Octávio Costa e Adriana Nicacio
NOVOS TEMPOS O PT, que antes promovia manifestações pela ética, agora é alvo de atos contra Sarney |
Era mais do que sabido que as 11 representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AC), acabariam em pizza. O que, de fato, ocorreu graças ao apoio decisivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O partido que nasceu em 1980 empunhando a bandeira da ética mais uma vez se apequenou diante dos contra cheques do governo federal e do presidente que empurrou pela goela dos senadores petistas a decisão de votar pelo arquivamento. Por 9 votos a 6, o Conselho de Ética salvou a pele de Sarney. E foram decisivos os três votos da bancada petista. Desta vez, porém, não houve festa. O PT entrou em conflito de identidade e mergulhou em profunda crise.
O partido que sobreviveu ao Mensalão tenta agora juntar os cacos, mas ninguém se atreve a dizer se o custo pela pizza para Sarney já foi totalmente pago. No mesmo dia em que as denúncias contra o presidente do Senado rumaram para o arquivo, o PT assistiu à senadora acreana Marina Silva se desfiliar da legenda. Em seguida, o senador Flávio Arns (PR) também anunciou que estava deixando o partido. "O PT jogou a ética no lixo. Posso dizer que me envergonho de estar hoje no PT", disse Arns, minutos após a votação. "A cúpula do PT resolveu ignorar a militância em prol da candidatura de Dilma e da aliança com o PMDB." Abalado, o senador Eduardo Suplicy (SP) lamentou a situação do partido e disse que se a divisão se aprofundar ele também poderá deixá-lo. Com olhos marejados e a voz embargada, o senador explicou que seria um passo dramático "porque as dores da separação são terríveis".
"Existe tropa de choque, sim. Mas para enfrentar os trombadinhas do poder", afirmou, sem qualquer pudor, o senador Almeida Lima (PMDB-SE), na terçafeira 18. Político de 55 anos, que já foi prefeito de Aracaju, ele lidera o grupo de parlamentares que defendem com unhas e dentes as ordens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No Conselho de Ética, a tropa de choque não negou fogo e votou em bloco a favor do senador José Sarney (PMDB-AP). "Faço parte da base do governo porque sou do PMDB. Um partido que tem seis ministérios deve ter responsabilidade para com esse governo. A oposição tenta debochar com essa história de tropa de choque. Mas eu aceito", explicou Almeida Lima. A tropa é formada por gente com disposição para bater e também dar a cara à tapa. "Quando eu acordo de manhã e me olho no espelho, me vejo do alto do meu 1,95 m, com 130 quilos, cabeludo e penso: 'Eu tenho mesmo cara de tropa de choque'", diz às gargalhadas o senador Wellington Salgado (PMDB-MG). Mas o que move Salgado é a condição de suplente do ministro Hélio Costa. "Eu tenho um ministro e, por isso, apoio o presidente Lula. Não faz nenhum sentido ir contra as determinações do presidente se ele tem uma aprovação tão alta", explica. Cada um tem seu motivo para rezar pela cartilha palaciana. O senador Gilvam Borges (PMDB-AP) assumiu o cargo depois que João Capiberibe foi cassado. E o senador cassado acusa Sarney de estar por trás de sua cassação. O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) segue a linha justa do seu partido, que cobra disciplina dos filiados e ocupa no governo o Ministério do Esporte e a direção da Agência Nacional do Petróleo. Outro ícone da tropa de choque é o senador Gim Argello (PTB-DF), que assumiu após a renúncia do senador Joaquim Roriz e tem apadrinhados na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Argello, que responde a processos no STF, orgulha-se de ser "um homem do Palácio". Ex-integrante da oposição, Romeu Tuma (PTB-SP) também votou a favor de Sarney. Seu filho Romeu Tuma Jr. é secretário nacional de Justiça. Na presidência do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDBRJ) encaminhou o processo como quis. Saiu-se muito bem no papel de segundo suplente do governador Sergio Cabral, que mantém relação de unha e carne com Lula. Vitoriosa, a tropa de choque anuncia que está preparada para novos embates. "A oposição quer tomar o poder na marra e não no voto. Não tem espírito patriótico. Sempre que botar a cabeça de fora, estaremos ali para dar uma paulada", afirma Almeida Lima.
|
CADÊ A RENÚNCIA? Depois de Sarney, o vergonhoso "Dia do Fico" de Mercadante |
A oposição aproveitou o drama petista para atacar sem piedade. Em clima de pêsames, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) tripudiou: "Hoje é um dia, me perdoe o PT, em que o PT abraça o Sarney e o Collor, e em que a Marina Silva sai do PT. Com toda a sinceridade, eu não sei hoje quem representa o PT lá da origem: se é o Lula do Sarney ou se é a Marina."
Ninguém melhor que o líder do partido no Senado, Aloizio Mercadante (SP), simbolizou esse PT que esqueceu de onde veio e agora não sabe para onde vai. Em menos de 72 horas, ele participou de um acordo para salvar Sarney, em seguida rompeu com a palavra e abandonou os liderados. Depois anunciou que renunciaria à liderança e encerrou a semana onde sempre esteve: perdido entre o presente de ser governo e o passado de ter sido contra tudo que agora prega. Tamanha vacilação levou os petistas a apostar que Mercadante é um senador sem futuro.
O esquema que salvou Sarney foi acertado na terça-feira 11, numa reunião entre os líderes petistas e peemedebistas, o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e a ministra Dilma Rousseff. Foi definido que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, escreveria uma nota justificando o respaldo da Executiva Nacional a Sarney. Mercadante, deveria ler no Conselho de Ética, antes da votação, a nota assinada por Berzoini. Mercadante roeu a corda e os senadores que seguiram a orientação do presidente Lula foram deixados à deriva. Na tentativa de corrigir a falta de Mercadante, o senador João Pedro (AM), suplente do ministro Alfredo Nascimento, leu o comunicado de Berzoini: "Oriento os senadores do PT que votem pela manutenção do arquivamento das representações (...) como forma de repelir essa tática política da oposição."
Em tom quase inaudível, os senadores João Pedro, Delcídio Amaral (MS) e Ideli Salvatti (SC) pronunciaram os votos decisivos para a sorte de Sarney. Mercadante, que não pertence ao Conselho de Ética, proferiu um simbólico voto em separado: "Respeitarei a posição daqueles que têm que seguir a disciplina partidária, mas a nossa posição era para a investigação". Encheu-se de brios e avisou que deixaria a liderança do partido.
No dia seguinte, em mensagem no twitter, disse que a decisão era irrevogável. Mas voltou atrás e comunicou que, iria consultar o presidente Lula à noite. Lula, que estava no Rio Grande do Norte, ao ser informado das idas e vindas do senador, fez um muxoxo: "Ele já tem mais de 50 anos e sabe o que fazer". Diante das trapalhadas de Mercadante, Lula deixou claro a políticos que o acompanhavam que sua paciência se esgotou. E já tinha um nome para a liderança do PT no Senado: o de João Pedro. Na quinta-feira 20, Mercadante reuniu-se com Lula. A conversa terminou na madrugada e na sexta-feira, em discurso no Senado, um envergonhado Mercadante anunciou que fica no cargo de líder a pedido de Lula.
Delcídio Amaral confirmou à ISTOÉ todo o seu desconforto em votar pelo arquivamento das representações, mas fez carga contra o hesitante líder do PT. "O Mercadante não fez o discurso e ficamos os três, João Pedro, Ideli e eu, com cara de babacas", disse Amaral. "Ele nos jogou na ladeira às claras. Eu fui colocado pelo líder no Conselho de Ética. Sou do partido do presidente, da base aliada e não tenho como não vestir a camisa do governo". No interior de Santa Catarina, Ideli, procurada por ISTOÉ, preferiu se preservar do desgaste e falar pouco sobre a crise. Ela afirmou, por intermédio de assessores, que tinha consciência do sacrifício que estava fazendo, mas era a única forma de manter a boa relação com o governo federal e a liberação de verbas para seu estado. "Se quebramos as pontes com o PMDB, rompemos com os demais partidos, como o PTB e outros", acrescentou Ideli.
Segundo o professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp, Roberto Romano, a atuação do PT no Conselho "mostra que a ética é só um objetivo genérico que se grita tanto para a militância interna como para toda a sociedade". Expetistas históricos, como Plínio de Arruda Sampaio, apostam no pior: "Acho que muita gente ainda vai deixar o partido", diz Arruda, hoje no PSOL. A pizza no Conselho de Ética foi grande o bastante para sobrar pedaços para governo e oposição. Por unanimidade, a representação contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), também foi arquivada. E tudo indica que haverá um esforço para retornar aos dias de normalidade no Senado, anteriores à eleição de Sarney para a presidência. "Acabou uma fase. Agora teremos espaço para retomar o debate das grandes reformas e regulamentação das medidas provisórias", acredita Sarney. Mas, se no passado havia um PT para cobrar compromissos éticos dos outros partidos, ficou patente agora que ninguém mais tem moral no Senado. IstoÉ
Nenhum comentário:
Postar um comentário