29.5.08

Folgança na posse do ministro

Editorial Estadão

Qualquer que seja a sua posição a respeito do trato das questões ambientais da atualidade, pessoas razoáveis decerto concordarão que o assunto é sério e como tal deve ser encarado, entre outros motivos ponderáveis porque envolve políticas de Estado e decisões de foros multilaterais. Pelo mesmo critério de razoabilidade, qualquer que seja a opinião que se tenha do desempenho da ministra Marina Silva nos quase cinco anos e meio em que esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente, dela não se dirá que contribuiu, com a sua conduta, para dar argumentos a todos quantos, por interesse ou desinformação, desdenham da causa ecológica, considerando os seus partidários um bando de trêfegos.

A compostura de Marina nada ensinou ao seu sucessor, Carlos Minc. A contribuição do novo ministro para carnavalizar o ambientalismo no País - e desmoralizar no exterior as ações do governo nessa área - está firmemente estabelecida. Pode ser que ele imagine que o seu modo de se portar, por atrair a atenção da mídia - ele é, antes de tudo, um excelente performer ou, em bom português, um saltimbanco, que os dicionários registram como charlatão de feira -, ajude a fixar na mente do público a coerência com que vem trabalhando os temas de que se ocupa, primeiro como secretário estadual (no Rio de Janeiro) e agora na esfera federal. De todo modo, não precisou se esforçar nem um pouco para incorporar ao que até então vinha sendo o seu bloco do eu-sozinho a figura do presidente da República - que tampouco se faz de rogado para desencadear seus surtos de oratória apoteótica. Foi o que se viu na posse de Minc, anteontem. Diante da ex-ministra que não disfarçava seu constrangimento por ser figurante daquele espetáculo, Lula, que dele acabou por merecer um beijo na testa, incorporou a exuberância performática do novo titular da Pasta e produziu como que uma versão palaciana dos velhos programas do Chacrinha.

'Faz de conta', aconselhou a Minc, 'que você está entrando no lugar do Pelé', disse em dado momento, comparando-o esdruxulamente ao atacante Amarildo, de quem pouco se esperava quando substituiu o craque contundido, nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1962. (Amarildo entrou contra a Espanha e fez os dois gols da vitória brasileira. Não participou de outras Copas.) E, numa descortesia certamente involuntária com Marina, Lula insistiu: 'Pelé não era insubstituível e o Santos foi campeão do mundo sem o Pelé.' Porque não lembrou que o Brasil também foi, naquele ano de 1962, ninguém sabe. Tampouco Minc escapou da conhecida jogralidade do presidente no trato com os seus subordinados. 'O Minc já falou em uma semana mais do que a Marina falou em cinco anos e meio', ridicularizou, alheio à própria parlapatice.

Naturalmente, o show teria ficado incompleto sem os costumeiros ataques à imprensa - para Lula, os jornais fabricavam as divergências entre Marina e sua colega da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre as licenças ambientais para hidrelétricas, porque na frente dele não brigavam - como se ignorasse o que cada lado destilava do outro aos jornalistas. O pior de tudo, porém, não foi nem o que Lula disse, mas o que deixou de dizer. Era, de fato, uma ocasião talhada para o presidente esclarecer, sobriamente, as dúvidas sobre a sua política amazônica - cujas inconsistências afinal levaram a ministra a entregar 'o pescoço' para conservar 'o juízo', como antecipara há dois anos e a colunista Dora Kramer lembrou ontem neste jornal. O que está em jogo, em última análise, são os limites da linha morde-e-assopra adotada pelo governo diante da atividade econômica na Amazônia.

A prova dos noves no horizonte é o destino da resolução de fevereiro último do Conselho Monetário Nacional, segundo a qual, a partir de 1º de julho, deixarão de ter acesso a financiamento público os proprietários de terras na região que, ao arrepio da lei, não tiverem preservado 80% das reservas naturais das fazendas. Os seus aliados, em Brasília e nos governos locais, pressionam pelo adiamento do prazo para a punição, na esperança de que uma nova lei reduza aquela margem a algo como 50%. Depois de amanhã, os nove governadores da Amazônia Legal - oito dos quais não foram à posse do ministro Minc - se reunirão em Belém para forçar o relaxamento da medida. Isso, e não a folgança no Planalto, é o que conta.

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