Câmara emite passagens em nome de pessoas que afirmam ter feito compra em empresa
Cotas de pelo menos três congressistas são usadas em esquema; servidora diz que é troca de favores e deputado fica com crédito em agência
Gabinetes de pelo menos três deputados -Aníbal Gomes (PMDB-CE), Dilceu Sperafico (PP-PR) e Vadão Gomes (PP-SP)- emitiram bilhetes aéreos para Paris em nome de pessoas que jamais viram e que afirmam ter comprado suas passagens em uma agência de viagens de Brasília.
Trata-se de um esquema de comercialização de passagens bancadas com dinheiro público, que funciona paralelamente à farra dos bilhetes, na qual congressistas distribuem sua cota para familiares e amigos viajarem a turismo.
Um caso identificado pela Folha se dá no gabinete de Aníbal Gomes. A servidora Ana Pérsia, funcionária do deputado, repassa os nomes dos passageiros que viajarão com passagens de diferentes gabinetes à Terceira-Secretaria da Casa.
A lista dos passageiros é indicada pela agência de turismo Infinite, que funciona na galeria do Hotel Nacional de Brasília. O proprietário, Márcio Bessa, é irmão de Ana Pérsia.
A servidora da Câmara admitiu à Folha ter incluído os nomes na cota do deputado, segundo ela dentro de uma troca de favores: ele viria a receber créditos para voar no futuro via Infinite. Não fica claro se esses são devolvidos aos deputados em bilhetes ou em dinheiro. "Meu irmão só fazia isso porque era eu", disse.
Ela diz ainda que há um intercâmbio entre gabinetes. "Sempre teve esse procedimento aqui, há 40 anos acontece isso. As próprias companhias aéreas não questionavam", disse. "O Vadão emprestava crédito, o Dilceu também. A gente pedia, depois pagava em pedacinhos e ia juntando. Nós já atendemos o Ademir Camilo (PDT-ES) também. Tem deputado que quase não usa a cota."
A cota aérea foi criada para que o congressista pudesse fazer quatro deslocamentos mensais ao Estado de origem. O valor varia de R$ 4.700 a R$ 33 mil, conforme o destino.
A legislação proíbe que a Câmara comercialize passagens ou use agências, sem licitação, como intermediárias. As agências tampouco podem aceitar créditos da Câmara como forma de pagamento para viagens.
No caso da Infinite, como seus passageiros voam na cota de deputados, o dono da agência diz que devolve os valores posteriormente, embora afirme que "nunca soube como é bem esse processo". "Ele [deputado] tem crédito e emite em nome de quem quiser, é verba do deputado, para nós nunca houve nenhum tipo de problema. De onde vinha, eu não sei, só sei que ela me mandava o bilhete emitido [pela Câmara]."
O "pagamento", segundo ele, vem depois. "Ela [Ana Pérsia] liga para mim e diz que o deputado está sem crédito. Diz: "Pode emitir uns bilhetes e te pago quando sair a verba do deputado?". Ela fica me devendo. Depois ligo para ela e falo para emitir o passageiro, fazemos um encontro de contas."
Quem fatura os bilhetes é a Airlines Representações, também de Brasília. Ela funciona como "consolidadora" das passagens, no jargão do setor. "Somos uma agência de grande porte, revendemos passagens para diversas agências. A Infinite comprou alguns bilhetes nossos, é cliente", justificou a proprietária, Valéria Firetti. "Como o Aníbal [Gomes] é conhecido do Márcio [Bessa], quando a verba dele demora para sair, compra particular a passagem e depois faz o acerto. Mas não sei se paga com dinheiro, cheque, etc.".
Segundo ela, a procura pelas agências é recorrente. "Muitas vezes, deputados ou esposas de congressistas querem pagar bilhetes com a carta de crédito, mas eu não posso aceitar."
Um dos casos ocorreu no dia 28 de janeiro de 2008. Foram lançados simultaneamente no sistema da Câmara, na mesma data e por três gabinetes diferentes -Vadão Gomes, Aníbal Gomes e Dilceu Sperafico-, bilhetes de ida e volta, São Paulo-Paris, em nome de três passageiros: Sérgio Iannini, Ivan Choas e Vinicius Costite.
A Folha localizou dois deles, que confirmaram ter feito a viagem. Os bilhetes do advogado Iannini e do comerciante Choas, entretanto, foram adquiridos na Infinite. Ambos negam conhecer os deputados.
"Isso gera um dano moral, sou terceiro, de boa fé. Para mim, as passagens tinham sido emitidas e pagas na agência", afirmou Iannini. "Não sei o que aconteceu, não sei quem são os deputados", disse Choas.
Do gabinete de Aníbal Gomes também saíram bilhetes para a família Zoghbi, de ex-diretores do Senado, que fizeram viagens ao exterior. Os Zoghbi também usaram passagens de Raymundo Veloso (PMDB-BA), Zé Geraldo (PT-PA) e Armando Abílio (PTB-PB). Folha
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