Antonio Rivero deixou Exército em reação à interferência de Havana em treinamento e planejamento das Forças Armadas venezuelanas
Em entrevista à Folha, militar demonstra insatisfação com caminhos adotados por Chávez, a quem apoiou desde golpe frustrado em 1992
Juan Karita/Associated Press |
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
O general de brigada venezuelano Antonio Rivero, 48, na reserva há apenas um mês -a seu pedido-, acusou ontem o governo Hugo Chávez de permitir a ingerência de Cuba nas Forças Armadas do país nas áreas de "treinamento, planejamento e inteligência". Afirmou que esse foi o principal motivo que o fez deixar a instituição onde estava havia 25 anos. Disse que assim como rejeitou, ao lado de Chávez em sua tentativa de golpe fracassado em 1992, a presença americana entre os militares, agora o faz com Havana. Em entrevista à Folha, Rivero afirmou que é possível dizer que o mal-estar que expressa não é uma opinião isolada. O general da reserva, que dirigiu por cinco anos o equivalente à Defesa Civil na Venezuela, não descarta tentar carreira política agora.
ANTONIO RIVERO - Minha exposição é particular, pessoal. Não estou autorizado a falar por outros oficiais da ativa. Porém, eu sou militar cuja patente é a de um general e uma avaliação minha pode se revestir, por questões de liderança, em uma avaliação como essa que você faz. Poderia haver, mas não seria ético falar por outros oficiais.
FOLHA - Qual é a participação cubana?
RIVERO - Eles têm presença ativa nas Forças Armadas, na tomada de decisões, participando do planejamento, no treinamento, como no caso dos francoatiradores, na inteligência. Há generais e militares de patentes médias cubanos.
FOLHA - O sr. disse que decisões cubanas se sobrepuseram a avaliações militares venezuelanas, como na questão da organização das forças...
RIVERO - A organização por regiões é totalmente alheia à nossa cultura militar. O estabelecimento da divisão por regiões, tal qual como é a cubana, desde 2007, está gerando uma situação bastante confusa com respeito às linhas de comando
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre a Milícia Nacional Bolivariana?
RIVERO - É um pessoal que não tem as condições militares avaliadas para poder levar uma vida militar ou uma situação de guerra. O treinamento se faz, mas de maneira muito ligeira, e desdiz da formação própria militar. Distrai um pessoal profissional em treinamentos muito, muito distantes do que deveria ser. Seja qual for a condição ou o espírito da guerra, [essas forças] não estariam preparadas. Sem falar de estarem se aproveitando da nobreza, do espírito de admiração, dos atrativos que participar das Forças Armadas podem ter para civis de qualquer idade.
FOLHA - Por que Chávez dá tanta ênfase às milícias?
RIVERO - Isso vem do ponto de vista cubano, onde tratam que a população inteira se converta em "povo em armas", de formar um contingente que possa ser acionado em um momento determinado, em que pode surgir alguma eventualidade para o projeto do presidente, não necessariamente uma suposta agressão externa.
FOLHA - No desfile de 19 de abril, os militares cantaram palavras de ordem socialista. Isso é um problema? Há espaço de discussão?
RIVERO - Venho rejeitando isso em nível interno, progressivamente. Até ser posto na reserva. A discussão passa pela exclusão imediata de qualquer oficial que se atreva a fazê-lo.
FOLHA - Teme ser preso?
RIVERO - Não temo. Mas a forma como o governo vem atuando em alguns casos me leva a pensar que posso sofrer algo, ser chamado traidor. Assumi todos os riscos e creio que era necessário para contrapor, frear essas ações do presidente que desvirtuam a condição própria das Forças Armadas. E, acima disso, a condição do país. Estou falando o que vi. Não revelei nenhum segredo militar que implique na segurança do Estado. Ao contrário, estou falando contra uma tentativa de afetar a segurança do Estado.
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