26.4.10

Energia: Os erros do governo no leilão de Belo Monte

Como fazer...  ...E como não fazer

Equívocos do governo afastaram os maiores grupos privados
da construção de Belo Monte, no Rio Xingu. No Madeira tinha dado certo.
O que separou o sucesso do fracasso?


Com a colaboração de Júlia de Medeiros, André Vargas,
Larissa Tsuboi e Renata Betti
Claus Meyer/Tyba
NOVOS TEMPOS
Árvores alagadas pela Usina de Tucuruí, construída nos anos 70: acidente ambiental que não deverá se repetir com Belo Monte


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A imensidão da hidrografia brasileira tem sido descrita desde o descobrimento. Por volta de 1500, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón batizou o Rio Amazonas de Mar Doce. Não há no planeta mananciais semelhantes. É graças aos seus rios que o país abastece três quartos de seu consumo de eletricidade. Mas, ao contrário de países como a França, que já construiu todas as suas hidrelétricas, o Brasil utiliza, atualmente, apenas 28% da capacidade de gerar energia de seus rios. A região menos explorada é a Norte, devido aos custos de investir ali. Pois hoje são os rios da Amazônia os mais promissores para comportar grandes usinas e atender às necessidades energéticas futuras do país, utilizando uma fonte menos poluente e mais barata do que opções como termelétricas. Daí a importância de retirar do papel a Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, um projeto de mais de trinta anos. Deve ser saudada, portanto, a notícia de que o governo conseguiu fazer, na semana passada, o leilão que selecionou o consórcio que vai construir e administrar a usina, apesar da gritaria (em boa medida, sem nenhuma base) dos ambientalistas de ocasião. O destino da usina, no entanto, segue incerto. Equívocos do governo nas regras da disputa afastaram os principais grupos privados interessados no projeto. A equipe de Lula corre agora para encontrar uma saída que garanta a execução das obras, recorrendo a bilhões de reais em dinheiro público.
Não precisava ter sido assim. O governo poderia simplesmente ter se espelhado no sucesso de dois leilões recentes, das usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. Ambos os projetos, apesar de ter estatais como sócias, são liderados por empresas privadas. Ao contrário do modelo usado na construção de Itaipu e de outras grandes hidrelétricas estatais, as empreiteiras de Jirau e Santo Antônio assumirão os riscos e serão remuneradas pela venda de energia. Esse sistema inverte a lógica da ineficiência e do desperdício que imperava no passado. Para os investidores privados, quanto antes girarem as turbinas, mais cedo a usina fará dinheiro. Tanto é assim que Santo Antônio e Jirau deverão iniciar suas atividades em 2012, pelo menos um ano antes do prazo previsto. Mas Lula, que tanto se guia por metáforas futebolísticas, resolveu mexer em time que estava ganhando.
O primeiro equívoco foi ter fixado o teto do preço da energia num valor considerado baixo demais. O resultado foi que as duas construtoras mais capacitadas para executar o projeto, a Odebrecht e a Camargo Corrêa, nem chegaram a entrar na disputa. Ofereceram lances apenas dois consórcios. A surpresa maior veio quando saiu o resultado do leilão. O vencedor foi o grupo formado de última hora, liderado pela estatal Chesf, que reúne empresas com poucas credenciais para um projeto de tamanha magnitude. O principal investidor privado é o grupo Bertin, experiente como frigorífico mas neófito no setor de energia. Saiu derrotado o consórcio mais sólido, no qual estavam companhias do porte da Vale, da Votorantim e da Andrade Gutierrez. "Foi a vitória do consórcio estatal sobre o privado", resumiu a VEJA o diretor de uma grande construtora.
O consórcio Norte Energia ganhou a disputa ao oferecer 78 reais pelo megawatt-hora, um deságio de 6% em relação ao teto de 83 reais. Por esse valor, diz o próprio governo, o grupo vencedor obterá uma rentabilidade de 8% ao ano pelo capital investido. Para o setor público, pode parecer bom. Os investidores privados, no entanto, exigiam um retorno de ao menos 11%. Senão, argumentam, é melhor deixar o capital aplicado em títulos de renda fixa, sem correr os riscos intrínsecos a uma obra de proporções semelhantes às do Canal do Panamá, e em plena floresta. Segundo as empreiteiras derrotadas, com o preço oferecido pelo Norte Energia, a rentabilidade do negócio deverá ficar em torno de 5%. Isso porque o custo real da obra deverá ser da ordem de 30 bilhões de reais, bem acima dos 19 bilhões da estimativa oficial. Para Mario Veiga, presidente da PSR Consultoria, o resultado do leilão só pode ser justificado pelo que ele classificou de "taxa patriótica de retorno". Diz Veiga: "Belo Monte é uma ótima usina. Poderia ter sido construída pela iniciativa privada, de maneira rentável e sem tantos subsídios. Se o governo tivesse conduzido o leilão de maneira transparente, haveria competição entre os investidores e muito menos confusão".
De fato, houve confusão e subsídios de sobra. Para tornar a obra atraente e, ao mesmo tempo, fabricar uma tarifa final artificialmente barata, o governo abriu a mão. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai bancar até 80% da obra, com um financiamento de trinta anos de prazo e juros decrescentes. Para completar, o consórcio vencedor terá um abatimento de 75% do imposto de renda durante uma década. Todo esse esforço para chegar aos tais 78 reais por megawatt-hora, um valor inferior à realidade do mercado. Sem subsídios, o preço de energia das novas hidrelétricas varia entre 100 e 120 reais por megawatt-hora. Para os consumidores, soa como um ótimo negócio pagar 78 reais por algo que chega a valer até 120 reais. Mas isso não passa de um exercício de autoengano econômico. Afinal, os subsídios saem de impostos pagos pelo consumidor. De sua conta de luz, aliás, quase metade (46% do valor) diz respeito a tributos.
Nem mesmo todos os incentivos, no entanto, asseguram o futuro de Belo Monte. As construtoras que possuem credenciais para tocar a obra seguem irredutíveis. O governo diz que as queixas não passam de choro de derrotados, e o projeto sairá de qualquer jeito – e, ao que parece, a qualquer preço. "Nós, enquanto estado brasileiro, enquanto empresa pública, faremos sozinhos o que for necessário fazer", afirmou Lula na quinta-feira. O país precisa de 20 bilhões de reais ao ano para expandir a sua capacidade energética. Deixar esses investimentos nas mãos do governo, como sugere Lula, seria um retrocesso injustificável. Com regras claras e bons projetos, não faltarão investidores privados dispostos a assumir riscos. Foi assim com as usinas do Rio Madeira, exemplo aparentemente esquecido pelo governo.
Veja

23.4.10

General vê ingerência de Cuba na Venezuela


Antonio Rivero deixou Exército em reação à interferência de Havana em treinamento e planejamento das Forças Armadas venezuelanas

Em entrevista à Folha, militar demonstra insatisfação com caminhos adotados por Chávez, a quem apoiou desde golpe frustrado em 1992



Juan Karita/Associated Press

Na Bolívia, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, gesticula; general demitido de seu governo critica influencia cubana em Caracas

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

O general de brigada venezuelano Antonio Rivero, 48, na reserva há apenas um mês -a seu pedido-, acusou ontem o governo Hugo Chávez de permitir a ingerência de Cuba nas Forças Armadas do país nas áreas de "treinamento, planejamento e inteligência". Afirmou que esse foi o principal motivo que o fez deixar a instituição onde estava havia 25 anos. Disse que assim como rejeitou, ao lado de Chávez em sua tentativa de golpe fracassado em 1992, a presença americana entre os militares, agora o faz com Havana. Em entrevista à Folha, Rivero afirmou que é possível dizer que o mal-estar que expressa não é uma opinião isolada. O general da reserva, que dirigiu por cinco anos o equivalente à Defesa Civil na Venezuela, não descarta tentar carreira política agora.

 
FOLHA - Suas críticas à suposta ingerência cubana refletem o pensamento de um grupo nas Forças Armadas?
ANTONIO RIVERO
- Minha exposição é particular, pessoal. Não estou autorizado a falar por outros oficiais da ativa. Porém, eu sou militar cuja patente é a de um general e uma avaliação minha pode se revestir, por questões de liderança, em uma avaliação como essa que você faz. Poderia haver, mas não seria ético falar por outros oficiais.
FOLHA - Qual é a participação cubana?
RIVERO
- Eles têm presença ativa nas Forças Armadas, na tomada de decisões, participando do planejamento, no treinamento, como no caso dos francoatiradores, na inteligência. Há generais e militares de patentes médias cubanos.
FOLHA - O sr. disse que decisões cubanas se sobrepuseram a avaliações militares venezuelanas, como na questão da organização das forças...
RIVERO
- A organização por regiões é totalmente alheia à nossa cultura militar. O estabelecimento da divisão por regiões, tal qual como é a cubana, desde 2007, está gerando uma situação bastante confusa com respeito às linhas de comando
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre a Milícia Nacional Bolivariana?
RIVERO
- É um pessoal que não tem as condições militares avaliadas para poder levar uma vida militar ou uma situação de guerra. O treinamento se faz, mas de maneira muito ligeira, e desdiz da formação própria militar. Distrai um pessoal profissional em treinamentos muito, muito distantes do que deveria ser. Seja qual for a condição ou o espírito da guerra, [essas forças] não estariam preparadas. Sem falar de estarem se aproveitando da nobreza, do espírito de admiração, dos atrativos que participar das Forças Armadas podem ter para civis de qualquer idade.
FOLHA - Por que Chávez dá tanta ênfase às milícias?
RIVERO
- Isso vem do ponto de vista cubano, onde tratam que a população inteira se converta em "povo em armas", de formar um contingente que possa ser acionado em um momento determinado, em que pode surgir alguma eventualidade para o projeto do presidente, não necessariamente uma suposta agressão externa.
FOLHA - No desfile de 19 de abril, os militares cantaram palavras de ordem socialista. Isso é um problema? Há espaço de discussão?
RIVERO
- Venho rejeitando isso em nível interno, progressivamente. Até ser posto na reserva. A discussão passa pela exclusão imediata de qualquer oficial que se atreva a fazê-lo.
FOLHA - Teme ser preso?
RIVERO
- Não temo. Mas a forma como o governo vem atuando em alguns casos me leva a pensar que posso sofrer algo, ser chamado traidor. Assumi todos os riscos e creio que era necessário para contrapor, frear essas ações do presidente que desvirtuam a condição própria das Forças Armadas. E, acima disso, a condição do país. Estou falando o que vi. Não revelei nenhum segredo militar que implique na segurança do Estado. Ao contrário, estou falando contra uma tentativa de afetar a segurança do Estado.

5.4.10

Os crimes anunciados do MST

"Vamos romper cercas, ocupar propriedades e montar acampamentos na área rural, fazer caminhadas e ocupar prédios públicos na área urbana."
Foi esse o singelo anúncio que o líder do Movimento dos Sem-Terra (MST) nordestino, Jaime Amorim, fez do "Abril Vermelho", que pretende "radicalizado", e que os militantes pernambucanos estrearão dia 17.


A estranheza se deve apenas ao fato de o MST ter mudado sua política de "hibernação" eleitoral, ou seja, a contenção de suas atividades agressivas e criminosas no período eleitoral, para que estas não prejudiquem seus aliados e patrocinadores no Poder.

Essa contenção se deu em 2002 e em 2006 ? na eleição e na reeleição do presidente Lula, o governante que, indiscutivelmente, tem dado apoio decisivo à sobrevivência e desenvolvimento dessa organização ilegal que tem no esbulho possessório seu método de ação social principal.

Por que teria mudado a política do MST, a ponto de planejar ações e confrontos justamente no ano em que o presidente Lula faz o maior esforço para eleger como sua sucessora uma candidata, digamos, nada fácil?

Sabendo-se do notório repúdio que causam aos homens de bem do País as invasões, destruições de plantações, depredações de equipamentos, saques, matanças de animais, cárcere privado imposto a empregados de fazendas e outros atos de vandalismo praticados habitualmente por militantes do MST e assemelhados, não saberão estes de suas negativas repercussões eleitorais, especialmente para uma candidata que tem no currículo o registro de atos de violência, de motivação político-ideológica?

Apesar de ser um "dissidente" do MST, José Rainha Junior afirmou que os acampamentos dos sem-terra no Pontal do Paranapanema serão transformados em "comitês pró-Dilma". Quer dizer, não há mais qualquer disfarce no engajamento político emessetista ? o que, certamente, deve deixar arrepiados os marqueteiros da candidata presidencial petista.

A única explicação que se pode dar para essa mudança de tática eleitoralmente contraproducente ? da hibernação para o retorno à agressão ? será uma tentativa de reversão do esvaziamento do movimento, provocado, de um lado, pela debandada de militantes e, de outro, pela ação repressiva e punitiva dos Poderes Públicos, a que os sem-terra não estavam acostumados.

Para muitos, as lideranças do MST passaram a ter dificuldades em arregimentar militantes entre a população de baixa renda em razão do sucesso do Bolsa-Família. Seja como for, qualquer melhoria no padrão de renda da população ? e ela houve ? seria um desestímulo à participação nas invasões de propriedades rurais, especialmente para pessoas das periferias das cidades que jamais tiveram experiência de trabalho no campo.

Quanto à cobrança dos Poderes Públicos, é o principal dirigente do MST, João Pedro Stédile, que se propõe a uma ampla mobilização contra o que chama de "criminalização" dos movimentos sociais. Aí ele inclui as denúncias do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre irregularidades no repasse de verbas públicas para entidades ligadas aos sem-terra (no caso, suas cooperativas laranjas), a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST no Congresso, os pronunciamentos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, contra as invasões de terras, as liminares de reintegração de posse concedidas pela Justiça nos Estados, seu cumprimento por parte das polícias militares estaduais e, como não poderia deixar de ser, a atuação da mídia (que, surpreendentemente, tem cobrado o respeito à lei).

Vê-se, pois, que os sem-terra têm razões que a razão eleitoral não entende. Se a ação principal do Movimento dos Sem-Terra, seus dissidentes e assemelhados é o esbulho, a invasão da propriedade, privada ou pública, têm eles motivos reais de preocupação, ao verificar que as 103 invasões que praticaram em 2004 minguaram para 74 em 2007 e para apenas 29 em 2009.

Se a situação é essa, é bem provável que os líderes do MST ouçam de seus travesseiros a sussurrada frase: "Danem-se as eleições." Estadão