5.11.06

PT contra a Imprensa!

Embalado pela vitória, PT ensaia ‘terceiro turno’ contra a imprensa

Lula prometeu melhorar relação com a mídia, mas o pós-eleição mostrou hostilidade de petistas contra jornalistas

A festa da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se um terceiro turno contra a mídia. Dizia uma faixa na Avenida Paulista, domingo à noite, durante o comício da vitória: “O povo venceu a mídia.”

No dia seguinte, na volta de Lula a Brasília, duas centenas de petistas empurraram e xingaram jornalistas. Um repórter da Folha de S. Paulo levou uma bandeirada. Um automóvel da TV Globo acabou coberto por adesivos da campanha de Lula. Temendo novas agressões, funcionários da área técnica da emissora trancaram-se no carro de link - para tentar abrir a porta, uma repórter teve de esmurrá-la.

“Acho que a imprensa deveria fazer uma auto-reflexão sobre o que ocorreu nestas eleições”, declarou Marco Aurélio Garcia, presidente interino do PT, coordenador da campanha de Lula e assessor influente do presidente, assumindo a visão de que jornais e jornalistas têm ao menos parte da culpa pela baderna de que foram vítimas.

Garcia condena manifestações desse tipo. “Sou contra toda manifestação que conduza à violência”, ressalta. Os militantes que proferiram ameaças contra jornalistas usavam crachás de ministérios e muitos são figuras carimbadas de atos públicos de Brasília. Se houvesse interesse, não seria difícil localizá-los para explicar por que não se deve promover “manifestações que conduzam à violência”.

Um dos mistérios do segundo mandato será descobrir como o governo Lula pretende conviver com a mídia. Não adianta procurar pistas no programa de governo, que não recebeu leitura atenciosa nem dos signatários. O presidente já disse que pretende dar mais entrevistas - o que é sempre uma boa notícia, desde que concorde em ser cobrado por fatos desagradáveis. Nas entrevistas que deu no segundo turno, quando a necessidade de conquistar o eleitorado recomendava muita simpatia, Lula chegou a se dirigir em tom impróprio diante de perguntas sobre a “carga tributária” e sobre a “reforma da Previdência.”

IMPRENSA BURGUESA

A realidade é que no Planalto “ainda tem muita gente que acredita em imprensa burguesa”, admite, em conversas reservadas, Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais. Não se trata de uma herança retórica, mas de uma visão da mídia como adversária a ser pressionada e confrontada.

Uma repórter dedicada à cobertura do Palácio do Planalto desde a Nova República de José Sarney resume: “Cobri cinco presidentes diferentes, mas nunca vi relações tão tensas entre o governo e os jornalistas.” Mesmo funcionários de carreira do palácio têm receio de conversar com os jornalistas, pelo temor de serem acusados de fornecer informações sem autorização. No Planalto também existem os funcionários-militantes, que formam um mundo exclusivo -- no aniversário de Lula, tiveram um encontro fechado com o presidente.

A liberdade de circulação de repórteres enfrenta restrições crescentes desde o governo Collor. Mas eles contam que nunca foram tão vigiados como agora.

PROMESSA

As cenas dos últimos dias só foram surpreendentes porque se falou em melhorias antes da eleição. Muito antes do mensalão, o presidente teve um encontro com líderes sem-terra, em Brasília, quando centenas de militantes se aproximaram dos repórteres em tom de ameaça. Para evitar agressões, os jornalistas foram resgatados por José Genoino, então presidente do PT, e por José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil, e conduzidos a um local reservado às autoridades.

Garcia diz que “gostaria de viver num país com imprensa mais plural, onde, como na Espanha, eu pudesse ler El País e o ABC.” Ele também diz que os “donos dos meios de comunicação nunca concordaram com as idéias do partido”. E frisa: “Mas agora os próprios jornalistas também manifestam uma posição de conflito conosco. Mudaram de campo cultural.” Os adversários sempre acusaram a imprensa de dar um tratamento VIP ao PT, dispensando à legenda de Lula um olhar menos agressivo e inquiridor.

A crítica faz algum sentido, quando se conta a história do PT de trás para frente. Num fenômeno que tem a ver com política e até com antropologia -- pois eram pessoas de uma mesma geração, muitas vezes colegas de escola e de ambientes culturais - o PT contava com uma credibilidade nas redações como nenhuma outra legenda da Nova República. Isso poupou o partido por um longo período. Como Lula descobriu no primeiro mandato, esse momento acabou - e o convívio com a imprensa será, em primeiro lugar, um convívio com sua liberdade.
Estadão

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