4.4.09

Por que as empreiteiras doam tanto

A Operação Castelo de Areia, sobre a Camargo Corrêa, põe em questão as astronômicas contribuições das empreiteiras aos partidos políticos


Fábio portela e Kalleo Coura

Eduardo Anizelli/Folha Imagem
O OPERADOR
Kurt Paul Pickel, o doleiro que cuidava das remessas da Camargo Corrêa ao exterior, deixa a prisão depois de ganhar habeas corpus

Há uma tremenda movimentação em curso para atacar a mais recente operação de fôlego da Polícia Federal, a Castelo de Areia, que apurou o envio ilegal de dinheiro ao exterior feito por diretores da Camargo Corrêa, uma das maiores empreiteiras do país. A gritaria se dá porque, no decorrer da investigação, a PF encontrou indícios arrepiantes de doações ilegais da empresa a partidos políticos. Como todas as legendas recebem doações "por fora", mas nenhuma admite, houve uma rara aglutinação entre governo e oposição para acusar a PF de agir com motivação política nesse caso e, claro, tentar trancar as investigações. Basicamente, três críticas foram levantadas: 1) não havia a necessidade de a Justiça decretar a prisão de seis funcionários da empreiteira, já que a investigação ainda não terminara; 2) não deveria haver menção a doações políticas nos relatórios, já que a investigação tratava de crimes financeiros; e 3) a polícia violou a Constituição ao revistar, com mandado, o departamento jurídico da empreiteira. VEJA ouviu o jurista Célio Borja, ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sobre o caso. Diz ele: "A prisão preventiva pode ser decretada se o juiz entender que ajudará na instrução criminal. Nesse caso, a Justiça não exorbitou. Sobre os indícios de fraude eleitoral, a PF é obrigada a relatar tudo o que descobrir no curso da investigação à Justiça. Estaria errada se fizesse o contrário, ou seja, se silenciasse a respeito. O único erro grave, a meu ver, é a invasão do departamento jurídico. A inviolabilidade do advogado é garantida por lei".

Ainda que um excesso – grave, repita-se – tenha sido cometido, colocar sob suspeita toda a investigação só beneficia os políticos e os empreiteiros, que vivem uma íntima simbiose financeira. O esquema é manjado: as empresas ganham polpudos contratos para realizar obras públicas e retribuem a gentileza doando milhões e milhões de reais aos partidos – a todos eles, "por dentro" (legalmente) e "por fora" (no caixa dois). As empreiteiras doam somas tão grandes que só há uma explicação razoável para a origem do dinheiro: ele está embutido na margem de lucro que elas aplicam a seus contratos com o estado. Ou seja, quem paga a festança é o contribuinte. Um levantamento feito por VEJA com base nas doações eleitorais de 2002 a 2008 e em repasses feitos aos diretórios nacionais dos partidos em 2006 e 2007 revela que as cinco maiores empreiteiras do país doaram, nos conformes, pelo menos 114 milhões de reais a políticos no período. Muito mais, por exemplo, que bancos ou montadoras (estas, aliás, restringem ao máximo suas contribuições). Em troca da generosidade, as mesmas cinco empreiteiras assinaram dezenas de contratos públicos. Só em obras do PAC, desde 2007, levaram 1,4 bilhão de reais. Os empreiteiros são os melhores amigos dos políticos, e vice-versa.

Na Operação Castelo de Areia, as investigações começaram no entorno do doleiro Kurt Paul Pickel, que, segundo a PF, coordenava a evasão de divisas da Camargo Corrêa. Ele recebia dinheiro vivo dos diretores da empresa e o mandava para contas no exterior. Depois, as remessas voltavam ao Brasil, num sistema de lavagem. Ao monitorar os diretores da empresa, a PF captou as explosivas conversas em que se fala de doações "por fora" e "por dentro" a políticos. Até agora, a polícia apurou apenas os crimes financeiros do grupo, e aguarda uma ordem da Justiça Eleitoral para começar a vasculhar a fundo a relação entre a Camargo Corrêa e o mundo político. Já sabe até onde iniciar a busca: não em um, mas nos vários pen drives que foram apreendidos na sede da empresa. É um trabalho que deveria começar o quanto antes.

Até tu, Jânio?

Edward Costa/AE
POR FORA E LÁ FORA
Até hoje, a família de Jânio Quadros acha que o ex-presidente mandou dinheiro para a Suíça

Kurt Paul Pickel, o doleiro favorito dos executivos da Camargo Corrêa, não trabalha exclusivamente para a empreiteira. Ele é uma espécie de referência em São Paulo quando o assunto é mandar dinheiro para a Suíça, ou trazer recursos de lá, de forma sigilosa. Entre os muitos clientes que o contataram durante a Operação Castelo de Areia, um chama atenção. Trata-se de Jânio Quadros Neto. Um advogado contratado por Janinho procurou Pickel para tentar localizar uma conta milionária que o ex-presidente Jânio Quadros teria deixado na Suíça. O negócio não foi para a frente por falta de dinheiro para arcar com o alto valor das buscas. A conta suíça de Jânio já é uma peça de folclore na política brasileira. A primeira vez em que se falou sobre o assunto foi em 1987, quando apareceu um bilhetinho escrito pela mulher de Jânio, Eloá, à filha do casal, Tutu, com menções à tal conta, no Citibank de Genebra. Na ocasião, Jânio fez troça: disse que, se alguém encontrasse a conta, poderia ficar com tudo que estivesse depositado. O dinheiro nunca apareceu, mas a dúvida permanece: será que o pé-de-meia suíço de Jânio, se é que existe mesmo, também foi feito com doações de empreiteiras?

Nenhum comentário: