Em meio à polêmica decisão de cortar o sinal de seis canais de TV a cabo no fim de semana, que gerou uma nova onda de protestos da oposição, o governo venezuelano liderado por Hugo Chávez deu na segunda-feira outro grave sinal de desgaste. O vice-presidente do país e ministro do Poder Popular para a Defesa, Ramón Carrizález, apresentou sua carta de demissão a ambos os cargos no sábado. A notícia, porém, só chegou na segunda-feira à imprensa venezuelana. Num comunicado oficial, Carrizález disse deixar o governo por motivos estritamente pessoais, assim como sua mulher, Yuvirí Ortega, que estava à frente da pasta do Ambiente e também abriu mão do cargo. Em um breve comunicado transmitido pelo canal estatal na noite de segunda-feira, a ministra da Comunicação, Blanca Eekhout, disse que Chávez "aceitou a renúncia", reiterando que a decisão do ministro foi motivada por questões pessoais.
"Aproveitamos a oportunidade (...) para agradecer e reconhecer publicamente o esforço e compromisso que manteve durante toda a sua gestão o vice-presidente Executivo", disse Eekhout.
A saída do vice-presidente - militar aposentado considerado um dos homens de confiança do governo - ocorre duas semanas após Chávez ter demitido o ministro de Eletricidade, Ángel Rodríguez, da pasta que acabara de criar para tentar contornar a atual crise de energia, uma das várias que o país atravessa. Chávez culpou-o por novos apagões em Caracas. Para analistas, a demissão do vice-presidente agrava a crise política no país.
Ao perder Carrizález, o presidente perde um de seus funcionários mais leais. Chávez está encontrando muita rejeição no momento, inclusive no meio militar, no qual nem todos estão de acordo com as pretensões que o presidente vem anunciando para o setor, como a criação das milícias bolivarianas. E as demissões não devem parar por aí - acredita Manuel Malaver, analista político venezuelano.
Na segunda-feira, a emissora local Telesur, de capital estatal, informou em sua página que, "por meio de um comunicado de imprensa, Carrizález esclareceu que sua demissão não se relaciona a divergências com o Executivo, e qualquer outra versão sobre o caso é falsa e tendenciosa". Mas, no lugar de Carrizález no ministério, assume o general Carlos Mata Figueroa, que ocupava o cargo de chefe do Comando Estratégico Operacional. Fontes do governo indicam que desde o começo de janeiro havia certa pressão pela retirada de Carrizález dos dois cargos - mas o coronel, indicado por Chávez, ainda encontrava algum apoio do Executivo - e que uma rixa com Mata Figueroa, que agora ocupará seu posto, já estava em curso.
Segundo Nelson Bocaranda Sardí, colunista do jornal venezuelano "El Universal", uma situação de mal-estar se instalara no governo após a divulgação pelo presidente, no começo do mês, de que os EUA haviam invadido o espaço aéreo venezuelano ao sobrevoar, sem autorização, a ilha de Curaçao. A foto apresentada por Chávez como sendo do avião invasor americano teria sido baixada, na verdade, da internet - onde poderia ser encontrada inclusive na Wikipedia, digitando-se as palavras "avión P3 Orion", afirma Sardí. Ao ser repreendido pelo presidente, Carrizález reagiu indignado e atribuiu a responsabilidade pelo episódio ao general Carlos Mata Figueroa, dizendo que fora ele quem havia entregado a imagem ao presidente, poucos minutos antes de seu programa de rádio ir ao ar, como se fosse "uma bomba de nossa inteligência militar", conta Sardí. Nessa disputa, porém, Figueroa saiu ganhando.
A saída de Carrizález é mais um capítulo da atual instabilidade enfrentada pelo presidente Chávez - cuja luta pela implantação de "um socialismo para o século XXI" parece entrar em colapso. A atual crise de energia, causada por uma longa estiagem que secou represas e ameaça a principal hidrelétrica do país, responsável por 70% do abastecimento, causou reprovação na capital devido às polêmicas medidas de racionamento. E o pouco investimento em infraestrutura para geração de energia - as termelétricas são defasadas - indica que a situação deve se agravar.
A recente e forçada desvalorização do bolívar e a escalada da inflação - que especialistas acreditam que possa subir a 60% nos próximos meses - afundam a economia. E o aumento da criminalidade, que explode na capital, também ameaça a popularidade do governo, que nunca esteve tão baixa, às vésperas das eleições legislativas, marcadas para setembro. O Globo
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