9.10.07

Reação ao cangaço no Senado


A tal ponto chegaram os abusos do presidente do Senado, Renan Calheiros, que está em vias de se consolidar na Casa, ecoando na Câmara dos Deputados, uma frente suprapartidária contra os movimentos da escória de que o político alagoano se utiliza para se servir desbragadamente do poder. Nos últimos dias, a justaposição de uma "canalhice", na expressão do senador acreano Geraldo Mesquita, do mesmo PMDB de Calheiros, com uma "sem-vergonhice sem limites", nas palavras do seu colega goiano Demóstenes Torres, do DEM, deve desencadear, a partir de hoje, ações efetivas de repúdio, compartilhadas por integrantes de siglas habitualmente adversárias, contra a transformação do Senado em "chiqueiro", no dizer do democrata - ou, o que talvez seja mais apropriado, numa caatinga onde imperam as leis do cangaço.

A "canalhice" - que chegou a enojar o próprio presidente nacional do PMDB, Michel Temer - foi a substituição sumária, na quinta-feira passada, de dois peemedebistas históricos, o pernambucano Jarbas Vasconcelos e o gaúcho Pedro Simon, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ambos são conhecidos por sua independência diante do governo de que a sua legenda é a principal parceira e por sua insistência no afastamento de Calheiros da direção do Senado até a apuração cabal das denúncias levantadas contra ele por afronta ao decoro. Já a "sem-vergonhice" está contida na revelação, divulgada no dia seguinte na internet pelo jornalista Ricardo Noblat e detalhada na edição da revista Veja que foi às bancas sábado, de que um assessor de Calheiros, o ex-senador Francisco ("Chiquinho") Escórcio, teria tentado montar um esquema para bisbilhotar o senador tucano e ex-governador de Goiás Marconi Perillo e o já citado Demóstenes Torres.

O disparo que atingiu Vasconcelos e Simon saiu da arma do líder do PMDB, Valdir Raupp, de Rondônia. Não poderia ser de outra forma: são os líderes que, em última instância, designam os representantes partidários nas comissões do Legislativo. Mas é claro como o sol que a ordem de puxar o gatilho partiu de Calheiros. Foi um dos seus mais notórios paus-mandados, o "franciscano" mineiro Wellington Salgado, por sinal cheio de contas a acertar com a Justiça, que sugeriu a eliminação dos correligionários, num jantar na casa de Raupp, na terça-feira passada. No dia seguinte, o mesmo Salgado investiu contra Vasconcelos em plenário por apoiar o projeto de resolução pelo qual senadores envolvidos em denúncias devem se afastar dos cargos que exercerem no Senado - iniciativa motivada pelos escândalos em seqüência colados à pele de Calheiros. Não bastasse isso, o seu maior lambe-botas, Almeida Lima, de Sergipe, foi para o lugar do pernambucano.

Tampouco paira a menor dúvida sobre a origem da tentativa de espionar os dois senadores goianos, abortada pela aparente recusa do dono de um hangar em permitir que eles fossem filmados ao embarcar ou desembarcar ali. A idéia, naturalmente, era a de colher imagens comprometedoras que serviriam para chantageá-los. Chiquinho Escórcio, apontado como o operador da baixaria, teria dito ao dono do hangar, Pedrinho Abrão, na presença de dois advogados: "Renan está montando um dossiê contra os senadores que votaram a favor da cassação dele. Vamos ter de estourá-los." Perillo e Torres fazem parte do Conselho de Ética. Quando os renanzistas tentaram tornar secreta a votação sobre o primeiro dos quatro processos contra Calheiros que chegaram ao colegiado, Perillo e Torres figuraram entre os resistentes ao golpe. O alagoano, de resto, já fez saber que recorreria à chantagem para calar os adversários.

Mal haviam começado os seus problemas, tentou intimidar o pedetista amazonense Jefferson Péres, o democrata potiguar José Agripino Maia, além de Pedro Simon. Agora, ao ordenar a defenestração do gaúcho da CCJ, terá pretendido acertar dois alvos com um tiro só. Além da vingança pessoal, se tornaria credor do Planalto por remover um opositor da prorrogação da CPMF da comissão que examinará a constitucionalidade da proposta. (O mesmo vale para Vasconcelos.) Senadores de diversas siglas, entre os quais pelo menos cinco peemedebistas, já exigiram que a patifaria fosse desfeita. E estão dadas as condições para um quinto processo contra Calheiros, agora por uso do cargo em benefício próprio - uma abjeção a olho nu.

Editorial Estadão

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