29.5.08

O outro, o mesmo

Editorial Folha

Caso Paulinho reflete o surgimento de uma "elite" que se beneficia das relações turvas entre sindicalismo e Estado

NUM TEXTO fundamental para a constituição da literatura moderna, o poeta francês Jean-Arthur Rimbaud (1854-1891) afirmou, com tanta audácia gramatical quanto psicológica, que "eu é um outro".
Retirada de seu contexto estético, a frase parece sintetizar uma das poucas linhas de defesa possíveis para o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), cujo envolvimento com lobistas e irregularidades vai dando exaustivos sinais de evidência.
A Polícia Federal identifica na figura de "Paulinho da Força", como é conhecido o parlamentar, o beneficiário de dois cheques oriundos de um esquema de desvios de verbas do BNDES. O nome "Paulinho" e a abreviação "PA" constam da documentação apreendida pela polícia.
Haverá muitos Paulinhos, por certo, no mundo das negociatas federais, e não se nega ao da Força Sindical o direito de dizer que "é um outro". Mas nem todo Paulinho tem o poder de indicar membros do conselho administrativo do BNDES, suspeitos de facilitar empréstimos a prefeituras e empresas. Desses empréstimos, uma porcentagem reforçaria -para repetir os termos utilizados numa conversa grampeada pela polícia- a conta bancária do "chefe lá de Brasília". A saber, um certo Paulinho.
"Lá em Brasília", abre-se no Conselho de Ética da Câmara um processo contra o deputado pedetista. E este, que alega ser perseguido "pelas elites", conta com o foro privilegiado para responder às investigações da PF.
Poucas vezes a desculpa de se dizer vítima das elites terá sido menos convincente. Originário de uma central sindical sempre disposta ao diálogo "de resultados" com o patronato, Paulinho é um caso típico da ascensão da burocracia sindical a posições estratégicas no Estado.
Processo em que, de resto, velhos "xiitas" e clássicos "pelegos" convergem -com as bênçãos do presidente Lula.
Veio deste, com efeito, a decisão de canalizar a arrecadação do imposto sindical para as centrais trabalhistas -que em outros tempos viam no mecanismo, corretamente, um fator de atraso e inautenticidade na organização dos assalariados. É assim que todo trabalhador, independentemente de sua adesão a um sindicato, continua a ter descontada uma parcela de seu salário para alimentar a força da elite sindical de plantão.
Os resultados desse sindicalismo começam a aparecer. Resta acompanhar seu desenvolvimento na Justiça, e a melancólica repetição do ciclo de escândalos que acomete a política brasileira. A menos que Paulinho não seja Paulinho. Sempre surgem outros, aliás.

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