Editorial Estadão
A abstenção de quase 40% dos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2009, a maior já registrada desde a criação da prova, há 11 anos, é o desdobramento natural da sucessão de equívocos que as autoridades educacionais cometeram a partir do momento em que tentaram converter esse importante mecanismo de avaliação em bandeira política com vistas às eleições de 2010. Dos 4,1 milhões de inscritos, apenas 2,5 milhões fizeram o teste no último fim de semana. Com 1 milhão de inscritos, São Paulo foi o Estado que registrou o maior número de ausentes, com um índice de abstenção de quase 46,9%.
Concebido como um teste optativo e aplicado pela primeira vez em 1998, o Enem sempre gozou de enorme credibilidade no meio estudantil, batendo recordes sucessivos de inscrições.
Segundo o Censo Escolar da Educação Básica, o índice de inscrição no Enem atinge 80% dos estudantes da 3ª série do ensino médio. Enquanto seguiu critérios rigorosamente pedagógicos, a prova foi o principal instrumento de avaliação das escolas públicas e privadas, dando ao Ministério da Educação (MEC) condições de identificar as diferenças entre elas e de tomar as medidas necessárias para reduzi-las.
As coisas começaram a mudar no primeiro semestre deste ano, quando o MEC decidiu reformular o sistema de avaliação, com o objetivo de utilizá-lo como alternativa para os vestibulares e de unificar o processo seletivo nas universidades federais.
Inspirada no modelo educacional dos Estados Unidos, a proposta foi bem recebida pelas instituições de ensino superior. Elas só recomendaram que a mudança fosse feita sem pressa e com planejamento adequado, para não comprometer a excelente imagem do Enem perante os alunos do ensino médio e pôr em risco o calendário das universidades.
As autoridades educacionais, porém, desprezaram a advertência e agiram de modo açodado, procurando persuadir universidades a substituir os vestibulares pelo Enem ainda em 2009. À medida que o MEC implementou o novo Enem a toque de caixa, para usá-lo como trunfo político a serviço de um projeto eleitoral, o que se temia aconteceu. Desde o início, houve falhas gritantes de infraestrutura, com o colapso da rede de informática do MEC, que não estava preparada para dar conta do alto número de inscrições pela internet.
Depois, os Correios atrasaram a entrega dos cartões de inscrição. A definição dos locais da prova também gerou problemas, pois muitos candidatos teriam de se deslocar para cidades distantes até 330 quilômetros de suas residências.
A falha maior, no entanto, foi de logística e de segurança, com o vazamento da prova na madrugada de 1º de outubro, dois dias antes de sua realização, quando o Estado publicou reportagem mostrando a tentativa de venda das questões.
Confirmado o vazamento, o teste teve de ser anulado, o que obrigou o MEC a gastar R$ 33 milhões apenas com a contratação de uma gráfica para a impressão de uma nova prova. E, para não pôr em risco o calendário escolar, as mais conceituadas universidades do País, como a USP e a Unicamp, desistiram de utilizar os resultados do novo Enem em seus processos seletivos.
Nas últimas semanas, quando se imaginava que todos os problemas para a realização do Enem de 2009 já haviam sido contornados, surgiram outros. Um deles foi a elaboração de questões com nítido viés político e ideológico, que acabaram sendo anuladas. Outro problema foi a elaboração de perguntas confusas e com erros conceituais, que também tiveram de ser anuladas.
Além disso, após o término do Enem, no domingo, as autoridades educacionais divulgaram um gabarito oficial errado, o que as obrigou a retirá-lo do ar, sob a justificativa de que o site do MEC estava embaralhado.
Com tudo isso, o que foi planejado para ser uma prova inovadora afetou a credibilidade do Enem, o que é reconhecido até pelo governo. O número recorde de abstenções dá a medida do desafio que ele terá de enfrentar para tentar recuperar a imagem daquele que, quando a racionalidade administrativa ainda imperava no MEC, era um dos mais eficientes mecanismos de avaliação escolar do País.
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