trabalho na roça e neste ano a seca matou toda a produção. Não tenho de onde tirar dinheiro. Eu faço só chorar”, conta a jovem. Ela diz que só não passa fome porque ganha ajuda do pai, Osvaldo Lopes da Rocha, 57, que recebe R$ 380 mensais de aposentadoria.
O Correio tentou entrar em contato várias vezes com o prefeito de Guaribas, Ercílio Matias (PTB). No dia em que a reportagem esteve na cidade, em 19 de setembro, ele havia viajado para Teresina. Nas outras tentativas, por telefone, o celular estava desligado. Funcionários da Prefeitura informaram que Ercílio Matias estava viajando pelo interior do estado, sem acesso a celular.
Falhas admitidas
O secretário de Educação e Cultura do governo do Piauí, Antônio José Medeiros, reconhece que os índices do estado são os piores do país. “Os baixos índices do Piauí são históricos. Nossa esperança era reverter esse quadro nos últimos quatro anos, mas não conseguimos. Avançamos nas condições estruturais, mas não houve avanço na qualidade do ensino, no desenvolvimento dos alunos. Nem na geração de emprego e renda”, diz o secretário. Eleito em 2002, o governador Wellington Dias (PT) ganhou novamente as eleições no ano passado.
Segundo Medeiros, os desafios do segundo mandato serão a melhoria da educação. Entre as medidas previstas, estão o controle da evasão, com visitas às casas dos alunos faltosos, as aulas de reforço escolar aos sábados para os alunos ameaçados de reprovação e a ampliação da carga horária, de cinco para seis horas por dia.
O secretário de Educação lembra que a gestão do ensino fundamental é responsabilidade do município e diz que, em março deste ano, o governo construiu em Guaribas a Unidade Escolar Paulo Freire, voltada ao ensino médio e à educação de jovens e adultos, equipada com biblioteca, laboratório de ciências e antena parabólica. Hoje, a escola atende a 180 alunos. O estado também capacitou seis agentes comunitários, que acompanham a freqüência dos estudantes. A cidade fará parte do programa “Viva o Semi-Árido”, que capacita professores das redes municipal e estadual.
À espera de Lula
Moradores reclamam de problemas e pedem ajuda, mas tratam presidente da República como ídolo
Guaribas (PI) – “Papai Lula veio pra tirar a gente dessa escravidão, desse pé de serra, onde a gente tinha de passar pelo meio das cobras para buscar água com aqueles potes pesados na cabeça. Ele e o Wellington.” É com adoração que Eudália da Rocha, 60 anos, fala sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governador do Piauí, Wellington Dias (PT). “Mas o governo que não tirava nossa Guaribas da boca, agora não fala mais da gente”, lamenta a agricultora, que se aposentou no ano passado e ganha R$ 380 por mês. Até então, sobrevivia dos R$ 80 do Bolsa Família e da pequena produção agrícola nos fundos do barraco onde mora com mais cinco pessoas, incluindo netos, um filho e a nora.
Uma das principais reclamações de Eudália é a poeira. Em frente à sua casa, na parte velha da cidade, como é chamada pelos moradores, não há pavimentação. “A gente engole pó o dia todo. Sou nascida e criada em Guaribas. Tem gente que não é daqui e já mora em rua asfaltada”, diz. “Já pavimentamos 3.750 metros quadrados, sendo que 2.250 foram calçados pelo estado. As pessoas vão sempre querer mais e estão certas”, afirma o secretário de Cidades do Piauí, Flávio Nogueira.
Isaías Conrado Alves, 66 anos, é um dos poucos moradores de Guaribas que não fazem questão de ver o presidente Lula de perto. “Não votei nele mesmo. Ele precisa saber que não é só dar dinheiro para o povo, não. Tem que melhorar as coisas, dar emprego para as pessoas”, cobra.
A casa de Isaías é uma das mais pobres do município. De taipa e chão batido, possui apenas um cômodo. O fogão a lenha, construído no quintal, não tem muito o que cozinhar. Isaías, que mora com a mulher, Maria Mendes de Moraes, 61, ainda não conseguiu a aposentadoria rural e sobrevive da pequena roça que, este ano, não vingou por causa da seca. “Só fiz chorar. O sol matou o milho, o feijão”, conta. Também recebe R$ 50 do Bolsa Família. “É pouco, só dá para uma comprinha. Dá para comprar um saco de arroz, um de farinha e três latas de óleo”, diz.
Comida ou telhas
“A ajuda que eu tenho é de Deus”, afirma o agricultor José Arismar Ferreira, 51 anos, mais conhecido como Chico do Lago do Baixio, comunidade onde mora, pertencente a Guaribas. Pai de cinco filhos, um deles com síndrome de Down, ele diz que a vida “é só de sofrimento”. A casa, construída com dificuldades, está com telhado incompleto e não tem porta. “Faço um mês sim, outro não. Ou a gente come ou compra telha”, conta.
O sonho de Chico é ver a água encanada chegar à comunidade, onde existe apenas uma cisterna. E ter acesso a um telefone público. Quando precisa ligar para o filho mais velho, que mora em Santa Luz (PI), ele anda 7km até Guaribas. Vai e volta a pé. O agricultor, que há três anos perdeu uma filha de 18, morta por desnutrição e anemia, segundo ele, conta que uma das poucas alegrias é ver as outras crianças, Daniel e Derlieide, na escola que funciona no vilarejo.
O secretário Flávio Nogueira diz que a infra-estrutura de Guaribas e dos nove povoados do município vai melhorar. “Estamos construindo uma unidade de saúde, construindo mais uma escola e duas lanchonetes, como opção de lazer aos moradores”, diz. A água encanada, garante Nogueira, será ampliada para os vilarejos que dependem exclusivamente de cisternas. Chico do Baixio aguarda pelo encanamento. E pela visita de Luiz Inácio Lula da Silva. “A vontade do Lula é vir aqui. Tenho certeza de que ele tá pensando que aqui tá bom mesmo. Mas não tá.”
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