27.11.09

Filme omite episódios da vida de Lula

Livro "Lula, O Filho do Brasil", que inspirou produção, revela episódios polêmicos da vida do presidente que não aparecem na tela

Diretor e corroteirista dizem que fita seria muito longa se todos os fatos narrados em livro fossem abordados; DVD terá quase três horas


Em trechos de "Lula, O Filho do Brasil", imagens de cinejornais e de reportagens de TV da época se misturam à ficção. Cenas gravadas para o filme foram digitalmente retocadas para parecer antigas. Principalmente no terço final, centrado na fase sindical do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o espectador é convidado a ver "a realidade" tal qual ela ocorreu.
Contudo, a comparação entre o filme e o livro homônimo que o baseou revela o sumiço de episódios que poderiam empanar o brilho do personagem heroico construído pelo roteiro.
Por outro lado, fatos que poderiam tornar Lula mais simpático aos olhos da plateia também foram retirados. Os realizadores do filme dizem que não queriam ser acusados de "exagerar a realidade".

Sindicalismo
O livro conta uma ameaça de Lula de cortar a assistência médica dos operários que não aparecessem para votar numa assembleia, a revelação de que quem escrevia os discursos dos líderes sindicais, incluindo o da posse de Lula no sindicato em 1975, era o advogado Maurício Soares e a informação de que ele já lançara a ideia de um partido político em 1978, logo após as primeiras greves -o que indica suas ambições político-partidárias dois anos antes da criação do PT.
Em outro episódio, mais prosaico, Lula poderia ser acusado de abuso no desempenho de sua função no sindicato. No livro, Marisa reconhece que, a princípio, teve "muita bronca" de Lula, pois ele, interessado em namorá-la, segurou um documento sem o qual ela não conseguia receber o dinheiro de sua pensão de viúva.
A liberação da pensão, que em outro sindicato já havia sido feita sem entraves, demorou de três a quatro dias nas mãos de Lula. No filme, Lula aparece ajudando Marisa a resolver o problema no mesmo dia.
A perseguição a Lula pela ditadura também é narrada -ele foi preso, cassado da presidência do sindicato e teve seu irmão torturado- sem a informação de que ele se reuniu com o general Dilermando Monteiro, então comandante do 2º Exército, logo após as greves de 1978. A reunião é narrada por Lula no livro: "Ele [general] me tratou muito bem, foram quase três horas de conversa. Foi uma coisa muito interessante".
Para o sindicalista Paulo Vidal (retratado no filme de forma caricatural e com outro nome, "Feitosa"), que presidiu o sindicato entre 1969 e 1975, Lula foi "pedir a bênção" do regime na reunião com o general, quando teria explicado que não queria se aliar aos comunistas para derrubar a ditadura.
A intensa tortura, com choques elétricos e pau-de-arara, sofrida por Frei Chico na prisão do Exército, por exemplo, não é mostrada -na fita ele é preso e reaparece com problemas de movimentação nos braços, num almoço em família.

Filho hostilizado
Os efeitos da ditadura sobre um filho do primeiro casamento de Marisa, um dos pontos mais fortes do relato que ela prestou para o livro, também sumiram do filme. Marisa contou que quando Lula foi preso pela ditadura, em 1980, o filho Marcos, então com 9 anos, foi hostilizado, ofendido e perseguido até mesmo por sua professora primária, que era contrária aos operários.
"Ele foi muito torturado. Quando eu descobri, o tirei da escola", narrou Marisa.
O diretor do filme, Fábio Barreto, e a corroteirista, Denise Paraná -jornalista autora do livro-, disseram que, caso filmassem lacunas apontadas pela Folha, que assistiu ao filme no último dia 19, em Recife (PE), a fita ficaria muito longa.
O filme tem duas horas e oito minutos. Para eles, os episódios mais importantes foram abordados. Barreto disse que a versão do filme em DVD deverá ter duas horas e 50 minutos de duração, e que "na montagem definitiva e integral, teria 3 horas e dez minutos". "Minha vontade era ter uma mídia que me permitisse colocar mais coisa da vida não só dele [Lula], como do movimento sindical, do operariado do ABC", disse.
O livro foi escrito por Denise nos anos 90 e relançado em 2002 pela Editora Fundação Perseu Abramo, entidade criada e mantida pelo PT. Denise foi assessora de Lula por dois anos e se declara amiga dele e de sua família.
Na linha da "história oral", o cerne do livro é a transcrição literal de depoimentos prestados nos anos 90 por Lula, seus irmãos, um amigo e Marisa.
Embora não contraponha as versões nem verifique a exatidão dos relatos, o livro trouxe à tona episódios da vida do presidente que formam um rico painel do que as pessoas mais próximas de Lula, e ele próprio, viveram ou julgaram ter vivido entre 1945 e 1980. Folha

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