Waldo Luís Viana*
Pouca gente sabe, mas já fui empregado da Petrobrás. Não terceirizado, mas por concurso. E pedi demissão, dez meses depois, sendo entrevistado por quatro psicólogas que, naturalmente, me olhavam atônitas. Saí, porque queria completar o curso de Economia na Gama Filho, chegava em casa à meia-noite, atravessando toda a cidade, do bairro de Piedade ao Leme, jantava, dormia de madrugada e acordava às seis e trinta da manhã para estar às oito no Edifício-sede.
Em minha época, 1976, não havia auxílio-refeição, vale-transporte, nem nada. Era só o salário-seco, mais auxílio-periculosidade (para subir e descer de elevador) e cartão de ponto. Ah, como detesto cartão de ponto, mas agradeço a Deus, porque foi o pavor dele que me fez poeta: “sou um homem que vive nos interlúdios concedidos pelo relógio de ponto...” – dizia nos versos trôpegos da mocidade...
Queria ser escritor – imagina?, no Brasil de Paulo Coelho e José Sarney – e as psicólogas me perguntavam, sofridas, o motivo de eu querer ir embora. Sem muita paciência – já tinha pavio curto naquela época – redargüi: “quero ver o sol nascer...”. Elas não entenderam nada, tadinhas, mas eu chegava em casa tarde, saía cedo e não via o sol subir no horizonte. Coisa de poeta.
Fui posto no serviço de pessoal da empresa e era tão bom datilógrafo que me puseram para compulsar documentos sigilosos sobre a empresa. Impressionou-me a quantidade de internações psiquiátricas entre os petroleiros, mas isso não podia comentar com ninguém. Internavam-me em sala sem janela e fui dos únicos datilógrafos a utilizar máquinas elétricas com pedais, já extintas, para confeccionar tabelas de relatórios “top-secret” para a diretoria. Minha curiosidade era imensa e, como era muito rápido, lia tudo e anotava os detalhes escabrosos num bloquinho. Tudo isso eu já destruí, mas de memória, na época, o maior número de internamentos eram os do serviço de contabilidade. Fora a incidência de alcoolismo que era muito grande no geral. Segredo tão ou melhor guardado do que o da Igreja Católica em relação ao alcoolismo entre os prelados...
Há trinta e dois anos, com Shigeaki Ueki na presidência, vivíamos a presidência do déspota prussiano Ernesto Geisel e as conseqüências do choque do petróleo, que fizeram o japonezinho desligar a sua piscina de água quente para poupar energia. Como fazia parte da “peãozada”, fingia-me de morto e não tocava em política, assunto proibido. A Petrobrás já era, então, orgulho nacional e não havia pai de família que não estufasse o peito de orgulho, quando afirmava que o filho trabalhava na empresa.
Quando pedi demissão descontentei meus pais. Resolvera seguir o destino pedregoso e íngreme da não burocracia. Para mim, era insuportável ver aqueles técnicos de administração, de gravatinha, batendo em meu ombro e dizendo a frase-modelo: “meu filho, quando eu me aposentar...”
A empresa articulava uma espécie de lavagem cerebral no empregado, como se não funcionasse sozinha, dada a sua grandiosidade. Muitos trabalhavam com febre, com medo de ir ao serviço médico e serem mal vistos pelos chefetes de seção.
Naquela época, a empresa gastava 11% de seu orçamento com despesas de pessoal e, atualmente, reduziu esse “gasto” para 9%, entregando algumas atividades-meio a terceirizados, aliás muito mal vistos pelos concursados, que detêm crachá autêntico. Não sei como está hoje, mas o cartão de ponto é exigido até para profissionais de curso superior, os horários são rígidos e a mega-empresa continua um quartel. De fazer inveja aos atuais militares que nem rancho têm para oferecer aos recrutas.
Os privilégios dos petroleiros existem, mas as benesses e salários-extras continuam em poder de uma elite muito bem estabelecida, estruturada e corporativa. São ciosos de seus privilégios e têm cabeça de funcionários públicos, ou seja, sabem que se mantiverem a cabecinha conservadora, não contestatória, se lamberem muito bem as botas dos chefes (que eles chamam, na intimidade, de “os picas grandes”), permanecerão até a aposentadoria, quando como verdadeiros trapos humanos vão requerer aposentadoria com complemento financeiro da PETROS.
Essa empresa hoje é imensa, tentacular, um estado dentro do estado, e a União, apesar de todos os esforços do governo tucano para privatizá-la, no que foi impedido pelo Alto Comando do Exército, ainda detém 51% do capital das ações com direito a voto. Com a troca de governo, tornou-se a jóia da coroa do PT e é administrada diretamente pelo Palácio do Planalto e pela Casa Civil, passando por cima, na prática, pela natural hierarquia do Ministério das Minas e Energia.
Quem manda na Petrobrás é Lula e Lula desmanda na Petrobrás. Era para ser o paraíso petista, mas nunca o foi. A empresa foi presidida por um geólogo medíocre, que, inflado pela posição majestática, imaginou que seria, ipso facto, governador de Sergipe. O povo, que jamais se sentiu proprietário da empresa, não o contemplou com a investidura tão pretendida. Resultado, o homem ficou no sereno, de férias, esperando um aceno na neblina do grande presidente que finalmente lhe acomodou em cargo menor. Esse nunca mais levantará a cabeça, mas é “soldado” do partido...
Os petistas invadiram a empresa, de alto a baixo, como a KGB fazia na União Soviética com o controle dos bairros em Moscou. Nenhum cargo de confiança ficou incólume. O comissariado manda e desmanda mesmo. Todo mundo baixa a cabeça, naquela técnica de sabujice de quem quer sobreviver, esperando novos tempos. Precisaríamos de um Machado de Assis ou de um Lima Barreto para descrever o que acontece na mente dos chefes de seção e dos engenheiros de staff. Principalmente aqueles que assistem à farra das concessões orçamentárias a diversas ONGs desconhecidas...
Os controles e auditorias internos são draconianos, principalmente no varejo. Os gastos no atacado, em dólares e euros, sob responsabilidade das diretorias e do Conselho de Administração fogem à imaginação dos mortais da planície ou a qualquer vasculhador que não seja do meio. Para quem não conhece economia de petróleo, as tacadas são indectáveis!
Como uma empresa de petróleo mal administrada é um supernegócio, bastaria uma vista d’olhos nas empresas fornecedoras da Petrobrás, muitas delas criadas por ex-funcionários, e os escritórios de advocacia, para os contenciosos surgidos com os que negociam diretamente com ela, para assuntar diversas surpresas. Isso seria matéria para os serviços de inteligência da Polícia Federal, da ABIN, do CADE e de outras agências, além da curiosidade atenta do que os petistas chamam de mídia golpista. Isso sem falar no Ministério Público, que tem tantos procuradores jovens e loucos para defender os altos interesses da sociedade. Aqui vai um terno pedido do poeta: por favor, dêem um passo à frente...
A Petrobrás é tão importante que, em toda crise nacional, anunciam a descoberta de um poço. É como a decretação de um “carnaval-off”. Agora mesmo, quando fomos emparedados pela Bolívia, dirigida por um índio plantador de coca, apareceu um grande campo de gás. O campo é Júpiter. Antes, um poço a oito mil metros de profundidade, o Tupi, que vai nos levar à OPEP. Só não temos tecnologia para perfurar até lá e o gás de Santos só poderá ser explorado a partir de 2012. Os barris que produzimos, em regime de auto-suficiência, não nos garante o refino, porque o petróleo é nosso, mas é grosso. E temos de lançar mão das energias do etanol e do anidro, além das termoelétricas, torcendo para que chova sem parar para que os níveis dos reservatórios hidroelétricos voltem aos níveis normais.
Enquanto o Chile e a Argentina já estão enfrentando o apagão e a Bolívia precisará do próprio gás para garantir o inverno, sabemos que vai faltar gás a partir de junho no eixo Rio-São Paulo, porque o governo petista não pode contrariar os bolivianos pelos acordos ideológicos assinados no Foro de São Paulo.
Como dizia o prussiano Ernesto Geisel, cujo túmulo infelizmente está perto do de minha mãe no Cemitério São João Batista, vamos depender do gás boliviano no longo prazo. E o futuro chegou, com os gênios da raça do PT (à la Sargento Garcia) manobrando a crise.
Os pífios resultados da economia produzida pelo horário de “verão” brasileiro, que começa na primavera, atestam bem que algo vai muito mal no setor elétrico. O preço de refino do óleo continua bastante caro e não compensa a exibição midiática de nossas reservas potenciais.
Agora vem a bomba. Furtaram programas privilegiados, com informações sigilosas sobre nossas reservas. Colocaram os dados, não criptografados, num laptop dentro de um container. Isso parece esses filmes classe B de tráfico de drogas nos Estados Unidos, em que alguém copia um CD e o coloca em lugar privilegiado, informando os interessados que depositam determinada quantia em conta numerada num paraíso fiscal. E ainda se diz que a turma do PT aceita a assessoria especializada em petróleo de firma norte-americana, que tem seus tentáculos no mundo inteiro, inclusive no Iraque. Além das implicações diplomáticas, esse furto vem bem na hora da discussão da farra dos cartões corporativos que põe o governo de nádegas de fora. Tudo muito conveniente, acrescendo-se que a Petrobrás não levou o fato a conhecimento público em tempo e a cena do crime foi alterada.
Além do mais, sabendo-se que a Intranet da Petrobrás é uma das mais perfeitas do mundo, com as senhas sendo trocadas de vinte em vinte minutos é um escárnio que essas informações possam interferir em leilões de lençóis que envolvem bilhões de dólares e empresas estrangeiras, interessadas na exploração off-shore de nossas reservas. Como se diz em linguagem policial: a quem interessaria todo esse rebuliço?
Mas existe aí uma peninha: de quem é a investigação? Á Polícia Federal, que não é totalmente dominada pelo PT, embora tenha sido remexida em sua direção? Ao Ministério Público, que também quer seus quinze minutos de fama, porque já não tem nenhum engavetador de processos, como vergonhosamente possuía no governo FHC? Existem ainda detalhes locais ligados à Polícia Civil, que quando quer descobre qualquer coisa. E então, como ficamos? Seria apenas outra cortina de fumaça para encobrir a farra dos cartões corporativos, operada num momento de desespero por não haver nenhum outro poço de plantão a ser descoberto?
Não admira que o drama da Petrobrás, orgulho nacional seja grande. Tão grande quanto uma plataforma. Aliás, tudo é gigantesco naquela empresa que tantos serviços têm prestado a ela mesma e a sua burocracia. Inclusive os perigos da corrupção. O povo brasileiro, seu pretenso proprietário, espera por explicações.
E eu estou de fora, porque, graças a Deus, dela me demiti...
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*Waldo Luís Viana é escritor, poeta, economista e ex-empregado concursado da PETROBRAS.
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