Milhares enfrentam caos para conseguir passaporte e deixar país em busca de vida melhor
Numa viela, sob o sol quente e ar escasso de La Paz, milhares de bolivianos enfrentam o caos em busca de um documento - o passaporte. É com ele que os pobres e remediados nutrem o sonho de dar a si e a sua família uma vida que a Bolívia jamais lhes permitiu.
São horas, são dias numa rotina dura em frente ao Serviço Nacional de Migração, órgão governamental encarregado de permitir aos bolivianos a fuga do país. 'Calma, calma!', grita um oficial da Polícia Nacional, diante do prédio apertado e escuro onde funcionários tentam dar conta de atender aos futuros exilados econômicos.
O presidente Evo Morales prometeu emprego, dignidade, uma revolução social. 'Evo fala muito', resume Romer Quisbert, estudante de ciência política na Universidade de La Paz. Por enquanto, ele quer ficar na Bolívia, mas enfrentava o sol ardente quase no final da fila para pegar documentos para uma prima, esta sim, de malas prontas para a Europa. Quisbert, desde as 6 da manhã, estava no mesmo ponto de quando chegou: em frente à sede da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), a estatal sobre a qual repousa agora a esperança de alento econômico capaz de frear tamanho êxodo. Falta trabalho e renda neste país castigado pela história de desajustes econômicos.
Lorenzo Quispe, de 27 anos, não quer ficar no país. Prepara-se para ser um emigrante reincidente. No começo do ano, para vencer o desemprego e a falta de perspectiva, enfrentou uma jornada. Aceitou ir a São Paulo para ser mão-de-obra barata e ilegal nas confecções do bairro do Bom Retiro.
PRECONCEITO
'Trabalhei durante quatro meses e não suportei', conta Quispe. 'Trabalho duro, 18 horas por dia.' Pior do que isso era o preconceito. 'Cachorros bolivianos que vêm tirar emprego dos brasileiros' - essa era uma das ofensas ouvidas por Quispe. Suportou calado, mas preferiu voltar.
Agora, ele se prepara para sair de novo. As promessas de Evo não o convenceram a ficar. 'Talvez um dia, mas hoje não vejo nada', diz Quispe. Agora, pensa mais alto. Tenta obter um passaporte para ir à Espanha. A relação entre Bolívia e Espanha é a mesma existente entre Brasil e Portugal. A Espanha, ex-colonizadora, é a esperança dos bolivianos de entrar na Europa, ter emprego e dignidade. Cerca de 1.500 bolivianos chegam todos os meses à Espanha.
Ghuilmar Benítez, de 23 anos, é outro boliviano que amplia as estatísticas deste êxodo. Em 8 de agosto, Benítez embarcou rumo à Espanha. Sonho frustrado. Esse jovem teve de voltar no dia seguinte, deportado, para seu país. Refeito do baque, Benítez prepara nova tentativa. Ele trabalha em cafezais. A família ganha, por ano, cerca de 3 mil pesos bolivianos (R$ 1 mil). Na Espanha, amigos ganham 70 por dia, mais do que a remuneração média mensal em La Paz.
David Carrillo, de 40 anos, quatro destes vividos na Espanha, é a prova do que o conterrâneo imagina. Também estava no caótico prédio da migração. Tentava tirar o passaporte de toda a família. 'Voltei para levar todos, será melhor', diz.
A filha, Yomar Carrillo, aguardava na fila o momento de tirar a fotografia que será estampada no passaporte.
E num último esforço do Estado boliviano em demover a jovem da decisão de largar o país, o funcionário do Serviço de Migração pede para ela olhar a bandeira da Bolívia. Yomar olha e... flash! A Bolívia dá adeus a mais um boliviano.
Estadão
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