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Para salvar seu mandato, o senador Renan Calheiros já usou a tática de constranger e ameaçar colegas do Parlamento com a divulgação de informações supostamente comprometedoras. Fez isso com dois respeitáveis senadores, Pedro Simon e Jefferson Peres, transformando-os em alvos de boatos sórdidos. Repetiu a fórmula com os petistas Tião Viana e Ideli Salvatti, aliados fiéis que pensaram em se rebelar contra a permanência dele no cargo e acabaram acuados por denúncias de irregularidades. Às vésperas de enfrentar três outros processos no Conselho de Ética, Renan Calheiros é flagrado em outro movimento clandestino e espúrio: a espionagem de senadores. VEJA apurou que Calheiros montou um grupo de arapongas e advogados para bisbilhotar a vida de seus adversários. Na mira estão dois dos principais oponentes do presidente do Congresso: o tucano Marconi Perillo e o democrata Demostenes Torres. Ambos tiveram a vida privada devassada nos últimos três meses. A ousadia chegou ao ponto de, há duas semanas, os arapongas planejarem instalar câmeras de vídeo em um hangar de táxi aéreo no Aeroporto de Goiânia para filmar os embarques e os desembarques dos parlamentares. O objetivo era tentar flagrar os senadores em alguma atividade ilegal para depois chantageá-los em troca de apoio. O plano só não foi em frente porque o dono do hangar não concordou em participar da operação.
O grupo de espionagem é comandado pelo ex-senador Francisco Escórcio, amigo, correligionário e assessor direto de Renan Calheiros. No dia 24 passado, o assessor se reuniu em Goiânia com os advogados Heli Dourado e Wilson Azevedo. Discutiram uma estratégia para criar uma situação que comprometesse os senadores Perillo e Demostenes. "Vamos ter de estourá-los", sentenciou Escórcio. Um dos advogados disse que a melhor maneira de constranger os senadores oposicionistas era colher imagens deles embarcando em jatos particulares pertencentes a empresários da região. Um dos presentes lembrou que os vôos eram feitos a partir do hangar da empresa Voar, cujo proprietário é o ex-deputado Pedro Abrão, um ex-peemedebista. Na mesma noite, Abrão foi convidado a ir a um escritório no centro de Goiânia. Lá, na presença dos advogados, ouviu a proposta diretamente de Francisco Escórcio: "Nós precisamos de sua ajuda para resolver um problema para Renan", disse Escórcio. Os dois já se conheciam do Congresso Nacional. "Queremos instalar câmeras de vídeo para gravar Perillo e Demostenes usando seus aviões." E completou: "Quero ver a cara deles depois disso, se eles (os senadores) vão continuar nos incomodando". Abrão ouviu a proposta e ficou de estudar. Depois, preocupado, narrou o estranho encontro a um amigo.
Ex-governador de Goiás, Perillo está em seu primeiro mandato. Na reta final do processo que investigava o envolvimento de Calheiros com o lobista de empreiteira, foi Perillo que apresentou a tese vencedora de que o voto no Conselho de Ética deveria ser aberto. Já Demostenes Torres, ex-promotor público, é hoje um dos mais destacados parlamentares da oposição. Não é a primeira vez que ele, titular do Conselho de Ética, é vítima de arapongas. Em junho passado, logo depois das primeiras denúncias contra Calheiros, Demostenes foi um dos primeiros a defender com veemência a instalação do processo por quebra de decoro. Os arapongas de Renan passaram a investigá-lo desde então. Sem cerimônia, estiveram na cidade de Rio Verde, no interior de Goiás, onde moram pessoas próximas a Demostenes. Lá, procuraram amigos e amigas que já fizeram parte da intimidade do senador. Uma dessas pessoas chegou a receber uma oferta para gravar um depoimento. Os arapongas se apresentavam como advogados, tinham sotaque carregado e, ao que parece, estavam muito interessados em fazer futrica. Não escondiam que o objetivo era intimidar o senador.
Na semana passada, Demostenes Torres e Marconi Perillo foram procurados por amigos em comum e avisados da trama dos arapongas de Renan. Os senadores se reuniram na segunda-feira no gabinete do presidente do Tribunal de Contas de Goiás, onde chegaram a discutir a possibilidade de procurar a polícia para tentar flagrar os arapongas em ação. "Essa história é muito grave e, se confirmada, vai ser alvo de uma nova representação do meu partido contra o senador Renan Calheiros", disse o tucano Marconi Perillo. "Se alguém quiser saber os meus itinerários, basta me perguntar. Tenho todos os comprovantes de vôos e os respectivos pagamentos." Demostenes Torres disse que vai solicitar uma reunião extraordinária das lideranças do DEM para decidir quais as providências que serão tomadas contra Calheiros. "É intolerável sob qualquer critério que o presidente utilize a estrutura funcional do Congresso para cometer crimes", afirma Demóstenes.
Francisco Escórcio foi contratado em novembro do ano passado pelo senador Calheiros como assessor técnico da Presidência. Antes, trabalhou com o ex-ministro José Dirceu no cargo de assessor especial da Casa Civil. Despacha em uma sala a poucos metros de Renan e ganha um salário de 9.301 reais. O que ele faz? "Faço o que Renan me mandar fazer", disse a VEJA. Escórcio, o advogado Heli Dourado e seu sócio Wilson Azevedo foram ouvidos simultaneamente sobre o plano para bisbilhotar os senadores. Escórcio afirmou que esteve em Goiânia no dia 24 "para pegar umas fotos", que se reuniu com o advogado Heli Dourado e "outras pessoas" num escritório e que, por acaso, o empresário Pedro Abrão "apareceu por lá e eu até disse que ele estava bem magrinho". Heli Dourado confirma que esteve reunido com Escórcio "para discutir um processo judicial de interesse da família Sarney" e garante que "Pedro Abrão não participou da conversa". Wilson Azevedo, seu sócio, diz que "esteve com Escórcio há uns dez dias num encontro informal" e que não vê Pedro Abrão "há uns seis anos". Pedro Abrão, por sua vez, confirma que os senadores usam seu hangar, que conhece os personagens citados, mas que não participou de nenhuma reunião. O empresário, que já pesou mais de 120 quilos, fez uma cirurgia de redução de estômago e está bem magrinho, como disse Escórcio. Renan Calheiros não quis falar.
Policarpo Junior e Otávio Cabral para Veja
Com reportagem de Alexandre Oltramari
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