Do Estadão
Governo sondou Telefônica para comprar empresa de Nelson dos Santos, cujo controle havia sido adquirido por R$ 1
Governo sondou Telefônica para comprar empresa de Nelson dos Santos, cujo controle havia sido adquirido por R$ 1
Renato Cruz
O governo ofereceu a Eletronet para operadoras privadas, depois de o empresário Nelson dos Santos, que tem negócios com o ex-ministro José Dirceu, comprar o controle da companhia por R$ 1. Fernando Xavier Ferreira, que comandava o Grupo Telefônica no Brasil, teve um encontro em Brasília com Luiz Gushiken, então responsável pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da presidência da República.
Em seu blog, o ex-ministro José Dirceu confirmou na semana passada ter recebido R$ 620 mil pelo pagamento de uma consultoria à empresa Adne, do empresário Nelson dos Santos, entre março de 2007 e setembro de 2009. Ele argumentou que, quando Nelson dos Santos adquiriu 51% da Eletronet, em 2005, nem conhecia o empresário. Se Gushiken tivesse obtido sucesso em negociar a Eletronet com alguma empresa privada, acabaria beneficiando Nelson dos Santos.
Ferreira afirma que, na reunião com Gushiken, foi consultado se queria comprar a Eletronet. "Realmente, houve um momento em que foi colocada essa questão, do interesse nosso em avaliar a Eletronet, mas, na ocasião, comunicamos que não tínhamos interesse na avaliação", diz Ferreira.
Antes de comandar a NAE, Gushiken foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação. Ele admite ter conversado com empresas para saber se tinham interesse na Eletronet, incluindo a Telefônica. "Na época, fiz reunião com muita gente", afirma o ex-ministro, que deixou o cargo em 2006. "Mas nunca apresentei um modelo pronto e acabado. Cheguei a sondar muita gente, sobre como viam essa rede, e sondava com toda a cautela que merece uma coisa desse tipo. Eu articulei esse assunto por muito tempo. E não passou pelo José Dirceu como a imprensa vem falando."
Gushiken nega ter tido qualquer contato com Nelson dos Santos, sócio privado da Eletronet e cliente de José Dirceu. "Nem sei quem é", diz o ex-ministro, apesar de admitir que tinha informações sobre a mudança de controle na época em que procurava uma saída para a empresa. "Fiquei sabendo no meio do caminho desse pessoal que tinha comprado a Eletronet por R$ 1 da AES, mas ninguém tinha clareza de qual impacto legal poderia ter a medida que foi tomada por esse empresário."
No fim do ano passado, o governo retomou na Justiça do Rio a posse das fibras ópticas que não estão sendo usadas pela Eletronet, e pertencem às distribuidoras de energia. Para isso, teve de fazer um depósito judicial de R$ 270 milhões para garantir o ressarcimento dos credores, se o tribunal assim o decidir. A Eletronet está em processo de falência, e tem dívidas de cerca de R$ 800 milhões. Os maiores credores são as fabricantes Furukawa e Alcatel Lucent, que forneceram os equipamentos e os cabos para a Eletronet. A Eletrobrás tem 49% da Eletronet.
BANDA LARGA
A Eletronet controla uma rede de 16 mil quilômetros de fibras ópticas, presente em 18 Estados brasileiros. O governo planeja usá-la no Plano Nacional de Banda Larga que propõe, entre outras medidas, ressuscitar a Telebrás. A proposta seria usar a infraestrutura de fibras ópticas para oferecer internet rápida de baixo custo.
Segundo Gushiken, essa ideia começou quando ele ainda estava no governo. "A gente não tinha um formato jurídico adequado para isso, mas chegamos a pensar na Telebrás, chegamos a pensar no Serpro, e cheguei a pensar também numa estrutura em que tivesse o setor privado participando minoritariamente", diz o ex-ministro. "Não podíamos pensar numa rede puramente estatal, porque iria tirar um volume de recursos que estava no setor privado, o que poderia criar algum constrangimento."
Apesar de Gushiken falar em participação minoritária do setor privado, na reunião com o ex-presidente da Telefônica, a consulta foi sobre o interesse da empresa em comprar toda a Eletronet. Ferreira explica que o grupo espanhol já tinha avaliado a empresa quando foi chamado pelo governo. "O assunto Eletronet já havia sido trazido à Telefônica pelos próprios credores, interessados em achar uma solução para o problema deles", diz. "Já tínhamos feito uma análise e chegado à conclusão de que não se tratava de algo interessante para a Telefônica."
FALTA DE INTERESSE
O ex-presidente da Telefônica explica que havia vários motivos para não querer comprar a Eletronet, como a distância da rede da companhia dos centros onde estão os consumidores e o fato de a companhia ter somente o direito de uso das fibras, que continuavam de propriedade das empresas de energia. "Havia questões tecnológicas, mercadológicas e regulatórias que, para a Telefônica, não faziam com que ela fosse de maior interesse", diz Ferreira.
Na visão de Gushiken, o valor da rede da Eletronet era, e continua sendo, alto. "É uma coisa tão importante para o Brasil oferecer banda larga para o povo, usar uma rede em que o setor privado também vai ter participação, porque vai ter que dar a última milha (conexão que chega até o usuário)", diz o ex-ministro. "A utilização da infraestrutura instalada pode beneficiar milhões de pessoas, levando acesso para lugares como escolas e prefeituras."
Gushiken afirma que, pouco antes de deixar o governo, passou o assunto para Silas Rondeau, então ministro de Minas e Energia. "Depois que eu vi que as coisas tinham de caminhar junto às elétricas, achei melhor que o ministro da área tomasse a iniciativa", explica, ressaltando que, até então, o assunto estava sob sua responsabilidade. "Faço questão de dizer que o José Dirceu não tinha a mínima noção disso. Estão tentando vitimizar (sic) o José Dirceu numa coisa que não tem sentido."
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