SEDH: Agricultura contribuiu na elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos
Luciana Lima
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Brasília - O secretário adjunto da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Rogério Sottili, deu entrevista à Agência Brasil sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos
Brasília - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) tem sido alvo de diversas críticas, mas segundo o secretário adjunto da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Rogério Sottili, o programa foi construído com a participação da sociedade civil, envolvendo vários ministérios.
Em entrevista à Agência Brasil, Sottili informou que foram dois anos de debate, intensificados no último ano com a participação das demais Pastas da Esplanada dos Ministérios.
De acordo com o secretário, as reclamações do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes de não ter participado da elaboração do plano são infundadas. “O ministro Stephanes pode não estar bem informado”, disse o secretário que está à frente da SEDH no período de férias do ministro Paulo Vannuchi.
“O Ministério da Agricultura foi ouvido e recebemos de lá inúmeras respostas assinadas por vários secretários, coordenadas por secretários executivos. Mais do que isso, eles fizeram sugestões ao plano”, disse Sottili, que estranhou também a reação dos ruralistas ao programa.
“É até compreensível a surpresa, porque são setores que sempre tiveram dificuldade de debater o tema dos direitos humanos. Nunca deram muita importância a esse debate e, quando assistem a um programa que tenta sistematizar uma política de Estado para a questão dos direitos humanos, se sentem surpreendidos por isso.
Agência Brasil: O senhor imaginou que o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) provocaria tanta reação, até mesmo dentro da Esplanada dos Ministérios?
Rogério Sottili: Não esperava. O propósito do programa já foi construído com debate em todo Brasil. Há mais de dois anos estamos nesse processo de construção. No último ano, mais intensamente em toda a Esplanada dos Ministérios, em todos os poderes e com a sociedade civil. A repercussão que está ocorrendo e a polêmica em torno do programa têm um lado muito positivo e outro muito negativo. O lado positivo é que é muito importante e extremamente agradável, extremamente democrático, saber que um tema de tão difícil sensibilização dos setores públicos, dos setores políticos, tem provocado debate. O fato de as pessoas se debruçarem e dedicarem tanto tempo a esse debate é muito importante. O lado negativo disso é que lamentavelmente a gente vê um debate muito viciado, a partir de uma visão muito negativa dos direitos humanos. Mas até isso é parte da democracia, dos direitos humanos. Acho que temos que comemorar e enfrentar esse debate. Vamos aproveitar ao máximo para fazer com que o Brasil dê mais um salto importante na direção dos direitos humanos.
ABr: A reação dos ruralistas surpreende, ou já era esperada?
Sottili: É até compreensível a surpresa porque são setores que sempre tiveram dificuldade de debater o tema dos direitos humanos. Nunca deram muita importância a esse debate e quando assistem a um programa que tenta sistematizar uma política de Estado para a questão dos direitos humanos, se sentem surpreendidos por isso.
ABr: Mas a própria surpresa com que as medidas foram recebidas também não surpreende o governo, na medida em que o programa apenas institucionalizou ações que já ocorrem, como as câmaras de conciliação de conflitos no campo, por exemplo?
Sottili: Exatamente. Esse é o lado negativo. Mas nós vamos impedir isso. Vamos levar o debate para o bom debate. Eu digo que é viciado porque é um debate que já existia. Essa mediação de conflito já havia sido finalizada, de forma genérica, no PNDH-2, elaborado por Fernando Henrique Cardoso. É ruim ver que, quando se tenta fazer um debate tão importante, percebe-se uma tendência de tentar politizar a discussão do ponto de vista da campanha eleitoral. Tenta-se desgastar o governo utilizando o tema dos direitos humanos. Isso é ruim.
ABr:A criação das câmaras de conciliação recebeu críticas do setor do agronegócio que acredita que haverá mais violência no campo. O que o senhor pensa sobre isso?
Sottili: A mediação de conflito é o instrumento mais moderno e impressionante que exite no Estado brasileiro para enfrentar o problema da violência. Ela não existe não só no Estado brasileiro, é experimentada por outros países também. [É tão moderna] que o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], comandado pelo ministro Gilmar Mendes, colocou a campanha de mediação como um das mais importantes do [conselho]. O CNJ criou o Fórum Nacional de Acompanhamento de Conflitos Fundiários e o presidente Gilmar Mendes esteve pessoalmente, acompanhado do presidente do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] Rolf Hachbart, além do ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, em Marabá, em dezembro. Em dois dias eles reuniram os juízes, os promotores, os movimentos sociais, os proprietários e resolveram, por meio da mediação, um conflito que existia há dois anos. Em 2003 nós tínhamos 49 mortes em conflitos agrários. No ano passado nós tivemos uma morte.
ABr: Mas então por que o senhor acredita que a mediação vem causando tanta polêmica?
Sottili: O plano busca resolver pacificamente o conflito. Quem pode ser contra isso? Há setores que não têm interesse de resolver conflitos. Há setores que se alimentam do conflito e, em ano eleitoral, é possível que tentem aproveitar para tentar desqualificar o debate.
ABr: A SEDH tem dito que o debate para a construção do PNDH-3 envolveu toda sociedade e também todos os ministérios. Mas o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes se queixou que sua pasta não participou das discussões. Alijar o Ministério da Agricultura desse processo de discussão não pode comprometer as políticas voltadas para a paz no campo?
Sottili: O ministro Stephanes pode não estar bem informado. Isso pode ocorrer nos ministérios em função do dia a dia. Mas o fato é que todos os ministérios que tinham ações no PNDH-3 foram ouvidos, envolvidos, durante todo o processo de construção e de discussão do programa. Em julho, todos os ministérios receberam a versão inicial do PNDH-3. Foi dado a cada pasta um mês para que estudassem o plano, reagissem concordando, discordando, fazendo emendas, fazendo sugestões, alterando.
ABr: Houve resposta do Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento]?
Sottili: O Mapa foi ouvido e recebemos de lá inúmeras respostas assinadas por vários secretários, coordenadas por secretários executivos. Mais do que isso, eles fizeram sugestões ao plano. O Ministério da Agricultura foi ouvido, teve participação na elaboração do programa.
ABr: O senhor poderia citar uma sugestão do Mapa aceita no PNDH-3?
Sottili: O Ministério da Agricultura, por exemplo, solicitou ser um dos responsáveis pela garantia do direito de informação do consumidor, que prevê ações de acompanhamento de mercado, inclusive com a rotulagem dos transgênicos. A solicitação foi aceita e o Mapa aparece como responsável, ao lado dos ministérios da Justiça, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além das agências reguladoras.
ABr: Mas a SEDH não extrapola suas funções ao propor medidas que são próprias de outras pastas do governo?
Sottili: O PNDH-3 é inovador em vários temas porque ele consegue propor um programa que não é de responsabilidade da Secretaria de Direitos Humanos. É um erro pensar que o que está sendo proposto é uma política para ser executada pela Secretaria de Direitos Humanos. É muito mais do que isso. É um programa de governo, é um programa de Estado que não visa a ser executado durante o governo Lula, mas é uma política de Estado que deve ser executada nos próximos governos. O governo Lula teve o PNDH como norteador de sua política de direitos humanos o PNDH2 elaborado pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 2002, que foi muito importante e o aplaudimos. O PNDH 3, que está sendo lançado agora, no final do governo Lula, é um programa tendo como visão uma política de estado. Educação é direitos humanos, então precisamos ter o envolvimento do Ministério da Educação, das secretarias de Educação. Saúde é direitos humanos. Então, é super importante considerarmos que essa questão de direitos humanos é muito mais ampla, por isso envolveu mais de 31 ministérios com ações específicas sobre ela. O [programa] é amplo porque os direitos humanos são amplos por natureza. Eles abarcam direitos civis, direitos políticos, direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais também.
ABr: Outro ponto nevrálgico do PNDH-3 é a criação da Comissão da Verdade, que terá o objetivo de apurar crimes cometidos durante o período da ditadura militar. Essa medida não fere a Lei de Anistia de 1979?
Sottili: Em nenhum momento se colocou em debate o questionamento da Lei de Anistia. Esse questionamento da abrangência da lei sobre os crimes de tortura está no Supremo Tribunal Federal e não cabe a nós discutir o que já foi encaminhado para lá. Dizer que o plano revoga a Lei de Anistia é maquiar, é deturpar o bom debate. O próprio ministro Jobim [Nelson Jobim, ministro da Defesa] admite que o PNDH não implica a revisão da Lei de Anistia. Tanto é verdade, que a Diretriz 23 manda observar as disposições da Lei da Anistia (Lei 6683/1979).
ABr: Mas a Comissão da Verdade teria o objetivo somente de esclarecer os fatos, ou ela poderia esclarecer os fatos e punir os responsáveis?
Sottili: Toda essa abrangência da Comissão da Verdade será definida pela comissão que vai elaborar a proposta de projeto de lei que será encaminhada ao Congresso. A limitação, a abrangência, os termos, tudo isso está em construção. O que está decidido pelo plano é que deverá ser criada uma comissão, dentro do limite da lei e dentro do limite constitucional.
ABr: Essa reação dos ministros de algumas áreas terá que ser equacionada pelo próprio presidente Lula que volta segunda-feira ao trabalho?
Sottili: Sim, exatamente. Isso é natural. Para o presidente Lula, com a sua sabedoria, com a sua tranquilidade, tenho certeza que isso não será problema.
Edição: Tereza Barbosa e Rivadávia Severo
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