31.5.10

O vermelho como metáfora odiosa

por Kátia Abreu
Lamento sinceramente, não cultivo preconceitos, muito menos quanto a cores, mas sinto-me obrigada a concordar com a campanha Vamos tirar o Brasil do vermelho! , que está ganhando as ruas do país.

Depois do Carnaval Vermelho de 2010, quando 70 fazendas tiveram as entradas ocupadas no oeste de São Paulo, os chefes do MST informam que vão ensanguentar o campo com mais um Abril Vermelho e a escolha da cor não é acidental, pois está sendo usada como metáfora do ódio e da violência pergunto-me o que fazer, a quem apelar, que recursos políticos, jurídicos ou administrativos usar para evitar que se consuma a ameaça?

Os produtores rurais embora garantam o abastecimento de alimentos do país e a principal fonte de divisas obtidas pelas exportações brasileiras não contam com a proteção dos órgãos governamentais dispensada aos empresários urbanos, da indústria, do comércio e serviços. Pelo contrário, estão abandonados à saga de uma seita revolucionária, que não tem similares no mundo civilizado e cujo propósito declarado é ocupar e dividir as propriedades que produzem alimentos para impulsionar o regime socialista no Brasil.

A Reforma Agrária embora entre nessa história como Pilatos no Credo, pois é usada apenas como pretexto pelo MST não prevê e, legalmente, não admite a invasão de propriedades. Pelo contrário, veda expressamente a desapropriação de terras que sejam invadidas ou ocupadas.

Portanto, não se discute a reforma agrária, mas as invasões violentas que a usam como pretexto pelo MST para exercitar seus princípios ideológicos que não admitem, antes abuso de usurpação, a simples existência da propriedade privada. Um absurdo, pois a Constituição não apenas a admite, como a protege.

Na verdade, defendem em pleno século 21 e em um país sob o Estado Democrático de Direito que a terra é um bem coletivo, logo deve ser tomada, por bem ou por mal. Tanto que falam e agem como se estivessem nas barricadas da Revolução Bolchevista de 1917, que produziu o regime comunista, hoje extinto no mundo, salvo em Cuba e nos arremedos de Chávez.

Essas coisas parecem claras, não são argumentos para discussão, mas pura informação: estamos diante de uma situação de fato, em que uma seita ideológica revolucionária marca data para ocupar propriedades.

Invasão é crime. Acontece que as invasões do MST se tornaram prática abusiva e as autoridades governamentais parecem constrangidas de enfrentá-las. É inaceitável a escalada de violências do MST e suas provocações para estabelecer confrontos à margem da lei, quando vivemos em um país democrático, com uma Constituição, governos legítimos e Justiça independente.

Em que se baseiam, quem os autoriza e, principalmente, por que os invasores de propriedades rurais não são contidos na sua violência anunciada? São mais de 3.600 invasões nos últimos anos. Alguém considerará exercício legítimo da liberdade o grito de guerra Abril Vermelho que o MST está lançando?

Por que não temos ainda um Plano Nacional de Combate às Invasões? Um programa suasório, com recursos e objetivos claros como outros planos em execução pelo governo federal, como o Plano de Ação de Combate à Pirataria (no Ministério da Justiça), o Plano Nacional Antidrogas (sob responsabilidade da Secretaria Nacional Antidrogas, do Gabinete de Segurança Institucional), o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Ao menos se tornaria público que o governo não tolera, muito menos apoia ou estimula a metáfora sanguinolenta do vermelho contra os produtores rurais brasileiros. Ou ainda há dúvida de que invasão é crime?

* KÁTIA ABREU é senadora da República pelo DEM-TO e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense de adm/2010.

Produtores rurais responsabilizam governo por invasões de terras

Wagney Azevedo Leão, de 75 anos, tem a agropecuária no DNA. Seu bisavô era agropecuarista. Seus netos cuidam agora das terras da família.
"O agropecuarista hoje é um herói", diz ele, ao lado de outros quatro produtores, reunidos numa tarde de terça-feira numa sala do Sindicato Rural de Uberlândia para conversar com o Estado. Suas queixas e reivindicações dirigidas ao governo federal incluem os custos altos da produção e os preços baixos dos produtos, as invasões de terras e as amarras ambientais.

"Que sustentação temos hoje na pecuária?", pergunta Wagney. "Os frigoríficos e as redes de supermercados levam a parte do leão. O produtor não está levando nada. O governo deveria sustentar a política agrícola com preços." O agrônomo Maurício Bueno, de 45 anos, que presta consultoria em planejamento de crédito agrícola, explica: "Os frigoríficos são poucos e põem o preço no boi."

Maurício observa que "tem cinco ou seis empresas comprando boi e produzindo fertilizantes, e milhões produzindo boi". Do lado dos grãos, grandes empresas como Cargill, Bunge, Sadia e Granjeiros "pagam o que querem", acrescenta José Luís da Silva, de 63 anos, que tem 360 hectares de milho e soja e cerca de 800 cabeças de gado de corte.

O governo contribuiu para essa concentração, observa Otacílio Ferreira Matos, de 52 anos, que trabalha com genética de gado Gir e Holandês: "O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) socou dinheiro no Friboi, e hoje só existem ele e o Independência", diz ele, referindo-se aos dois maiores frigoríficos do País. Carlos Augusto Ribeiro Franco, de 60 anos, consultor ambiental, criador de gado e de frangos, identifica nisso uma política do governo Lula: "É pretensão desse governo mostrar a cara do Brasil lá fora e para isso precisa de grandes estruturas."

A concentração se reproduz nas fazendas. "Há cinco, dez anos, todo mundo tinha condições de plantar 5, 10 alqueires (24 a 48 hectares)", lembra o agrônomo Maurício. "Hoje, ou você é produtor de 10 mil hectares ou não é nada. Com menos de 200 hectares, você não produz mais nada, e 90% (dos fazendeiros da região) têm esses pedacinhos de chão." Os produtores explicam que, ao lado dos preços baixos dos produtos, as terras têm exigido investimentos mais altos na correção do solo, assim como novas pragas têm demandado agrotóxicos caros.

Otacílio diz que a descapitalização dos pecuaristas os leva a vender as fêmeas, que atingem preço mais baixo no mercado. Segundo ele, o ideal seria vender no máximo 20% das fêmeas, mas os produtores têm vendido 45%. É um "círculo vicioso", descreve: vendem as fêmeas para fazer caixa porque não têm animal acabado e com isso reduzem a sua produção.

O preço mínimo estipulado pelo governo para a saca de 60 quilos de milho, diz Wagney, é R$ 17,50. A saca está sendo vendida a R$ 13. "O governo não pratica o preço mínimo", critica ele. "Tem milho estocado do ano passado. Nas lavouras, plantam milho em cima da outra safra. Não compensa colher. Não tem preço."

"Nos últimos anos a gente não está conseguindo ganhar dinheiro, e muitas vezes está perdendo", diz José Luís. "Compramos insumos quando os preços dos grãos estão altos. Na colheita, caem os preços. E aí a dívida está feita." Maurício, que arrenda 40 hectares com feijão irrigado, acrescenta: "Quando vai planejar a safra, o produtor se anima com o preço alto; quando colhe, o preço cai. Há um descasamento na renda. Junta-se isso com falta de estrutura de armazenamento e de crédito."

O consultor acha que falta uma política do governo para "direcionar" o plantio e o escoamento. "Ou que pague para não plantar." Wagney assinala que o governo se aproveita do produtor ao impor o preço baixo dos alimentos. "Para o governo é lindo, excelente."

Populismo. Ele vê populismo também na política agrária. "O MST invade o Ministério da Agricultura, o Incra, as fazendas, e qual atitude o governo tem tomado?", indigna-se Wagney, que participou do Clube dos 11, embrião da União Democrática Ruralista (UDR). "Estão querendo que depois que invadam a gente tem de defender? Não existe isso. Piorou muito nos últimos anos."

Uberlândia foi fundada em 1888, depois que paulistas ocuparam a região em meados do século 19. Hoje a cidade tem 600 mil habitantes. Tradicionalmente produtora de milho e gado, passou a dedicar-se também à soja e tornou-se grande polo avícola do País. A soja é exportada, enquanto o milho abastece o mercado interno de ração.

A crise econômica mundial teve impacto sobre o agronegócio a partir de abril de 2009. "Agora está começando a reagir", diz Carlos Augusto, que cria 550 cabeças de gado de corte, 50 de leite e 130 mil frangos para produção de ovos, além de cultivar milho, sorgo e cana para alimentar o gado. "Tende a melhorar, mas não volta ao patamar de 2007 e 2008."

Para ele, a política comercial do governo Lula foi "bastante incipiente". Seu modelo de ministro da Agricultura é Marcus Vinícius Pratini de Moraes (do segundo mandato de FHC). "É um grande comerciante. Abriu muitos mercados para o Brasil. Principalmente no setor de carnes, existe o Brasil antes e depois de Pratini."

Os produtores queixam-se também do Código Florestal Brasileiro, lei de 1965. "Está totalmente desajustado ao processo produtivo", avalia Carlos, que é também consultor ambiental. "Sistema de reserva legal só existe no Brasil. No mundo inteiro acabou. E vêm aqui polemizar para o governo impor o cumprimento."

Carlos usa um argumento bastante defendido pelos agricultores: "Se (a preservação ambiental) é para o bem da coletividade, por que o produtor paga sozinho?" Os agricultores acham que devem ser remunerados pela manutenção de matas em suas fazendas, como nos Estados Unidos.

Na região de Uberlândia, a reserva legal compreende 20% da propriedade; no cerrado, o índice é de 35% e na Floresta Amazônica, de 80%. A reserva soma-se às Áreas de Proteção Permanente (APPs), na beira da água e nas encostas dos morros. O assunto inflama os produtores rurais. Eles afirmam que uma fazenda cortada por um rio a inviabiliza comercialmente. "Tem fazendeiro perdendo metade da fazenda", observa Otacílio. Maurício defende excluir do cálculo a área já desmatada. "Desmatamento está fora de moda."

Carlos argumenta que em regiões cujas terras já foram bastante fracionadas pelas heranças sucessivas, como Uberlândia, onde segundo ele a área média é de 50 hectares, o conceito de 20% dentro de cada propriedade não faz sentido. "São pequenas moitas de mata sem corredor de ligação. Que bicho vai viver em moita de 2 hectares? Não dá sustentabilidade nem para a flora nem para a fauna." Externando uma opinião também bastante comum entre os produtores rurais, Carlos continua: "A quem interessa gravar 20%? Aos nossos concorrentes lá fora, que já devastaram tudo. Sabem que somos competitivos e quanto mais puderem nos atrapalhar, vão infernizar, através de ONGs financiadas por eles. O governo não reage a essa intromissão."

O consultor ambiental diz que deveria haver um zoneamento agrícola que liberasse da reserva legal "regiões antropizadas (muito modificadas pelo homem), com alta vocação agrícola, como o Triângulo Mineiro" e preservasse "regiões de baixa vocação, como Mato Grosso".

À pergunta sobre que candidato à presidência se mostra mais sensível a todas essas questões levantadas por eles, os produtores rurais dão respostas diversas. José Luís diz que ainda é preciso estudar o perfil dos candidatos. Carlos e Wagney não têm dúvida de que o candidato com maior "afinidade" com os produtores é José Serra. Maurício contesta: "O PSDB governou do mesmo jeito (que o PT) oito anos." Ele defende o governo Lula: "O partido do qual tinham medo fez mais do que o governo Fernando Henrique Cardoso no crédito agrícola."

Insegurança. Carlos rejeita a abordagem partidária: "Temos de ver daqui para a frente o indivíduo mais apropriado." Ele responsabiliza o governo pelas invasões: "Que segurança jurídica temos no campo? Não adianta ter crédito sem segurança. Esse governo não traz nenhuma tranquilidade. Esses movimentos são uma praga." A fazenda vizinha à de Carlos, na região de Água Limpa, foi invadida. "São massa de manobra do governo. Usam esse povo. É desumano", acusa ele. "Não querem produzir. Vendem (o lote) e vão invadir outra." Ele estima que, na sua região, 90% dos assentados não são os originais: compraram de outros. "Ofereceram-me dez lotes."

Wagney associa o problema a Dilma Rousseff: "Conhecemos a peça muito bem. Foi guerrilheira. O passado dela não merece a confiança do setor." Maurício também se revela pessimista: "Vai ser pior." Os produtores torcem para que a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), não seja vice de Serra. Não porque não gostem dela. Pelo contrário: "Precisamos dela aqui." No dia em que o Estado esteve no sindicato, um ônibus com 38 produtores sairia de Uberlândia rumo a Brasília, para participar do movimento Paz no Campo, liderado pela senadora. Estadão

25.5.10

Governo pagou R$ 3,3 milhões a sindicato que terceiriza mão de obra

Sintram retém 15% do dinheiro destinado ao pagamento dos trabalhadores, prática considerada ilegal

Leandro Colon e Lu Aiko Otta, de O Estado de S. Paulo


BRASÍLIA- O governo federal pagou R$ 3,3 milhões nos últimos sete anos pelos serviços prestados por um sindicato de fachada que, em vez de representar os interesses dos trabalhadores, atua como empresa de terceirização de mão de obra.

O dinheiro foi repassado pelo Ministério da Agricultura ao Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral (Sintram) da cidade de Montividiu, em Goiás.

A reportagem do Estado esteve sexta-feira na cidade de 9 mil habitantes e encontrou, no endereço fornecido pelo sindicato ao governo, um pequeno imóvel alugado de dois cômodos, sem placa de identificação, ao lado de um salão de beleza.

Neste domingo, 23, o Estado revelou que o País registra a abertura de um sindicato por dia. Sem fiscalização, a montagem das entidades virou um grande negócio em torno do imposto sindical, que movimenta R$ 2 bilhões por ano. No caso do Sintram, além de abocanhar um parte desse dinheiro, o sindicato fecha contratos com empresas agrícolas para fornecer mão de obra e retém 15% do dinheiro destinado ao pagamento dos trabalhadores, prática considerada ilegal pelo Ministério Público do Trabalho.

A região Centro-Oeste é a principal fonte de renda do Sintram, presidido por Djalma Domingos dos Santos, responsável pela montagem de uma rede de sindicatos em outras cidades de Goiás, além de Mato Grosso, Tocantins, Bahia e Distrito Federal. Em Brasília, o endereço fornecido pela entidade ao governo é fictício. Somente na região de Rio Verde (GO), o sindicato chega a faturar R$ 1 milhão com a retenção ilegal de parte do salário dos trabalhadores.

A unidade de Montividiu, que recebeu os R$ 3,3 milhões do Ministério da Agricultura desde 2004 - sendo R$ 708 mil só no ano passado - é alvo de um inquérito do Ministério Público pela suspeita de aliciamento de trabalhadores nordestinos, coação, condições precárias de trabalho e fraudes trabalhistas.

Segundo o Ministério da Agricultura, o pagamento ao Sintram foi feito por conta do serviço de carga e descarga de caminhões prestado para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

"O sindicato venceu um processo licitatório realizado", disse o superintendente-substituto da Conab em Goiás, Emil José Ferreira.

Prorrogação

O contrato já foi prorrogado quatro vezes. "Não sabíamos do processo", disse Ferreira ao ser questionado sobre a investigação do Ministério Público. "Agora que fomos informados, vamos avaliar o que fazer", afirmou. "Do ponto de vista da legislação (de licitação), está tudo certo".

Os pagamentos do Ministério da Agricultura ao sindicato ocorrem mensalmente. Eles só são efetuados após ser verificada a situação da empresa no Sistema de Cadastro, Arrecadação e Fiscalização (Sicafi) do governo federal. Ele informa se há dívidas na Receita Federal, no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), na Dívida Ativa da União e, no caso de uma prestadora de serviço, junto ao fisco municipal. "Não constam problemas lá", disse Emil.

A legislação sobre o setor de carregamento de mercadorias, atualizada no ano passado pelo Congresso, permite ao sindicato apenas "intermediar" a contratação dos chamados "trabalhadores avulsos". Mas não prevê contratos de prestação de serviços, nem retenção compulsória de parte dos salários. Além da investigação do Ministério Público do Trabalho, o presidente do sindicato responde ação penal por sonegação fiscal. Procurado pelo Estado, Djalma Domingos dos Santos afirmou: "Não tenho nada a dizer. É problema seu".

TCU investiga uso de imposto sindical

É a 1ª vez que órgão abre investigação depois que Lula liberou as centrais sindicais de prestação de contas

Leandro Colon, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA- O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga há seis meses, sob sigilo, o uso do imposto sindical por três sindicatos e uma federação nacional ligados a uma mesma família.

As entidades filiadas à Força Sindical "representam" os trabalhadores de restaurantes "fast food" em São Paulo, Goiás, Distrito Federal e Santa Catarina. É o primeiro processo aberto pelos ministros do tribunal desde a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, de liberar as centrais sindicais da prestação de contas sobre o uso do imposto, que movimenta R$ 2 bilhões por ano.

Incompatibilidade

No acórdão que trata da abertura da investigação, os ministros afirmam que objetivo é "averiguar os indícios de incompatibilidade entre o patrimônio e a renda" dos sindicalistas.

Além disso, os ministros querem avaliar "se a evolução patrimonial tem origem em malversação dos recursos públicos compulsórios decorrentes da contribuição sindical".

O presidente do sindicato sob suspeita em São Paulo é Ataíde Francisco de Morais, que aparece também na relação de integrantes da direção nacional da Força Sindical, cujo presidente é o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP).

Um irmão de Ataíde preside o mesmo sindicato em Goiás e no Distrito Federal, e outro parente dirige a entidade em Santa Catarina. Eles ainda controlam a federação nacional dos funcionários de empresas de "fast food", também incluída no processo aberto pelo TCU.

Ataíde Morais é suspeito de acumular um patrimônio incompatível com seu rendimento. Ele teria chácaras, casas de luxo e até uma pousada em Fortaleza (CE), avaliada em R$ 1,5 milhão, segundo reportagem publicada pela revista Época no mês de abril de 2008.

O Ministério Público no TCU cruzou informações financeiras sigilosas de Ataíde e das pessoas que comandam os sindicatos e verificou, por exemplo, que uma das secretárias tinha um salário maior que os dos próprios dirigentes.

"Se verifica, claramente, que as pessoas relacionadas na representação, todas dirigentes de sindicatos e parentes entre si, não reuniam recursos suficientes para adquirir, tampouco manter, o patrimônio que se tem notícia nos autos, ainda que somadas todas as fontes de renda", afirma o procurador Marinus Marsico em seu parecer.

Segundo o procurador, por exclusão, o imposto sindical aparece como grande possibilidade de fonte de renda para o patrimônio dos sindicalistas. Há, de acordo com Marsico, "indícios" suficientes para investigar o uso irregular dessa contribuição compulsória. Na avaliação dos membros do TCU, a abertura da investigação não fere o veto presidencial que liberou as centrais sindicais de prestar contas do imposto.

Para eles, as entidades não precisam tomar essa iniciativa, mas o tribunal pode abrir processo quando reunir indícios de irregularidades. O Estado procurou Ataíde Francisco de Morais para comentar o assunto, mas ele não foi encontrado até o fechamento desta edição.

24.5.10

Esperteza Atômica

Passada a marolinha diplomática do Brasil no Oriente Médio, ficou claro que o megalonanismo da diplomacia brasileira serviu mesmo para acobertar os objetivos bélicos dos iranianos

Duda Teixeira
Atta Kenare/AFP
RAPOSA ESPERTA E CANARINHO MEGALONANICO
À direita, Ahmadinejad canta vitória ao lado de Lula, em Teerã: o "acordo" não durou um dia

Nada do que aconteceu na última semana – nem o "acordo" celebrado com euforia por Brasil e Turquia em Teerã, nem a proposta americana de sanções ao regime dos aiatolás – alterou a seguinte realidade:
• O Irã continua tocando no mesmo ritmo seu projeto nuclear bélico, do qual faz parte também um veículo lançador de ogivas e para o qual até o primeiro alvo já foi escolhido e reiteradamente declarado – Israel, país que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, não perde a chance de dizer que precisa ser "varrido do mapa."
Os cientistas iranianos já transpuseram a fase mais difícil, que consiste em enriquecer o urânio a 3,5%. A partir desse ponto, a infraestrutura e o conhecimento necessários para produzir urânio a 90%, o combustível das armas nucleares, estão praticamente garantidos. Bastam algumas modificações, como instalar as centrífugas em cadeia. "O país já trilhou 80% do caminho para ter um arsenal nuclear", diz a física búlgara Ivanka Barzashka, da Federação de Cientistas Americanos, em Washington. O Irã tem 2.300 quilos de urânio, quantidade suficiente para produzir material para duas bombas atômicas. Em menos de um ano, o país conseguirá adaptar as instalações já existentes e enriquecer o urânio a 90%. O passo seguinte é colocar o material em uma ogiva e instalá-la na ponta de um míssil, com um detonador eficiente. Os engenheiros a serviço dos aiatolás estão projetando esses artefatos. Estima-se que essa fase demore entre três e cinco anos. Ou seja, no cenário mais pessimista, em 2013, antes que o Brasil consiga terminar de reformar os seus estádios para a Copa do Mundo, o Irã já terá a bomba atômica. Enquanto isso, a comunidade internacional assiste a tudo inerte.
Em relação ao "acordo", acertado depois de onze horas de negociação entre diplomatas brasileiros, turcos e iranianos em Teerã, este se desintegrou menos de 24 horas depois de ser assinado. A Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil foi divulgada na segunda-feira 17, com a presença do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, do presidente Lula e do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. O texto traz uma série de palavras que parecem tiradas de uma reunião de terapia de casais, como "processo prospectivo" e uma "atmosfera positiva, construtiva, não confrontacional", mas não fala em momento algum em suspender o enriquecimento de urânio pelo Irã. Isso prova que o "acordo" foi elaborado como uma peça de propaganda da liderança global almejada por Brasil e Turquia e como um instrumento para o Irã adiar as sanções que os Estados Unidos querem lhe impor. No mesmo dia em que Lula, Erdogan e Ahmadinejad se abraçaram e ergueram os dedos em V de vitória, o ministro de Relações Exteriores do Irã, Manouchehr Mottaki, disse que seu país não abdicará de enriquecer urânio a 20% – a meio caminho para a tecnologia da bomba.
O consolo é que o documento não possui nenhuma legitimidade. Lula viajou para Teerã sem representar ninguém, exceto o Brasil. Não falava em nome da ONU, do Conselho de Segurança (CS) ou de qualquer outro grupo de países capazes de desempenhar a tarefa mais difícil: policiar o cumprimento das promessas iranianas. Pelo "acordo", o Irã deve entregar 1 200 quilos de urânio levemente enriquecidos à Turquia. Em menos de um ano, o Grupo de Viena (Estados Unidos, Rússia, França e AIEA) devolveria 120 quilos de urânio a 20% para uso médico e pesquisas. Mas o Grupo de Viena não participou das conversas em Teerã nem de sua preparação. "É como se uma pessoa vendesse a alguém 1 tonelada de pão sem combinar antes com o padeiro", diz Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo. Em direito, quem faz isso é chamado de gestor de negócios alheios. "O resultado é que, para outros chefes de estado, Lula se tornou um interlocutor não confiável, que negocia sem procuração", diz Maristela. A diplomacia brasileira entrou nessa enrascada com o intuito de aumentar sua influência internacional, mas saiu com uma estatura política ainda menor.
O único vencedor foi o Irã, que espertamente ganhou um álibi para se fazer de vítima quando o CS votar as sanções propostas pelos Estados Unidos. O assessor especial de Lula, Marco Aurélio "top, top" Garcia, numa demonstração de que o seu negócio é mesmo defender os interesses iranianos e não a segurança mundial, rogou uma praga: "Se os Estados Unidos optarem pela sanção, vão se dar mal. Vão sofrer uma sanção moral e política". Em junho, o México substituirá o Líbano na presidência do CS e deve abrir caminho para a votação das sanções contra o Irã. Rússia e China, que relutavam em aprovar mais punições por ter negócios com os iranianos, consentiram depois de os americanos abrandarem as medidas do embargo. O objetivo principal ago-ra é sufocar a Guarda Revolucionária, criada após a revolução islâmica, em 1979, e que hoje domina boa parte da economia, incluindo a indústria nuclear. "Mais do que conter o programa militar iraniano, a esta altura já bastante adiantado, essas sanções servem como mensagem a outros países árabes que também poderiam desejar a bomba", diz o embaixador Rubens Barbosa. Se os Estados Unidos, sob o presidente Barack Obama, assumem com timidez o seu papel de superpotência e não conseguem barrar a ameaça atômica do Irã, ao menos pode-se esperar que o problema não se alastre.
Veja

Assim, vai acabar em CPI

O governo usa atraso nas obras da Copa para justificar
regras mais frouxas em licitações e despejar 5 bilhões
de reais em estatal que já promoveu desvios de meio bilhão


Gustavo Ribeiro
Fotos Wilson Pedrosa/AE e Adauto Cruz/CB/D.A Press
A URGÊNCIA E A PRUDÊNCIA
O ministro do Esporte, Orlando Silva (à esq.), comemora as regras mais frouxas, enquanto o procurador Marinus Marsico, do TCU, pede cautela: a pressa às vezes é companheira da corrupção

Em outubro de 2007, na Suíça, a Fifa anunciou que o Brasil sediaria a Copa do Mundo de 2014. Era notícia boa, mas previsível. Único candidato a hospedar um dos maiores espetáculos esportivos do planeta, já se sabia pelo menos seis meses antes que o país entraria para a reduzida galeria das cinco nações com o direito de receber pela segunda vez uma Copa. Passada a euforia, foram selecionadas as cidades-sede dos jogos, elaborados os projetos de modernização dos estádios, elencadas as obras de infraestrutura necessárias, mas quase nada se fez para resgatar tudo isso do universo das intenções. Com os prazos cada vez mais exíguos, a única alternativa para evitar o vexame de perder o direito de sediar o campeonato é acelerar o cronograma. Na semana passada, o governo anunciou a liberação de 5 bilhões de reais para realizar obras nos aeroportos. Calcula-se que mais de 500 000 turistas visitarão o país durante a Copa. Construir e ampliar os terminais hoje já saturados, portanto, é imperativo. Ciente de que está numa corrida contra o tempo, o governo também enviou ao Congresso uma lei que agiliza o processo licitatório. As medidas parecem positivas, mas têm cara, jeito e cheiro de problema.
Em tese, eliminar parte da burocracia, espécie de irmã siamesa da corrupção, e dar mais agilidade ao governo para executar as obras são decisões elogiáveis sob o ponto de vista administrativo. A dúvida começa a surgir quando se observam os personagens envolvidos no processo e as experiências recentes. A bolada liberada pelo governo vai ser gerida pela Infraero, a estatal que cuida dos aeroportos brasileiros. Em 2007, a CPI que investigou o setor aéreo descobriu desvios de 500 milhões de reais em contratos da estatal com empreiteiras - as mesmas, aliás, que vão participar desta nova etapa de obras. Ou seja, mesmo com todo o rigor das regras licitatórias em vigor, meio bilhão de reais desapareceu por meio de fraudes em licitações e superfaturamento de preços. Dos treze aeroportos brindados agora com 5 bilhões de reais, quatro ainda estão com as obras paralisadas em razão de irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Apenas na reforma do Aeroporto de Cumbica, justamente onde a situação é mais precária, foi identificado um superfaturamento de 254 milhões de reais - dinheiro que saiu do bolso dos contribuintes brasileiros e foi parar na conta bancária de larápios. Apesar disso, o governo pretende despejar ali mais 920 milhões de reais nos próximos anos.
Antonio Milena
VOO CEGO EM CUMBICA
O aeroporto, cujas obras foram paralisadas por desvios de 254 milhões, receberá mais 1 bilhão

"A simplificação do rito facilita o enfrentamento das dificuldades nos aeroportos", argumenta o ministro do Esporte, Orlando Silva. Se com regras rígidas o dinheiro sumiu sem que ninguém desse conta, parece previsível o que poderá ocorrer com normas mais flexíveis, ainda mais aplicadas a toque de caixa. Diz Cláudio Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil: "Sempre se usa o termo ‘flexibilização’ quando se deseja permitir mais liberdade de decisões. Essa liberdade torna o processo mais vulnerável a fraudes". Não se pode esquecer de outra agravante considerável. A flexibilização azeitada com 5 bilhões de reais de orçamento vai acontecer em um ano eleitoral. Parte dos recursos que saem dos cofres públicos para pagar obras superfaturadas alimenta campanhas de partidos e de políticos. É um ciclo vicioso que interessa a muita gente e, por isso mesmo, difícil de ser interrompido. Talvez por essa razão, as mudanças nem sequer tangenciam o festival de desvios promovidos pela Infraero em conluio com políticos e empreiteiras - esse sim talvez o mais escandaloso problema dos aeroportos brasileiros.
O uso da urgência como argumento para afrouxar o rigor de licitações também não é novo, mas é igualmente previsível. Com a mesma desculpa de falta de tempo, o país gastou 4 bilhões de reais em obras de infraestrutura para sediar os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, em 2007. É dez vezes a cifra prevista no orçamento inicial e doze vezes a média de gastos das quatro edições anteriores. Assim como se quer fazer com as obras da Copa, no Pan do Rio inúmeros contratos foram firmados sem licitação ou com regras frouxas. O resultado é que, até hoje, ainda há cerca de vinte contratos do Pan sob suspeita sendo investigados pelo TCU. Diz o procurador Marinus Marsico, que atua no tribunal: "Já se fez muita coisa com a desculpa da urgência. Mas às vezes se chega a esse ponto apenas para firmar contratos sem licitação ou com regras frouxas que facilitam a corrupção". Previsível. Veja

6.5.10

Lula elogia Tuma Jr., acusado de ligação com máfia chinesa


Após encontro com presidente, ministro da Justiça diz que tudo fica como está

Secretário de Justiça avisou o ministério da investigação em São Paulo; PF afirmou que a análise dos discos rígidos só acabou em abril



LulaMarques/Folha Imagem

Tuma Júnior, secretário nacional de Justiça, flagrado em conversa com acusado de contrabando

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., flagrado pela Polícia Federal em gravações telefônicas e troca de e-mails com Li Kwok Kwen, conhecido como Paulo Li, preso em 2009 sob acusação de contrabando.
No final do mês passado, Romeu Tuma Jr. assumiu o CNCP (Conselho Nacional de Combate à Pirataria), órgão central do governo de combate a produtos contrabandeados.
Reportagem publicada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo" considerou Li "chefe da máfia chinesa".
Nas gravações em poder da PF, o secretário pede celulares, trata da compra de videogame e até de regularização de chineses que viviam clandestinamente em São Paulo, tema tratado por seu departamento no Ministério da Justiça.
"Primeiro tem de esperar a investigação. Todo mundo sabe que o delegado Tuma é muito experimentado na polícia brasileira, na polícia de São Paulo. É um homem que tem uma folha de serviços prestada ao país", disse o presidente.
Apesar da defesa, Lula chamou o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, para uma conversa ontem à noite. Depois do encontro, o ministério informou que "tudo fica como está" em relação ao secretário.
As conversas de Tuma Jr. e Li fazem parte de uma investigação da PF sobre contrabando. O secretário, contudo, não foi investigado neste inquérito, relatado pela superintendência da PF de São Paulo em outubro.
A Folha apurou que a Polícia Federal deve abrir nova investigação sobre a participação do secretário nacional de Justiça no caso. As suspeitas sobre ele são de tráfico de influência no departamento de imigração e advocacia administrativa.
A PF afirmou, por meio da assessoria, que a análise de computadores apreendidos terminou só em abril, quase sete meses após a conclusão do inquérito. Com a análise do material em andamento, ainda não era possível determinar a abertura de nova investigação.

Depoimento
O próprio Tuma Jr. avisou o ministério sobre a investigação em São Paulo.
"Fui informado da investigação. Aconselhei que o secretário prestasse depoimento. E a PF está cumprindo seu dever, tratando igualmente todo cidadão. Aguardemos a conclusão dos trabalhos", disse Tarso Genro, que deixou o Ministério da Justiça em fevereiro.
Na reportagem do "Estado" foram transcritas conversas em que o secretário trata com o chinês sobre a compra de produtos ("Deixa eu te falar: lá na Vinte e... lá na Paulista vende aquele jogo Wii?")
Além disso, há conversas sobre processos relativo à naturalização de estrangeiros ("Ah, não sei. Era uma permanência. Já tá publicado já, tá?").
As investigações também flagraram Paulo Li pedindo ao secretário para checar o processo sobre um chinês. "Deixa eu te falar: você tinha pedido um negócio pro Luciano de "Uang Hualin Chen Ian'", afirma Tuma Jr. na interceptação divulgada pelo jornal.
À noite, em um rápido pronunciamento dado à imprensa, o secretário disse que "não teve acesso e não conhece a investigação, por isso não iria falar sobre o caso". "Quando tiver mais detalhes, por dever moral, eu vou falar com vocês", disse.
Em São Paulo, o procurador da República responsável pela investigação, Marcos Gomes Corrêa, disse que Tuma Jr. não foi investigado no inquérito que tratou de formação de quadrilha e descaminho supostamente praticados pelo chinês.
O procurador afirmou que não denunciou Tuma Jr. em outubro, quando o inquérito foi concluído pela Polícia Federal, porque não foi constatado nenhum ato ilícito nas suas relações com Paulo Li.
"Não vislumbrei que [Tuma Jr.] tivesse qualquer participação nos descaminhos nem na quadrilha", afirmou o procurador, à Folha.
Indagado se Tuma Jr. é investigado em outro inquérito, Corrêa afirmou: "Não que eu tenha conhecimento, a menos que outro colega [procurador] tenha requisitado". Folha

4.5.10

"No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é", por Eduardo Viveiros de Castro!

Na Veja, em resposta à carta do antropólogo indignado com a reportagem "A farra da antropologia oportunista"
3 de maio de 2010

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro enviou a VEJA uma carta - divulgada amplamente na internet - sobre a reportagem "A farra antropológica oportunista", publicada nesta edição da revista. Na carta, Viveiros de Castro diz: "(1) nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma".

Sua primeira afirmação não condiz com a verdade. No início de março, VEJA fez contato com Viveiros de Castro por intermédio da assessoria de imprensa do Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde ele trabalha. Por meio da assessoria, Viveiros de Castro recomendou a leitura de um artigo seu intitulado "No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é", que expressaria sua opinião de forma sistematizada e autorizou VEJA a usar o texto na reportagem de uma maneira sintética.

Também não condiz com a verdade a afirmação feita por Viveiros de Castro no item (2) de sua carta. A frase publicada por VEJA espelha opinião escrita mais de uma vez em seu texto ("Não é qualquer um; e não basta achar ou dizer; só é índio, como eu disse, quem se garante" e "pode-se dizer que ser índio é como aquilo que Lacan dizia sobre ser louco: não o é quem quer. Nem quem simplesmente o diz. Pois só é índio quem se garante").

O antropólogo Viveiros de Castro pode não corroborar integralmente o conteúdo da reportagem, mas concorda, sim, como está demonstrada em sua produção intelectual, que a autodeclaração não é critério suficiente para que uma pessoa seja considerada indígena. Abaixo, a íntegra do texto que ele autorizou que VEJA usasse da forma que bem entendesse:

No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é

Eduardo Viveiros de Castro, pesquisador e professor de antropologia do Museu Nacional (UFRJ) e sóciofundador do ISA

Começo por dizer que suspeito que nossa entrevista vai ter de abundar em aspas; não apenas ou principalmente aspas de citação, mas sobretudo aspas de distanciamento. Isso porque essa discussão – quem é índio?, o que define o pertencimento? etc. – possui uma dimensão meio delirante ou alucinatória, como de resto toda discussão onde o ontológico e o jurídico entram em processo público de acasalamento. Costumam nascer monstros desse processo. Eles são pitorescos e relativamente inofensivos, desde que a gente não acredite demais neles. Em caso contrário, eles nos devoram. Donde as aspas agnósticas.

A questão que me foi colocada não pára de reaparecer desde que comecei a estudar antropologia, já logo vão 30 anos. Naquela distante época, estávamos sendo acuados pela geopolítica modernizadora da ditadura – era o final dos anos de 1970 –, que nos queria enfiar goela abaixo o seu famoso projeto de emancipação. Esse projeto, associado como estava ao processo de ocupação induzida (invasão definitiva seria talvez uma expressão mais correta) da Amazônia, consistia na criação de um instrumento jurídico para discriminar quem era índio de quem não era índio. O propósito era emancipar, isto é, retirar da responsabilidade tutelar do Estado os índios que se teriam tornado não-índios, os índios que não eram mais índios, isto é, aqueles indivíduos indígenas que “já” não apresentassem “mais” os estigmas de indianidade estimados necessários para o reconhecimento de seu regime especial de cidadania (o respeito a esse regime, bem entendido, era e é outra coisa).

Foi em reação a esse projeto de desindianização jurídica que apareceram as Comissões Pró-Índio e as Anaís (Associação Nacional de Ação Indigenista); foi também nesse contexto que se formaram ou consolidaram organizações como o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e o PIB, o “Projeto Povos Indígenas no Brasil” do CEDI (o PIB, como todos sabem, está na origem do ISA). Tudo isso surgiu desse movimento, que se constituiu precisamente em torno da questão de quem é índio – não para responder a essa questão, mas para responder contra essa questão, pois ela não era uma questão, mas uma resposta, uma resposta que cabia “questionar”, ou seja, recusar, deslocar e subverter. “Quem vai responder a essa resposta?”, pergunta o personagem de um filme de Herzog. Justamente: como responder à resposta que o Estado tomava como inquestionável em sua questão, a saber: que “índio” era um atributo determinável por inspeção e mencionável por ostensão, uma substância dotada de propriedades características, algo que se podia dizer o que é, e quem preenche os requisitos de tal qüididade – como responder a essa resposta? Pois, a se crer nela, tratar-se-ia apenas de mandar chamar os peritos e pedir que eles indicassem quem era e quem não era índio. Mas os peritos se recusaram a responder a tal resposta. Pelo menos inicialmente.

Note-se que, naquela época, a questão de saber quem era índio não se cristalizava em torno daquilo que se veio a chamar etnias emergentes, fenômeno bastante posterior: foram tais novas etnicidades, ao contrário, que surgiram da questão, respondendo a ela com uma resposta deslocada, isto é, inesperada. O problema da época, muito ao contrário de qualquer “emergência”, era a submergência das etnias, era o problema das etnias submergentes, daqueles coletivos que estavam seguindo, por força das circunstâncias (isto é um eufemismo), uma trajetória histórica de afastamento de suas referências indígenas, e de quem, com esse pretexto, o governo queria se livrar: “Esse pessoal não é mais índio, nós lavamos as mãos. Não temos nada a ver com isso. Liberem-se as terras deles para o mercado; deixe-se eles negociarem sua força de trabalho no mercado”.

Nosso objetivo político e teórico, como antropólogos, era estabelecer definitivamente – não o conseguimos; mas acho que um dia vamos chegar lá – que índio não é uma questão de cocar de pena, urucum e arco e flecha, algo de aparente e evidente nesse sentido estereotipificante, mas sim uma questão de “estado de espírito”. Um modo de ser e não um modo de aparecer. Na verdade, algo mais (ou menos) que um modo de ser: a indianidade designava para nós um certo modo de devir, algo essencialmente invisível mas nem por isso menos eficaz: um movimento infinitesimal incessante de diferenciação, não um estado massivo de “diferença” anteriorizada e estabilizada, isto é, uma identidade. (Um dia seria bom os antropólogos pararem de chamar identidade de diferença e vice-versa.) A nossa luta, portanto, era conceitual: nosso problema era fazer com que o “ainda” do juízo de senso comum “esse pessoal ainda é índio” (ou “não é mais”) não significasse um estado transitório ou uma etapa a ser vencida. A idéia é a de que os índios “ainda” não tinham sido vencidos, nem jamais o seriam. Eles jamais acabar(i)am de ser índios, “ainda que”... Ou justamente porquê. Em suma, a idéia era que “índio” não podia ser visto como uma etapa na marcha ascensional até o invejável estado de “branco” ou “civilizado”.

Da emancipação à reindianização

Mas a filosofia da legislação brasileira era justamente essa: todos os índios “ainda” eram índios, no sentido de que um dia iriam, porque deviam, deixar de sê-lo. Mesmo os que estavam nus no mato, com seus proverbiais cocares de plumas, seus colares de contas, seus arcos, flechas, bordunas e zarabatanas, os índios com “contato intermitente” ou os “isolados” – mesmo esses ainda eram índios. Apenas ainda; ou seja, ainda, apenas, porque ainda não eram não-índios. O objetivo da política indigenista de Estado era gerenciar (e, por que não?, acelerar) um movimento visto como inexorável (e, por que não?, desejável): o célebre “processo histórico”, artigo de fé comum aos mais variados credos modernizadores, do positivismo ao marxismo. Tudo o que se “podia fazer” era garantir – isso para os mais bem-intencionados – que o “processo” não fosse demasiado brutal. Mas, de uma forma ou de outra, entendia-se que a almejada omelete nacional só poderia ser feita, bem, sabe-se como.

A luta contra o projeto de emancipação levou as pessoas que estavam do lado dos índios a se preocuparem com recenseamentos, levantamentos, com informação, com organização, comunicação e propaganda. Tratava-se, em suma, de tornar a questão visível. No fundo, não deixou de ser uma sorte os generais e coronéis da época terem tentado desindianizar uma porção de comunidades indígenas, pois isso, na verdade, terminou foi por reindianizá-las. A atabalhoada tentativa da ditadura de legiferar sobre a ontologia da indianidade “desinvisibilizou” os índios, que eram virtualmente inexistentes como atores políticos nas décadas de 1960 e 1970. Eles só apareciam, de vez em quando, em alguma reportagem colorida sobre o Xingu, geralmente como ilustração do admirável trabalho dos irmãos Villas Bôas (digo admirável sem nenhuma ironia; não deixava de ser bizarro, porém, o fato de que havia nessa época uma série de jornalistas especializados em embasbacar-se diante dos Villas Bôas e outros sertanistas). A grita suscitada com o projeto de emancipação resgatou a questão indígena do folclore de massa a que havia sido reduzida. Ela fez com que os próprios índios se dessem conta de que, se eles não tomassem cuidado, iam deixar de ser índios mesmo, e rapidinho. Graças a isso, então e enfim, os índios se tornaram muito mais visíveis como atores e agentes políticos no cenário nacional. Os primeiros líderes indígenas de expressão supralocal surgiram nesse contexto, como Mário Juruna e Aílton Krenak.

A questão de quem é ou não é índio reaparece agora, mas por outras razões. Algumas pessoas ligadas à questão indígena têm por vezes a impressão (ou pelo menos eu tenho a impressão de que elas têm a impressão) de que nós, índios e antropólogos, fomos um pouco vítimas de nosso próprio sucesso. Antigamente, muitos coletivos indígenas sentiam vergonha de sê-lo, e o governo tinha todo interesse em aproveitar essa vergonha inculcada sistemicamente, tirando as conseqüências jurídicopolíticas, digamos assim, do eclipsamento histórico da face indígena de várias comunidades “camponesas” do país. Agora, ao contrário, “todo mundo quer ser índio” – dizemos, entre intrigados e orgulhosos. Talvez mais intrigados que orgulhosos. Antigamente, os especialistas no “processo histórico” martelavam-nos os ouvidos com o dogma de que a “condição camponesa” (com opção de “proletarização”) era o devir histórico inexorável e portanto a verdade das sociedades indígenas, e que a descrição dessas sociedades como entidades socioculturais autônomas supunha um “modelo naturalizado” e “a-histórico”. Mas eis que, pouco a pouco, os índios começam a reivindicar e terminam por obter o reconhecimento constitucional de um estatuto diferenciado permanente dentro da chamada “comunhão nacional”; eis que eles implementam ambiciosos projetos de retradicionalização marcados por um autonomismo “culturalista” que, por instrumentalista e etnicizante, não é menos primordialista nem menos naturalizante; eis, por fim, que algumas comunidades rurais situadas nas áreas mais arquetipicamente “camponesas” do país reassumem sua condição indígena, em um processo de transfiguração étnica que é o exato inverso daquele anunciado, nos idos de 1970, por Darcy Ribeiro no célebre Os índios e a civilização, em profecia acreditada, com um retoque ou outro, pela maioria dos antropólogos.

Do índio à comunidade (1)

Com a constituição de 1988, o jogo terminou de virar completamente. De fato, houve uma inversão de 180 graus em relação ao projeto de emancipação. O propósito explícito desse projeto era emancipar indivíduos, mas seu verdadeiro objetivo, como se sabe, era o de “liberar” comunidades inteiras. Com a Constituição, consagrou-se o princípio de que as comunidades indígenas constituem-se em sujeitos coletivos de direitos coletivos. O “índio” deu lugar à “comunidade” (um dia vamos chegar ao “povo” – quem sabe), e assim o individual cedeu o passo ao relacional e ao transindividual, o que foi, desnecessário enfatizar, um passo gigantesco, mesmo que esse transindividual tenha precisado assumir a máscara do supra-individual para poder figurar na metafísica constitucional, a máscara da Comunidade como Super-Indivíduo. Mas de qualquer modo o individual não podia deixar de ceder ao relacional, uma vez que a referência indígena não é um atributo individual, mas um movimento coletivo, e que a “identidade indígena” não é “relacional” apenas “em contraste” com identidades não-indígenas, mas relacional (logo, não é uma “identidade”), antes de mais nada, porque constitui coletivos transindividuais intra-referenciados e intra-diferenciados. Há indivíduos indígenas porque eles são membros de comunidades indígenas, e não o inverso.

Pois bem. Foi a partir desse momento que se acelerou a “emergência” de comunidades indígenas que estavam submersas por várias razões: porque tinham sido ensinadas a não dizer mais que eram indígenas, ou ensinadas a dizer que não eram mais indígenas; porque tinham sido colocadas em um liquidificador político-religioso, um moedor cultural que misturara etnias, línguas, povos, regiões e religiões, para produzir uma massa homogênea capaz de servir de “população”, isto é, de sujeito (no sentido de súdito) do Estado. Como se sabe, as antigas missões que estão na origem de tantas cidades, vilas, vilarejos e arraiais do interior do Brasil foram os lugares privilegiados dessa fabricação do componente indígena do “povo brasileiro”, ao sintetizar os célebres índios genéricos, os índios de aldeamento, catecúmenos do sacramento estatal da transubstanciação étnica: a comunhão nacional... A Constituição de 1988 interrompeu juridicamente (ideologicamente) um projeto secular de desindianização, ao reconhecer que ele não se tinha completado. E foi assim que as comunidades em processo de distanciamento da referência indígena começaram a perceber que voltar a “ser” índio – isto é, voltar a virar índio, retomar o processo incessante de virar índio – podia ser interessante. Converter, reverter, perverter ou subverter o dispositivo de sujeição armado desde a Conquista de modo a torná-lo dispositivo de subjetivação; deixar de sofrer a própria indianidade e passar a gozá-la. Uma gigantesca ab-reação coletiva, para usarmos velhos termos psicanalíticos. Uma carnavalização étnica. O retorno do recalcado nacional.

A explosão da indianidade

A partir daquele momento – que é ainda o momento em que estamos vivendo – e daquilo que ganhou um ímpeto irresistível a partir dele, a saber, a re-etnização progressiva do povo brasileiro, a questão “quem é índio?” deixou de se colocar em vista do fim mais ou menos inconfessável que o Estado se colocava, o de violentar os direitos das comunidades e das pessoas indígenas. Ela passou a ser um problema daqueles que se pensam do (e que pensam ao) lado dos índios, bem como um problema dos “próprios” índios.

Qual o problema hoje? Isto é, como aparece o problema hoje? Ele aparece como sendo o de evitar a banalização da idéia e do rótulo de “índio”. A preocupação é clara e simples: bem, se “todo mundo” ou “qualquer um” (qualquer coletivo) começar a se chamar de índio, isso pode vir a prejudicar os “próprios” índios. A condição de indígena, condição jurídica e ideológica, pode vir a “perder o sentido”. Esse é um medo inteiramente legítimo. Não compartilho dele, mas o acho inteiramente legítimo, natural, compreensível, como acho legítimo, natural etc. o medo de assombração. Enfim... O raciocínio é: se, de repente, nós tivermos que “reconhecer como tal” toda comunidade que se reivindica como indígena perante os distribuidores autorizados de identidade (o Estado), aí quem vai acabar se dando mal são os Yanomami, os Tukano, os Xavante, todos os “índios de verdade”. Poderá haver uma desvalorização da noção de índio. Se, antes, ser índio custava caro (para evocar um artigo pioneiro de Roberto DaMatta: “Quanto custa ser índio no Brasil?”), e custava caro, é claro, para quem o era, hoje ser índio estaria ficando barato demais. Agora é fácil ser índio; basta dizer... E daí ninguém, principalmente o Estado, vai acabar comprando essa.

Não acredito nisso. Muito mal comparando – e digo mal porque a comparação arrisca reavivar velhos e grotescos estereótipos –, pode-se dizer que ser índio é como aquilo que Lacan dizia sobre o ser louco: não o é quem quer. Nem quem simplesmente o diz. Pois só é índio quem se garante.

Os antropólogos e a garantia da identidade

Pois é: os antropólogos querem, justamente, garantir essa identidade indígena. Só que não garantem; só o índio é quem se garante. O papel dos antropólogos nessa questão é um tantinho confuso. A comunidade antropológica, por via de suas ABAs (Associação Brasileira de Antropologia) e similares, desempenhou um papel fundamental na decisão de botar o pé na porta e impedir o projeto de emancipação, decisão tomada em conjunto com outros advogados da causa e, naturalmente, com os índios. Eu acho que esse momento, em 1978, foi um dos claros e raros momentos em que, de fato, os antropólogos fizeram uma diferença. Uma tremenda diferença. Não foi um antropólogo ou dois, como foi Darcy Ribeiro no tempo do Estatuto do Índio, ou os irmãos Villas-Boas – que por vezes foram chamados de antropólogos, durante a criação do Parque do Xingu –, mas os antropólogos “como um todo”, enquanto coletividade, que fizeram uma tremenda diferença nesse momento. O mesmo se diga da mobilização em torno da Constituinte de 1988. Depois, minha impressão é que a coisa mudou um pouco. “Os antropólogos” deixou de ser um plural coletivo, e passou a um plural distributivo: os antropólogos são aquelas pessoas que fazem laudo, os peritos. Peritos em identidade. Alheia. Bem, nem todos.

Em todo o processo de juridificação da questão “quem é índio?”, isto é, de decidir como e onde aplicar os artigos da Constituição de 1988, a antropologia conseguiu, a meu ver com toda a justiça, esse ganho político de se tornar um interlocutor legítimo do aparelho de Estado, parte necessária nos processos jurídicos de garantia e de oficialização das demarcações de terra, entre outras coisas. Mas com isso o antropólogo (releve-se-me o masculino) passou também a ter uma atribuição que, a meu ver, é complicada (releve-se-me o eufemismo). Ele passou a ter o poder de discriminar quem é índio e quem não é índio, ou antes, a prerrogativa de pronunciar-se com autoridade sobre a matéria, de modo a instruir a instância que tem realmente tal poder de discriminação, o Poder Judiciário. Ainda que o antropólogo diga sempre ou quase sempre que fulano é índio, que aqueles caboclos da Pedra Preta são, de fato, índios, pouco importa. O problema é que o antropólogo está “em posição de” dizer quem não é índio, dizer que alguém não é índio. E pode fazê-lo.
De qualquer maneira, o fato de se sentir autorizado a responder já situou, de saída, o antropólogo em algum lugar entre o juiz (afinal, o perito é aquele que diz sim ou não, que constata-atesta que alguém é ou não é alguma coisa) e o advogado de defesa (aquele que diz, mesmo que não acredite muito nisso: “é sim, é índio; meu cliente é índio e vou prová-lo”).

O antropólogo e o jurista

Tudo ótimo, normal e democrático. Mas a questão continua colocada nos termos de sempre: continua uma questão de se dizer quem é o quê. É sem dúvida difícil ignorar a questão, uma vez que o Estado e seu arcabouço jurídico-legal funcionam como moinhos produtores de substâncias, categorias, papéis, funções, sujeitos, titulares desse ou daquele direito etc. O que não é carimbado pelos oficiais competentes não existe – não existe porque foi produzido fora das normas e padrões – não recebe selo de qualidade. O que não está nos autos etc. Lei é lei etc. E afinal de contas, é preciso administrar a nação; é preciso gerir a população, e o território. Como se diz.

Mas há quem diga que o papel do antropólogo não é, nunca foi e jamais deveria ser o de dizer quem é índio e quem não é índio. Que isso é coisa de inspetor da alfândega, de fiscal da identidade alheia. Essa é uma posição pessoal minha (e como seria outra coisa, afinal?), conseqüência da dificuldade que sinto de enunciar juízos do tipo “esses caras são índios” ou “esses caras não são índios”. O problema, para mim, é a legitimidade da pergunta. Não aceito essa pergunta como sendo uma pergunta antropológica. Ela não é uma pergunta antropológica, é uma pergunta jurídica. Oh não, ela é uma pergunta essencialmente, fundamentalmente, visceralmente política, obtemperarão meus argutos colegas. Mas é claro que é uma pergunta política, replicarei. E minha resposta política a ela é dizer que ela não é uma questão antropológica, mas uma questão jurídica, e de que é aqui que se distingue o antropólogo do jurista: no tipo de pergunta que eles têm “o direito” de fazer e, portanto, de responder.

Naturalmente que o antropólogo também pode responder, ou ajudar a responder perguntas jurídicas, e que ele é por vezes compelido a se colocar imaginariamente (ou taticamente) na posição de Legislador, quando não na de Conselheiro do Príncipe. Ainda que... Bem, em algumas situações ele é obrigado mesmo a responder, por exemplo, quando as perguntas são feitas em relação ao povo junto a quem ele trabalha, às pessoas com as quais ele tem relações reais, os membros da comunidade ou comunidades das quais ele antropólogo é parte componente e interessada, mesmo que uma parte à parte. Mesmo que seja uma parte separada, que mora longe, ele é sempre parte da comunidade. Querendo ou não. Pode ser uma parte renegada, uma parte traidora, uma parte distante, uma parte longínqua, mas é parte. E enquanto tal, é claro que ele tem que responder às perguntas que o Estado lhe “propõe”, porque ele está lá para isso mesmo, para entrar na briga. Mas não devemos por isso imaginar que todas as questões com que o antropólogo se defronta sejam por isso questões antropológicas, questões que ele naturalmente pode e deve responder, e deve se responsabilizar por isso. Responsabilizar-se, isto é, responder pela resposta. Pois no fim das contas, acho que ninguém tem o direito de dizer quem é ou quem não é índio, se não se diz (porque é) índio ele próprio. E é justamente por isso que o antropólogo só pode responder, se lhe perguntam se o povo ou comunidade de que ele escolheu ser parte é, de fato, indígena, pela afirmativa. Essa resposta afirmativa não responde à pergunta que lhe foi feita. Obviamente.

Em suma, para o antropólogo, índio é como freguês – sempre tem razão. O antropólogo não está lá para arbitrar se as pessoas que lhe hospedam e cuja vida ele escarafuncha têm ou não razão no que dizem. Ele está lá para entender como é que aquilo que elas estão dizendo se conecta com outras coisas que elas também dizem ou disseram, e assim por diante. Ao antropólogo não somente não cabe decidir o que é uma comunidade indígena, que tipo de coletivo pode ser chamado de comunidade indígena, como cabe, muito ao contrário, mostrar que esse tipo de problema é indecidível.

Todo mundo é índio, exceto quem não é

Permitam-me incorrer em um exagero heurístico. Eu direi que no Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é. Acho que o problema é “provar” quem não é índio no Brasil. Resposta política à resposta (isto é, à pergunta) política que se oferece ao antropólogo.

Comecemos por algum começo. Entendo que a questão de quem é ou quem não é índio, de saída, não é uma questão de “cultura”, isto é, uma questão
respondível mediante a inspeção dos conteúdos culturais da vida de um coletivo. Não estou negando, obviamente, que haja um fundo cultural ameríndio muito vivo e muito real; um fundo, ou por outra, uma forma, uma estrutura ou conjunto de estruturas (para usarmos uma palavra fora de moda) conceituais que remontam à América pré-colombiana. O que eu estou dizendo é que a relação com esse fundo cultural não é uma relação necessária (embora possa ser suficiente – e olhe lá) para se definir o que é índio. Porque uma vez que se recusa a pergunta, o fundo cultural não pode mais servir para definir pertenças e inclusões em classes identitárias. Esse fundo cultural é um elemento da história do país, do continente, das três Américas. Os coletivos humanos contemporâneos espalhados por nosso continente se orientam de modos variados em relação a esse fundo; nenhum desses modos é redutível ao modo emanativo, pois um coletivo humano não é jamais a encarnação de uma cultura; não porque seja mais que isso, mas porque é outra coisa.

E assim eu inverto a questão. O problema é quem não é índio. (Essa afirmação se insere em uma teoria do minoritário que devo a outrem, e que não cabe expor aqui. Mas para bom entendedor, eis como posso afirmar que no Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é.) Darcy Ribeiro, aliás – não sei se ele diz exatamente isso, não sou bom leitor dele –, insistiu com eloqüência sobre o fato de que o “povo brasileiro” é muito mais indígena do que se suspeita ou supõe. (Não estou com isso, desnecessário dizer, minimizando o aporte óbvio e gigantesco das populações africanas trazidas à força para cá.) O homem livre da ordem escravocrata, para usar a linguagem da Maria Silvia Carvalho Franco, é um índio. O caipira é um índio, o caiçara é um índio, o caboclo é um índio, o camponês do interior do Nordeste é um índio. Índio em que sentido? Ele é um índio genético, para começar, apesar de isso não ter a menor importância.

O genético e o genérico

Os pesquisadores da UFMG que fizeram um levantamento do aporte genético ameríndio na população nacional descobriram que ele é muito maior do que se imaginava. Coisa de 33%, creio. Afinal de contas, então, o fluxo gênico ameríndio continua a correr solto. Interessante, mas isso não tem a menor importância, exceto pelo que pode ajudar a esclarecer sobre a história “do Brasil”. Digo que os coletivos caiçaras, caboclos, camponeses e índios são índios (e não 33% índios) no sentido de que são o produto de uma história, uma história que é a história de um trabalho sistemático de destruição cultural, de sujeição política, de “exclusão social” (ou pior, de “inclusão social”), trabalho esse que é propriamente interminável. Não é possível fazer todos os brasileiros deixarem de ser índios completamente. Por mais bem sucedido que tenha sido ou esteja sendo o processo de desindianização levado a cabo pela catequização, pela missionarização, pela modernização, pela cidadanização, não dá para zerar a história e suprimir toda a memória, porque os coletivos humanos existem crucial e eminentemente no momento de sua reprodução, na passagem intergeracional daquele modo relacional que “é” o coletivo, e a menos que essas comunidades sejam fisicamente exterminadas, expatriadas, deportadas, é muito difícil destruí-las totalmente. E ainda quando o foram, quando foram reduzidas a seus componentes individuais, extraídos das relações que os constituíam, como aconteceu com os escravos africanos, esses componentes reinventam uma cultura e um modo de vida – um mundo relacional que, por constrangido que tenha sido pelas condições adversas onde vicejou, jamais deixou de ser uma expressão da vida humana exatamente como qualquer outra. Não há culturas inautênticas, pois não há culturas autênticas. Não há, aliás, índios autênticos. Índios, brancos, afro-descendentes, ou quem quer que seja – pois autêntico não é uma coisa que os humanos sejam. Ou talvez seja uma coisa que só os brancos podem ser (pior para eles). A autenticidade é uma autêntica invenção da metafísica ocidental, ou mesmo mais que isso – ela é seu fundamento, entenda-se, é o conceito mesmo de fundamento, conceito arquimetafísico. Só o fundamento é completamente autêntico; só o autêntico pode ser completamente fundamento. Pois o Autêntico é o avatar do Ser, uma das máscaras utilizada pelo Ser no exercício de suas funções monárquicas dentro da onto-teo-antropologia dos brancos. Que diabo teriam os índios a ver com isso?

Tornar-se índio: um problema para o judiciário?

Mércio Gomes, ex-presidente da Funai (entre 2003 e 2007), falou como falavam (como eram feitos falar por seus chefes) os presidentes da Funai de ontem [referência à matéria publicada no Estadão de 13/01/06, na qual Mércio alegou que o Supremo Tribunal Federal terá de definir um “limite” para as reivindicações cada vez mais “excessivas” por novas Terras Indígenas; este comentário, como de se esperar, gerou indignação em muitos setores indigenistas]. Só que agora não é mais porque tem muito índio que “não é mais índio”, mas porque tem muito branco que “nunca foi índio” querendo “virar índio”. Quando seria melhor dizer: tem muito branco, que nunca foi muito branco porque já foi índio, querendo virar índio de novo.

Mas isso é sentido como um escândalo, no fundo; é o mundo de cabeça para baixo e de trás para frente. Pois é como não se pudesse – e pudesse no sentido lógico, não apenas no sentido moral – querer virar índio, só se pudesse querer deixar de sê-lo. É como se querer “virar índio” fosse uma contradição em termos; só se pode desvirar. De qualquer modo, já tem índio demais por aqui; e aliás, os índios têm terras demais. O Brasil ficaria melhor e maior com menos índios: só com os que existem hoje, por exemplo. Sejamos liberais: não é preciso matar ninguém; os índios que temos são bons; são mesmo necessários. Mas, sobretudo, eles são suficientes. Vamos fechar a porteira. Vamos fazer uma escala. Índio mesmo é só índio isolado; voltemos às famosas categorias, cuja intenção de marcar etapas temporais é evidente: isolado, contato intermitente, contato permanente e integrado. Onde vai passar o corte? Na cara de quem vai se fechar a porteira? Integrado já não é mais índio; fácil essa. E os de contato intermitente? Que freqüência de intermitência faz de um intermitente um integrado (como quem diz, de um usuário ocasional em um viciado)? Dezesseis horas por dia? Bem, o índio isolado ninguém tem coragem de dizer que não é mais índio, sobretudo porque ele nem é índio ainda. Ele não sabe que é índio; não foi contatado pela Funai ou coisa do gênero. Ou seja, primeiro se tem que virar índio para depois deixar de ser. Por que então não se pode querer virar de novo depois de deixar de ser? Ou quem sabe voltar a nunca ter sido, mas nem por isso insistindo menos em ser?

Fechando a lista

O Mércio disse a mesma coisa que os governos da ditadura. Em essência, ele disse que tem índio demais. Essa coisa de fechar a lista aconteceu nos Estados Unidos, por exemplo. Em um dado momento definiram arbitrariamente quem eram os índios. Só que lá, sendo aquele o país que é, os índios da lista vão ser índios para sempre. E não obstante, essa lista nunca fecha completamente. Não faz muito tempo que certas comunidades reivindicaram uma indianidade deixada de fora da lista, e outras continuam a fazê-lo... Tome-se o célebre caso dos Lumbee [povo que vive no estado de Carolina do Norte; reconhecidos apenas em 1956 como índios, ainda lutam para conquistar direitos e benefícios] ou o mais recente dos Mashpee. Coisa muito parecida com o que ocorre aqui.

Enfim, tenho a impressão de que é isso que o Mércio queria fazer. Uma lista, para poder dizer depois: a lista fechou. Note-se o arbitrário quase burlesco de uma lista como essa. Por que parar agora e não no mês que vem? Por que não parou antes? Naturalmente, isso vai provocar uma corrida – acelerar uma corrida que já está acontecendo – para se registrar como índio. O correto seria publicar um edital. Abrir concorrência pública. Marcar prazo. A declaração de Mércio Gomes – supondo-se que ele tenha dito o que se escreveu que ele disse; mas o povo inventa muito... – é completamente absurda. A Funai é (ou deveria ser) a representante, no sentido de defensora, das populações indígenas. Dali seria o último lugar de onde se poderia esperar ser emitido um juízo como esse. Como o então presidente do chamado órgão tutelar (nem sei se a Funai “ainda é” isso) pode dizer tal coisa?
Bem, estou apenas fingindo surpresa – infelizmente. A declaração do Mércio foi a de um estadista. Um pequeno estadista, naturalmente. Com efeito e a rigor, definir quem é ou não é índio não é um problema dos índios nem de suas comunidades. Ele é um problema posto e resolvido pelo Estado, instância que trata os coletivos sob sua tutela (no sentido lato, isto é, político) dessa forma: quem é o quê, quem não é o quê, é preciso favorecer isso, desencorajar aquilo; punir, premiar, induzir, reduzir, gerir, dispor. Nós antropólogos temos que nos posicionar frontalmente contra isso, recusando (“na medida do possível e dentro dos limites da lei”) essa questão como legítima.

Do índio à comunidade (2)

Bem, vamos falar então da experiência ficcional a que me dediquei, ao propor uma definição “jurídica” de “índio”. Tal definição, insisto, é um exercício escolar. Não se trata de um projeto de lei (imaginem), mas de uma tentativa despretensiosa de resposta a colegas que acham que a questão de saber quem e o que é índio pode ter uma resposta outra que aquela que é dada praticamente pelos índios, passados, presentes e futuros.

Antes de comentar a definição ficcional, quero resumir em algumas frases obscuras a “linha de raciocínio” que utilizei até aqui e que não vou utilizar daqui para frente, mas que me parece a única tecnicamente correta. Ela não deixa de estar contemplada, de certo meta-modo, na terceira dimensão da definição ficcional. Direi então que índio realmente não é isso que eu digo que é, nesse texto pseudo-legislativo que escrevi. E não é isso, porque os enunciados de indianidade são enunciados performativos e não enunciados constativos, dependendo portanto de condições de felicidade e não de condições de verdade (no sentido de correspondência com um estado de coisas). Mas, e este é o ponto, as condições antropológicas de felicidade de tal enunciado não são dadas por terceiros. Sobretudo, não são nem podem ser dadas pelo Estado, o Terceiro por excelência. A indianidade é tautegórica; ela cria sua própria referência. Índios são aqueles que “representam a si mesmos”, no sentido que Roy Wagner dá a esta expressão (cf. The invention of culture), sentido esse que não tem nada a ver com identidade; e nada a ver, tampouco, com representação, como está indicado na formulação deliberadamente paradoxal da expressão. “Representar a si mesmo” é aquilo que faz uma Singularidade, e o que uma Singularidade faz. Sigamos adiante.
O objeto da definição imaginária que estamos comentando é isso que chamei de “comunidade indígena”. A expressão foi escolhida por ser a mais vaga possível. Na verdade não gosto demais da palavra “comunidade”, canonizada pela teologia da libertação e aproveitada algo espertamente pelos governos pós-ditadura. Mas no contexto que me dei, ela se justifica por impedir palavras mais pontiagudas e cheias de arestas, como etnia, tribo, sociedade, nação. A palavra “coletivo” talvez fosse a mais adequada, mas ela é muito especializada, pertence ao universo de uma antropologia mais recente, e os problemas que ela pretende resolver são outros -- notadamente, como contornar-ignorar a oposição natureza/sociedade. Não é disso que se trata aqui. Então, mantenhamos comunidade.

Em seguida, cometo a húbris de escrever: “comunidade indígena é...”. Exercício totalmente parnasiano, repito. Pois eu, no fundo do meu coração, não estou nem aí para saber quem ou o quê é comunidade indígena, ou não é. Se, “enquanto antropólogo”, eu terminar por esbarrar em um lugar onde, por acaso, encontram-se índios – com o sentido que a palavra tem na linguagem comum, que é vago e concreto ao mesmo tempo –, isso não me obriga a, nem decorre de, nenhuma definição técnica. Quando eu fui estudar os Araweté eu pensava: “eu quero conhecer uns sujeitos que morem no mato e que usem arco e flecha”. Pois.
O ponto realmente fundamental na escolha da “comunidade” como sujeito da minha definição fictícia é que o adjetivo “índio” não designa um indivíduo, mas especifica um certo tipo de coletivo. Nesse sentido não existem índios, apenas comunidades, redes (d)e relações que se podem chamar indígenas. Não há como determinar quem “é índio” independentemente do trabalho de auto-determinação realizado pelas comunidades indígenas, isto é, aquelas que são o objeto do presente exercício definicional, ou melhor, meta-definicional. O objeto e o objetivo da antropologia, diga-se de passagem, é a elucidação das condições de autodeterminação ontológica do outro. E ponto.

Enfim, voltando ao texto: comunidade indígena é toda comunidade fundada em relações de parentesco ou vizinhança entre seus membros. O “ou” aqui é evidentemente inclusivo: “seja parentesco, seja vizinhança”. Esse é um ponto importante, porque ele impede uma definição genética ou genealógica de comunidade. A idéia de vizinhança serve para sublinhar que “comunidade” não é uma realidade genética; por outro lado, colocar “relações de parentesco” na definição permite que se contemplem possíveis dimensões translocais dessa “comunidade”. Em outras palavras, a comunidade que tenho em mente é ou pode ser uma realidade temporal tanto quanto espacial. Em suma, “parentesco” e “território”, para falarmos como Morgan, são tomados aqui como princípios alternativos ou simultâneos de constituição de uma comunidade. Convém sublinhar o caráter não-geométrico desse território: a inscrição espacial da comunidade não precisa ser, por exemplo, concentrada ou contínua, podendo ao contrário ser dispersa e descontínua. Então, (1) comunidade fundada em relações de parentesco ou vizinhança, e (2) que mantém laços históricos ou culturais com as organizações sociais indígenas pré-colombianas.

Introduzo a esta altura a primeira especificação:
1. As relações de parentesco ou vizinhança, constitutivas da comunidade, incluem relações de afinidade, de filiação adotiva, de parentesco ritual ou
religioso – quer dizer, compadrio – e, mais geralmente, se definem em termos das concepções dos vínculos interpessoais fundamentais próprios da comunidade em questão. Ou seja, em bom português, é parente quem os índios acham que é parente, e não quem o Instituto Oswaldo Cruz ou sei lá quem vai dizer que é a partir de um exame de sangue ou um teste de ADN. Parentesco inclui aqui a afinidade. Isso é básico, em primeiro lugar, porque as relações de afinidade são, em muitas culturas indígenas, transmissíveis inter-geracionalmente, exatamente como as relações de consangüinidade (falo dos sistemas de parentesco ditos “elementares”); em segundo lugar porque, de um modo geral, a etnologia vem mostrando que a afinidade é o arcabouço político e a linguagem ideológica dominante nas comunidades ameríndias. E por fim, porque há muitos casamentos interétnicos nos mundos indígenas de hoje. Como você cortaria uma família no meio quando o homem é branco e a mulher é índia, por exemplo? Se a comunidade acha que o marido é membro da comunidade, ele é índio, sem mais. No que me concerne, se o marido for um cidadão lituano, mas casou com a índia Potira, e os pais da índia Potira estão de acordo, esse lituano é índio. Assim, as relações de parentesco e de vizinhança incluem laços variados e, sobretudo, se definem em termos da atualização dos vínculos interpessoais fundamentais próprios da comunidade em questão. Pode não ser o sangue. Pode ser a comensalidade, a vizinhança; isso fica em aberto. Cada comunidade terá uma concepção específica do que são esses “vínculos interpessoais fundamentais”, e são essas concepções que devem ser “definitivas” das comunidades, não as nossas.

2. Os laços histórico-culturais com as organizações sociais pré-colombianas são evidentemente importantes, pois é bobagem imaginar que se pode definir “índio” na base do preguiçoso princípio sub-relativista segundo o qual “índio é qualquer um que achar que é”. Não é qualquer um; e não basta achar ou dizer; só é índio, como eu disse, quem se garante. (Por outro lado, são sim parentes dos índios aqueles que os índios acharem que são seus parentes e ponto final, pois só os índios podem garantir isso).

É necessário trazer para a definição, portanto, o reconhecimento explícito do fato de que existia um mundo social pré-colombiano, e de que há uma porção de gente no Brasil atual que está ligada a ele. O que quer dizer esse “ligada” é que é o problema, naturalmente. Os laços histórico-culturais com as organizações sociais pré-colombianas compreendem dimensões históricas, culturais e sociopolíticas. Não tem de haver uma coincidência dessas três dimensões. Eu diria que se uma delas está presente, está “resolvido” o “problema”. Essas condições dimensionais são condições suficientes, cada uma por si. E nenhuma delas é necessária. Quais são tais condições? Uma delas é a continuidade da implantação territorial da comunidade em relação à situação existente no período pré-colombiano. É a idéia do território tradicional, da Terra imemorial. É impossível não reconhecer a importância disso. Como eu disse, tal continuidade é suficiente, mas não é necessária.

Não menos suficiente, aliás, é a disposição em conceber a situação presente da comunidade a partir de determinações e de contingências impostas pelos poderes coloniais ou nacionais no passado, tais como migrações forçadas, descimentos, reduções, aldeamentos e demais medidas de assimilação, oclusão e repressão étnicas. Em suma, o índio aldeado, o índio que foi “misturado”, que os missionários e bandeirantes desceram, não pode ser culpado de ter perdido suas referências territoriais originais. Essas comunidades vão deixar de ser indígenas porque seus membros foram trazidos à força de regiões diferentes? “Bem... desculpem, mas os jesuítas misturaram vocês com índios de todos os lugares”. – “E daí (responde o índio), a culpa é minha? Eu vou ser punido por causa disso? Quero minha terra de volta.” – “Mas já tem muito branco, há muito tempo, nessa terra...” Mas então é preciso negociar. Pois a antiguidade da expropriação não a faz deixar de sê-lo. O único prazo de validade é a memória. E a memória tem os seus, como se diz, usos sociais.

Virando índio, virando branco

A outra coisa é a orientação positiva e ativa dos membros do grupo – este é o segundo “critério” – face a discursos e práticas comunitários derivados do fundo cultural ameríndio, e concebidos como patrimônio coletivo relevante. Se tomarmos o ponto pela outra ponta, isso quer dizer: ninguém é obrigado a ser índio. Os membros de uma comunidade podem decidir: “nós talvez sejamos índios, mas não queremos ser; de qualquer maneira, estamos virando brancos.” A noção de “virar branco”, como se sabe, está presente em vários mundos indígenas. Ela não quer dizer necessariamente o que nós achamos que quer dizer; ao contrário, o que ela quer dizer é justamente um dos problemas mais complexos com que se defrontam os antropólogos. Há todo um sistema de pressuposições recíprocas em jogo, com pelo menos quatro orientações típicas: virar branco, virar índio, pacificar o branco, pacificar o índio. Os brancos “pacificam” os índios, os “índios” pacificam os brancos, os índios dizem que estão “virando branco”, há “muitos brancos” querendo virar índio. Uma situação muito interessante. Os brancos lamentam que há vários brancos querendo virar índio e, ao mesmo tempo, que há vários índios querendo virar branco. Os Yanomami estão querendo virar branco, e os caboclos lá da Pedra Furada, no sertão do Cariri ou sei lá onde, estão querendo virar índio. O mundo está de cabeça para baixo. Os Yanomami deviam continuar a querer ser índios (alguém precisa continuar a querer ser; alguns índios são necessários), e os caboclos deveriam continuar a querer ser brancos, cada vez mais brancos – cidadania.

Na verdade essas duas coisas são muito mais complicadas do que se imagina. Os Yanomami querem virar branco, mas isso não é exatamente o que se imagina que seja, e os caboclos lá de não sei onde querem virar índio, mas também não é como se imagina que eles querem que seja. Cabe a nós, antropólogos, ver toda a complexidade que está por trás de assertivas tão banais como “nós estamos virando branco.” Esse é um discurso comum em muitas comunidades indígenas: “nós estamos virando branco”, “os índios estão acabando”. O que parece, entretanto, é que não se acaba nunca de virar branco; e que os índios não acabam de acabar; é preciso continuar a ser índio para poder se continuar a virar branco. E parece também que virar branco à moda dos índios não é exatamente a mesma coisa que virar índio à moda dos brancos. Até que se vire. Mas aí, como se sabe, aquilo que se virou vira outra coisa.

Enfim, retomando: “deve” haver uma orientação positiva e ativa do grupo em relação aos produtos característicos da vida comunitária. Rituais, mitos, configurações relacionais mais ou menos reificadas, a própria comunidade enquanto ponto de orientação, pólo de territorialização, e assim por diante. Em vista dos processos de esmigalhamento antropológico associados à situação evocada no item anterior (reduções, descimentos, escravização, catequização etc.), tais discursos e práticas não são aqueles específicos da “área cultural”, no sentido histórico-etnológico, onde hoje se acha a comunidade. Ou seja, certos índios podem ser índios, terem uma orientação positiva e ativa em relação ao fundo cultural ameríndio, mas um fundo cultural ameríndio que remete a uma outra região “original”, simplesmente por que a deles foi destroçada. Então, se os caboclos da Pedra Furada importam um xamã Wajãpi para ensinar toré, qual o problema? Os antigos romanos importavam professores de grego para ensinar filosofia grega para eles, e ninguém dizia com isso que os romanos estavam deixando de ser romanos. Ou dizia (alguns romanos de fato diziam), mas nem por isso eles deixaram de ser romanos. Ou deixaram. Os gregos, então, mais ainda. Mas, repito, nem por isso. Como dizia Saussure: “o francês não vem do latim. O francês é o latim, tal qual falado hoje em tal região da Europa.” Patrice Maniglier, autor de um admirável livro sobre Saussure (de onde tirei a frase anterior), acrescenta: “foi de tanto falar latim [à force de parler latin] que os galo-romanos começaram a falar francês”. E assim por diante.

Renascimento ou invenção?

Sahlins conta uma parábola em seu livrinho Esperando Foucault, que é mais ou menos assim: Há um lugar no planeta, no extremo ocidente, onde vive um povo muito interessante, e que há cerca de uns seiscentos anos atrás se achava inteiramente desprovido de cultura. Ele havia perdido toda a sua sabedoria ancestral ao cabo de inumeráveis invasões de bárbaros, de sucessivas catástrofes, pestes, secas, guerras, o diabo. A partir de certo momento, porém, esse povo começou a se reinventar, criando uma cultura artificial: começaram a imitar uma arquitetura de que só conheciam ruínas ou em velhos escritos, faziam traduções vernáculas de textos em línguas mortas a partir de traduções em outras línguas, tiravam conclusões delirantes, inventavam tradições esotéricas perdidas... Como se sabe, esse processo, que se passou na Europa ali mais ou menos entre os séculos XIV a XVI, ganhou o nome de Renascimento. O Ocidente moderno principia ali. O que é o Renascimento? Os europeus – mistura étnica confusa de germânicos e celtas, de itálicos e eslavos, que falam línguas híbridas, muitas vezes pouco mais que um latim mal falado (isto é, o latim tal qual falado em tal ou qual região da Europa, diria Saussure), crivado de barbarismos, praticando uma religião semita filtrada por um equipamento conceitual tardo-grego, e assim por diante – descobrem a literatura e a filosofia gregas via os árabes. Refiguram o mundo grego, que não era o mundo grego (ou greco-romano) histórico, mas uma Antiguidade clássica” feita – como sempre – de fantasias e projeções do presente. Erguem templos, casas, palácios imitativos, escrevem uma literatura que se refere privilegiadamente a esse mundo, uma poesia imitando a poesia grega, esculturas que imitam as esculturas gregas. Lêem Platão de modos inauditos, pouquíssimos gregos, imagina-se. Enfim: inventam, e assim se inventam. E Sahlins conclui: pois é, quando se trata dos europeus, chamamos esse processo de Renascimento. Quando se trata dos outros, chamamos de invenção da tradição. Alguns povos têm toda a sorte do mundo.

A terceira dimensão, enfim, é a sociopolítica – a primeira era histórica (continuidade), a segunda era cultural (orientação positiva em relação ao fundo cultural). Ela diz respeito à decisão, manifesta ou simplesmente presumida, da comunidade se constituir como corpo socialmente diferenciado dentro da comunhão nacional — para usarmos essa linguagem empolada e hipócrita. Constituir-se como entidade socialmente diferenciada significa dar-se autonomia para estatuir e deliberar sobre sua composição, isto é, os modos de recrutamento e critérios de exclusão da comunidade. Estamos falando de coisas como “governança” (perdoem a má palavra) comunitária, modalidades de ocupação do território, regimes de intercâmbio com a sociedade envolvente, dispositivos de reprodução material e simbólica... Os índios têm, como diz a lei, direito a seus usos costumes e tradições. Ter direito aos usos e costumes significa ter autonomia para se governar internamente “naquilo que não fira os princípios fundamentais” (como se não os feríssemos, por princípio) da constituição nacional.

Indian proud

Essas reflexões são uma tentativa de criar uma definição a mais larga possível, que reconheça que a resposta à questão de quem é índio cabe às comunidades que se sentem concernidas, implicadas por ela. Não cabe ao antropólogo definir quem é índio, cabe ao antropólogo criar condições teóricas e políticas para permitir que as comunidades interessadas articulem sua indianidade. Nós antropólogos não somos sequer tribunal de apelação. Um caso pitoresco que me contam, dos caboclos da Serra de Baturité que viraram índios por conta de uma ONG de um norueguês crivado de boas intenções e de um padre excessivamente zeloso do Cimi, é, no meu entender, um caso marginal, no sentido estatístico e no sentido conceitual. Pois e daí?, eu diria. O que isso prova? Se aquela comunidade, de fato, é uma invenção “do mal” (porque pode ser uma invenção “do bem”), então paciência, vamos ver o que nós fazemos com isso; vamos ver, sobretudo, se eles se garantem.

Nós antropólogos devíamos nos orgulhar do fato de que o Brasil de hoje está cheio de comunidades querendo ser indígenas. E devemos nos orgulhar, entre outras coisas, porque contribuímos para reavaliar, dar um outro valor, à noção de “índio”. Hoje a população urbana do país, que sempre teve vergonha da existência dos índios no Brasil, está em condições de começar a tratar com um pouco mais de respeito a si mesma, porque, como eu disse, aqui todo mundo é índio, exceto quem não é.

(Agosto de 2006)

3.5.10

Fraude na Petrobras provoca rombo de R$ 1,4 bi, afirma PF

Segundo polícia, construtoras fizeram acordos clandestinos para simular concorrência
Investigação mostra que empresas participaram da elaboração de editais para diminuir a concorrência e combinaram lance vencedor


LEONARDO SOUZA - DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
RENATA LO PRETE - EDITORA DO PAINEL

Ao menos cinco grandes obras da Petrobras licitadas no governo Lula foram alvo de acordos e manobras clandestinas de empreiteiras que resultaram num custo adicional de R$ 1,4 bilhão para a estatal.
O superfaturamento foi constatado por peritos da Polícia Federal a partir de documentos apreendidos em cinco operações desde 2008.
Técnicos da PF descobriram que construtoras participaram indiretamente da elaboração dos editais, de maneira a restringir a quantidade de concorrentes, e combinaram previamente o lance vencedor dos certames. Em um dos casos, o acerto incluiu também a divisão "por fora" da execução do projeto e do sobrepreço imposto à petrolífera.
Desde o início de março, a Folha publica uma série de reportagens a respeito de "consórcios paralelos" montados por empreiteiras em todo o país para repartir contratos públicos à margem do resultado das licitações. Em volume de recursos, os casos relacionados à Petrobras são, de longe, os maiores até agora identificados. Os valores contratados pela estatal somam R$ 5,88 bilhões.
Referem-se aos seguintes empreendimentos: Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba, Unidade de Coque da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), Refinaria do Nordeste, Refinaria do Vale do Paraíba (Revap) e Unidade Termelétrica de Cubatão.
Entre as empresas participantes do conluio, de acordo com os documentos da PF, estão a Camargo Corrêa e a GDK, protagonista de um escândalo envolvendo a Petrobras e o então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, em 2005.
Ele recebeu um carro Land Rover, avaliado em R$ 73,5 mil, do dono da GDK. O episódio foi investigado na ocasião pela CPI dos Correios, que considerou a doação "um caso exemplar de tráfico de influência".
A participação da construtora baiana GDK se deu na licitação da unidade de Caraguatatuba (SP). Em uma primeira disputa, realizada em 2006, a GDK havia apresentado a menor proposta, com valor de R$ 988 milhões. Mas ela não foi qualificada. Nenhuma empresa foi, levando a Petrobras a fazer nova concorrência no ano seguinte.
Da segunda vez, a GDK não participou. O consórcio vencedor, composto por Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e IESA, deu um lance de R$ 1,462 bilhão -R$ 474 milhões acima do oferecido pela GDK no ano anterior. Posteriormente, após negociação imposta pela Petrobras, o valor do contrato caiu para R$ 1,395 bilhão.
A empreiteira baiana, contudo, deixou a concorrência apenas oficialmente. Por fora, de acordo com a PF, a GDK levou 20% do empreendimento.
Os peritos da polícia encontraram também, na sede da Camargo, uma proposta individual da empreiteira para a mesma licitação, com valor de R$ 1,263 bilhão -R$ 200 milhões a menos do que o lance vencedor.
Ou seja, quando a GDK se retirou oficialmente, e a Camargo se associou às demais construtoras, a proposta vencedora aumentou consideravelmente. A PF acredita que o valor do lance tenha sido acertado antes da formação do consórcio.
Numa análise detalhada do contrato de Caraguatatuba, os peritos identificaram superfaturamento de R$ 351 milhões -33,65% a mais no valor total.
No projeto das unidades da Repar ocorreu algo semelhante. Um consórcio liderado pela Camargo Corrêa, do qual fez parte a Promon, venceu a concorrência com lance de R$ 2,488 bilhões.
Também nesse caso, a Polícia Federal encontrou uma proposta individual da Camargo, com valor de R$ 2,261 bilhões -mais uma vez, com a redução da competição, o lance vencedor aumentou. Além disso, a perícia constatou um superfaturamento na obra no valor de R$ 655 milhões.

Privilégio
Tanto nas unidades de Caraguatatuba quanto na Repar e em outras duas obras da Petrobras (Revap e UTE de Cubatão), os peritos constataram que a CNEC Engenharia, braço da Camargo Corrêa até janeiro deste ano, foi responsável pela elaboração dos projetos básicos dessas obras constantes dos editais das licitações.
Assim, de acordo com os técnicos da polícia, a Camargo Corrêa e seu grupo passaram a ter informações privilegiadas, prejudicando a competitividade dos certames. Na Revap, UTE de Cubatão e na Refinaria do Nordeste, o superfaturamento constatado pelos peritos somou R$ 405 milhões.
O esquema dos "consórcios paralelos" foi identificado pela PF, CGU e TCU em diversas obras importantes do país, como os metrôs de Rio, Brasília, Fortaleza, Salvador e Porto Alegre e a BR-101. As investigações, porém, estão suspensas por determinação do Superior Tribunal de Justiça. Folha

1.5.10

Patrocinado por estatais, 1º de Maio terá Lula e Dilma

Na Folha:

Empresas dão R$ 2 mi para comemorações; presidente vai pela 1ª vez desde que assumiu
Técnicos do TSE dizem que a participação do presidente e da pré-candidata pode ser questionada como uso da máquina em pré-campanha

Palco da festa de 1º de Maio da Força Sindical é enfeitado com logomarcas das estatais que são patrocinadoras do evento em SP

SILVIO NAVARRO
DO PAINEL

Cinco estatais do governo Lula (Petrobras, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e Eletrobras) desembolsaram R$ 2 milhões para bancar as festas do 1º de Maio, hoje em São Paulo, das principais centrais sindicais do país, a qual comparecerão o presidente e a pré-candidata, Dilma Rousseff (PT).
A título de patrocínio, as cinco autarquias do governo, do qual Dilma foi ministra até o final de março, destinaram verbas para os festejos de CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical e UGT (União Geral dos Trabalhadores), que farão um ato unificado com outras centrais menores.
A CUT, cujo evento receberá R$ 1 milhão, estampou em seu material de divulgação a logomarca do próprio governo federal: "Brasil, um país de todos".
A Força informou que também receberá R$ 1 milhão das mesmas autarquias, com exceção do BNDES, e que sua lista de patrocinadores inclui várias empresas de capital privado. O governo patrocina anualmente esses eventos, mas é a primeira vez, em oito anos de governo, que Lula comparecerá.
As duas centrais não quiseram detalhar quanto cada estatal se comprometeu a bancar. Procuradas, a Petrobras, a Caixa e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) divulgaram os valores (leia nesta pág.). A UGT captou R$ 100 mil da Petrobras.
Segundo técnicos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ouvidos pela Folha, a passagem de Lula e Dilma nos eventos poderá ser questionada na Justiça por uso da máquina pública em ato de pré-campanha.
Um dos argumentos que caracterizariam cunho eleitoral do evento da CUT, segundo os especialistas, é que foi anunciado o lançamento de um documento intitulado "Plataforma para as eleições de 2010".
O presidente já foi multado duas vezes, num total de R$ 15 mil, por campanha antecipada -só é permitida a partir de julho. Desde 10 de abril, quando discursou no ABC em ato de sindicatos, ele não aparece com Dilma. O PSDB entrou com representação no TSE contra esse evento. O relator é o ministro Henrique Neves, que ainda não se pronunciou.
Além de Lula e Dilma, integrarão a comitiva petista hoje os candidatos ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, e ao Senado, Marta Suplicy.
Historicamente ligada ao PT, a CUT afirma que gastou R$ 1 milhão com o Dia do Trabalho. Além das cinco estatais, disse ter recebido ajuda da Braskem, braço petroquímico da empreiteira Odebrecht. A central chegou a estampar no site do 1º de Maio a logomarca de mais uma estatal, a Infraero, responsável pela administração dos aeroportos do país. Questionada pela reportagem, a Infraero negou ter desembolsado verba para o evento. No mesmo dia, a CUT retirou o logotipo do site.
Vitaminada pelo PDT, sigla que integra o arco de alianças da chapa de Dilma, a Força disse que o custo de seu evento é de R$ 2,5 milhões. Além da ajuda do governo, captou a outra fatia dos recursos com Bradesco, Itaú , BMG, Bovespa, Casas Bahia, Brahma e Nestlé.

Festas
O evento da CUT será realizado no Memorial da América Latina (zona oeste) e reunirá representantes sindicais e políticos de esquerda de países vizinhos. A estimativa de público é de 35 mil pessoas. O da Força ocorrerá na praça Campo de Bagatelle (zona norte), com previsão de mobilizar 1,5 milhão de pessoas. Ambos serão gratuitos e vão ter shows populares. A Força sorteará prêmios como 19 carros e um apartamento.
Durante a semana, as duas centrais comemoraram nos sites a visita de Lula e Dilma. As duas centrais argumentaram ter convidado também o adversário tucano José Serra, que viajará hoje para um ato evangélico em Santa Catarina.