28.2.10

A face oculta da banda larga

Quem é Cezar Alvarez, homem de confiança de Lula que comanda o plano nacional de popularização da internet rápida, um projeto recheado de denúncias e de questões mal explicadas

Ralphe Manzoni Jr.

No nebuloso projeto de popularização da internet do governo, batizado de Plano Nacional de Banda Larga, já apareceram os mais variados tipos de personagens. O lobista? José Dirceu. O empresário favorecido? Nelson dos Santos, dono da Star Overseas Venture, que adquiriu uma empresa (a Eletronet) com 16 mil quilômetros de fibras óticas. O governo falastrão? Também apareceu, nas figuras do presidente Lula e do ministro das Comunicações, Hélio Costa. O governo omisso? Veio à tona no silêncio indesculpável e constrangedor da Comissão de Valores Mobiliários, que até agora nada fez para conter o festival de especulação com o papel da Telebrás - uma ação que subiu 35.000% desde o início do governo Lula, ao sabor dos boatos. Quem até agora não apareceu foi o responsável por tirar essa ideia do papel e levá-la para o mundo real. Pois a face oculta por trás desse projeto é o gaúcho Cezar Alvarez. Não pense, porém, que se trata de um técnico ou de um especialista em informática. Recheado de questões mal explicadas e polêmico em suas intenções, o projeto possui um forte componente político e, por isso, necessariamente deveria ser conduzido por um "bicho" político - e, assim, o nome de Alvarez faz todo o sentido. Gaúcho de Santana do Livramento, ex-líder estudantil e economista, Alvarez é homem de confiança de Lula. Não tem um posto fixo. É um dos integrantes de um time de assessores informais que todo presidente, governador ou prefeito possui. É chamado para missões específicas e cabeludas. Neste caso, o objetivo é claro. "O plano se estrutura em três pilares básicos: levar banda larga para onde nenhuma empresa quer ir, dar um empurrãozinho no mercado para que ele atenda as periferias dos grandes centros e partir, depois, para uma superbanda larga, com maior capacidade", disse ele à DINHEIRO.

QUEM CONHECE ALVAREZ (GOSTE OU NÃO DELE) O CONSIDERA UMA PESSOA COM GRANDE CAPACIDADE DE ARTICULAÇÃO E HABILIDADE PARA BUSCAR O CONSENSO

Alvarez trocou os pampas pelo planalto em 2002 para trabalhar diretamente com Lula. No começo, como assessor especial. Depois passou a cuidar de sua agenda e das iniciativas de inclusão digital. Essa proximidade e o poder que advém dela o tornaram um homem respeitado e temido. Quem conhece Alvarez (goste ou não dele) o considera uma pessoa com grande capacidade de articulação e habilidade para buscar o consenso - um traço de personalidade que começou a ser demonstrado na década de 70, quando comandou o Diretório Central dos Estudantes (DCE), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a mesma cursada pela ministra Dilma Rousseff, hoje pré-candidata do PT à Presidência. Na ocasião, Alvarez militava no grupo Perspectiva, o embrião do que viria a ser a Liberdade e Luta, ou Libelu, de orientação trotskista. Desde muito cedo, ele ficou conhecido pela sua capacidade de planejamento - e essa é outra característica fundamental para a implantação de uma rede em todo o território nacional. Em 1976, por exemplo, ele organizou a primeira manifestação de rua dos estudantes para protestar contra o regime militar. "Ele fez um mapa do local do protesto, com a previsão de onde deveriam vir os militares e com indicação de todos os pontos de fuga. Era demonstração de organização", conta o livro "Abaixo a Repressão", dos jornalistas Ivanir José Bortot e Rafael Guimarães.

Essa capacidade de organização não bastará para colocar o projeto de banda larga de pé. Será necessário também certo faro político. "Ele é indicado para os projetos que o presidente quer ver fora do papel", afirma Sérgio Amadeu, que trabalhou com Alvarez no governo federal. "Ele entra para resolver." E também para evitar que polêmicas prejudiquem o andamento do trabalho. Polêmica, aliás, não falta em torno deste projeto. A começar pelo discutível renascimento da Telebrás. A estatal pode ser ressuscitada para fazer a gestão de uma rede de fibras ópticas de mais de 30 mil quilômetros (16 mil quilômetros são da Eletronet). O argumento do governo para entrar nesse tipo de atividade tem sido utilizado até pelo próprio presidente Lula, em conversas reservadas com gente da área de telecomunicações. "Para o meio do mato, vocês não querem ir", disse ele para o principal executivo de uma grande operadora de telefonia, quando se encontraram em um evento no final do ano passado. No capítulo Telebrás, Alvarez diz que a decisão ainda não foi tomada. Mas pode ser apenas estratégia de bom negociador. Aliás, contrariar interesses e ainda assim agradar é uma de suas qualidades. Em 2005, Lula o designou para tocar o projeto Computador para Todos. Representantes do setor pediam desoneração fiscal e torciam o nariz para o uso de software livre, proposto pelo governo para baixar o custo dos equipamentos. Ele reduziu os impostos, como queria a indústria, mas bateu o pé ao criar uma linha de financiamento do BNDES para vender computadores com programas de código aberto. Foi nessa época que Alvarez deu uma demonstração de seu prestígio com Lula. Quinze minutos antes de anunciar o plano, o presidente o chamou em seu gabinete. Alvarez encontrou na sala o então ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e o presidente cheio de dúvidas sobre a viabilidade do projeto. "Alvarez teve de usar todo o seu poder de argumentação para convencer Lula de que estavam indo na direção correta", conta um antigo assessor de Lula. E conseguiu. Desde então, nunca se vendeu tanto computador no Brasil. O mercado de PCs saltou de 4 milhões de unidades em 2005 para 12 milhões no ano passado.

O programa Computador para Todos, no entanto, não teve o potencial de escândalo político do plano nacional de banda larga. As ações da Telebrás, uma empresa desativada, subiram fantásticos 35.000%. Pior: a CVM, xerife do mercado de capitais, manteve-se como mera espectadora diante dessa megaespeculação. Questionada pela DINHEIRO, respondeu com uma frase lacônica e protocolar, quase cínica: "A CVM acompanha e analisa a movimentação dos papéis da companhia e adota as medidas devidas quando necessário". Além do pouco caso da CVM, há a revelação de que o exministro José Dirceu assessorou a Star Overseas Venture. Com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, ela pertence ao empresário Nelson dos Santos, que comprou participação na massa falida da Eletronet por R$ 1. A oposição viu um conflito de interesses entre o público e o privado e partiu para cima. O DEM pede a abertura de uma CPI. O líder do partido, o deputado Paulo Bornhausen (SC), também quer que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, esclareça as operações envolvendo as ações da Telebrás. O desafio de Alvarez agora é muito maior. Não se trata apenas de adivinhar de onde surgirão os militares. Nos dois primeiros meses de 2010, fez reunião com representantes das entidades civis e da iniciativa privada para apresentar o plano. Dentro do próprio governo sofre com o fogo amigo do ministro Hélio Costa, que tem manifestado sua discordância com a reativação da Telebrás. Será que desta vez o homem forte de Lula conseguirá o consenso?

"A Telebrás reúne condições para a gestão"

Cezar Alvarez, que comanda os programas de inclusão digital do governo federal, falou com jornalistas após evento em Brasília, na semana passada:

Qual é a meta do plano nacional de banda larga?
O plano se estrutura em três pilares básicos: levar banda larga para onde ninguém quer ir, dar um empurrãozinho no mercado para que ele atenda às periferias dos grandes centros e partir, depois, para uma superbanda larga, com maior capacidade. Mas o projeto ainda está em construção. O governo não quer ser prestador no varejo, mas, considerando a importância do plano para o País, se o mercado não o fizer, nós dizemos que faremos.

O plano prevê participação de empresa pública, como o presidente Lula adiantou?
O presidente conhece o conjunto dos estudos que têm uma avaliação do conjunto das empresas e sabe que a Telebrás é aquela que reúne as melhores condições para exercer a função de gestão, mas a decisão só sai na reunião que teremos para concretizarmos o plano, até o início de abril. A Telebrás tem sido uma das empresas de maiores possibilidades e é considerada desde 2004, quando do projeto Computador para Todos.

Qual é o volume de recursos?
O pacote de expansão física das linhas de transmissão, incluindo a oferta do acesso final ao consumidor, tem uma projeção inicial de custo ao governo de R$ 15 bilhões. Seremos extremamente modestos, até porque a mesa de discussões está começando e não sabemos ainda como tudo vai ser.

IstoÉ Dinheiro



23.2.10

Dirceu recebe de empresa por trás da Telebrás

Petista foi contratado por ao menos R$ 620 mil por empresa beneficiada com reativação da estatal de telecomunicações
Empresa nas Ilhas Virgens Britânicas comprou por R$ 1 rede de fibras ópticas que será usada por Telebrás e pode ficar com R$ 200 mi

MARCIO AITH - JULIO WIZIACK - Folha

O ex-ministro José Dirceu recebeu pelo menos R$ 620 mil do principal grupo empresarial privado que será beneficiado caso a Telebrás seja reativada, como promete o governo.
O dinheiro foi pago entre 2007 e 2009 por Nelson dos Santos, dono da Star Overseas Ventures, companhia sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal no Caribe. Dirceu não quis comentar, e Santos declarou que o dinheiro pago não foi para "lobby".
Tanto a trajetória da Star Overseas quanto a decisão de Santos de contratar Dirceu, deputado cassado e réu no processo que investiga o mensalão, expõem a atuação de uma rede de interesses privados junto ao governo paralelamente ao discurso oficial do fortalecimento estatal do setor.

De sucata a ouro
Em 2005, a "offshore" de Santos comprou, por R$ 1, participação em uma empresa brasileira praticamente falida chamada Eletronet. Com a reativação da Telebrás, Santos poderá sair do negócio com cerca de R$ 200 milhões.
Constituída como estatal, no início da decada de 90, a Eletronet ganhou sócio privado em março de 1999, quando 51% de seu capital passou para a americana AES. Os 49% restantes ficaram nas mãos do governo. Em 2003, a Eletronet pediu autofalência porque seu modelo de negócio não resistiu à competição das teles privatizadas.
Resultado: o valor de seu principal ativo, uma rede de 16 mil quilômetros de cabos de fibra óptica interligando 18 Estados, não cobria as dívidas, estimadas em R$ 800 milhões.
Diante da falência, a AES vendeu sua participação para uma empresa canadense, a Contem Canada, que, por sua vez, revendeu metade desse ativo para Nelson dos Santos, da Star Overseas, transformando-o em sócio do Estado dentro da empresa falida.
A princípio, o negócio de Santos não fez sentido aos integrantes do setor. Afinal, ele pagou R$ 1 para supostamente assumir, ao lado do Estado, R$ 800 milhões em dívidas.
Em novembro de 2007, oito meses depois da contratação de Dirceu por Santos, o governo passou a fazer anúncios e a tomar decisões que transformaram a sucata falimentar da Eletronet em ouro. Isso porque, pelo plano do governo, a reativação da Telebrás deverá ser feita justamente por meio da estrutura de fibras ópticas da Eletronet.
Outro ponto que espanta os observadores desse processo é que o governo decidiu arcar sozinho, sem nenhuma contrapartida de Santos, com a caução judicial necessária para resgatar a rede de fibras ópticas, hoje em poder dos credores.
Até o momento, Santos entrou com R$ 1 na companhia e pretende sair dela com a parte boa, sem as dívidas. Advogados envolvidos nesse processo estimam que, com a recuperação da Telebrás, ele ganhe cerca de R$ 200 milhões.
Um sinal disso aparece no blog de José Dirceu: "Do ponto de vista econômico, faz sentido o governo defender a reincorporação, pela Eletrobrás, dos ativos da Eletronet, uma rede de 16 mil quilômetros de fibras ópticas, joint venture entre a norte-americana AES e a Lightpar, uma associação de empresas elétricas da Eletrobrás".
O ex-ministro não mencionou o nome de seu cliente nem sua ligação comercial com o caso. O primeiro post de Dirceu no blog se deu no mês de sua contratação por Santos, março de 2007. O texto mais recente do ex-ministro sobre o assunto saiu no jornal "Brasil Econômico", do qual é colunista, em 4 de fevereiro passado.
O presidente Lula manifestou-se publicamente sobre o caso em discurso no Rio de Janeiro, em julho de 2009: "Nós estamos brigando há cinco anos para tomar conta da Eletronet, que é uma empresa pública que foi privatizada, que faliu, e que estamos querendo pegar de volta", disse na ocasião.
Lula não mencionou que, para isso, terá de entrar em acordo com as sócias privadas da Eletronet, entre elas a Star Overseas, de Nelson dos Santos, que contratou os serviços de Dirceu.
Enquanto o governo não define de que forma a Eletronet será utilizada pela Telebrás, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) conduz uma investigação para apurar se investidores tiveram acesso a informações privilegiadas.
Como a Folha revelou, entre 31 de dezembro de 2002 e 8 de fevereiro de 2010, as ações da Telebrás foram as que mais subiram, 35.000%, contando juros e dividendos, segundo a consultoria Economática.

20.2.10

As Farc paraguaias

Reportagem da Veja

Um genérico dos terroristas colombianos mata, sequestra, assalta e tenta explodir prédios públicos no Paraguai. Três líderes do bando se escondem no Paraná e, para indignação do presidente Fernando Lugo, o Brasil lhes concede o status de refugiados
Igor Paulin, de Assunção
Fotos La Nacion/AFP
CRIME SEM CASTIGO

Anuncio Martí, Juan Arrom e Victor Colmán (em sentido horário, da esquerda para a direita). Ligados às Farc, eles fundaram o bando terrorista EPP, são acusados de sequestro no Paraguai e se esconderam no Brasil. O governo Fernando Lugo cobra a extradição deles

Ainda nos anos 70, o Paraguai se tornou um porto seguro para o narcotráfico e o contrabando de armas. Agora, o país é assolado também por uma filial das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A sucursal guarani se autointitula Exército do Povo Paraguaio (EPP) e, tal como sua matriz andina, recorre ao terrorismo para tentar implantar o comunismo. O EPP já instalou bombas em prédios públicos, atacou bancos, invadiu fazendas, assassinou policiais e civis. Sua principal atividade, no entanto, são os sequestros, que já lhe renderam 5 milhões de dólares em resgates. Quando são encurralados pelas autoridades, seus líderes fogem para a Argentina ou para o Brasil. A Argentina os devolve ao país de origem. Mas quem chega aqui consegue que o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) lhes dê a condição de refugiado, o que impede que sejam extraditados e processados em seu país natal. Foi isso que ocorreu com Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colmán. Desde 2004, o Paraguai tenta repatriá-los e julgá-los pelo sequestro de Maria Edith Debernardi, nora de um ex-ministro da Economia e mulher de um dos empresários mais ricos daquele país. Neste mês, a chancelaria paraguaia fez um novo apelo para a extradição dos acusados.

Em carta ao Itamaraty, o Paraguai relaciona 37 provas de que o trio é culpado pelo rapto e que comanda o EPP a partir do Paraná, onde está morando. Entre elas, estão 188 e-mails que detalham as relações das Farc com o EPP e a atuação da quadrilha paraguaia no Brasil. Essas mensagens foram encontradas no notebook do número 2 das Farc, Raúl Reyes, morto há dois anos pelo Exército colombiano. Uma delas revela como foi planejado o crime mais cruel do EPP: o sequestro e execução de Cecilia Cubas, filha do ex-presidente Raúl Cubas. Na correspondência, o "chanceler" das Farc, Rodrigo Granda, relata uma conversa com um dos líderes do EPP, a quem se refere como "Cuenta Chiste", apelido que pode ser traduzido por contador de piadas. "Eles têm inteligência, armas, carros, casas e o grupo que faria a operação. Querem sacar 5 milhões ‘de los verdes’ e têm capacidade para guardar o touro por seis meses", reporta Granda, antecipando o valor do resgate que o EPP pediria por Cecilia Cubas e o prazo em que ela poderia ser mantida em cativeiro. No mesmo e-mail, Granda diz que o EPP pede a assessoria de Hermes, um integrante das Farc cujo verdadeiro nome seria Orlay Palomino.
REFÚGIO CONTESTADO
Neste mês, o Ministério das Relações Exteriores paraguaio enviou uma carta ao Itamaraty exigindo a repatriação de Arrom, Martí e Colmán (acima). O trio comanda o terror no Paraguai a partir de suas bases no Paraná

Em outra mensagem, o representante das Farc no Brasil, o ex-padre Olivério Medina, informa a Reyes que se reuniu em Brasília com os três homens que estão hoje refugiados no Paraná e acertou a viagem do tal Hermes ao Paraguai. As investigações das polícias paraguaia e colombiana confirmam que o integrante das Farc participou do sequestro de Cecilia Cubas.
A correspondência de Medina para Reyes traz outra revelação surpreendente.

O EPP planejava abrir um negócio no Brasil e oferecia sociedade às Farc. "Eles se puseram a organizar uma empresa de importação e exportação (Brasil-Paraguai), inicialmente de têxteis, e, mais adiante, pretendem ampliá-la. Vão investir 30.000 dólares e querem que façamos companhia", escreve Medina a Reyes. Em uma carta posterior, Medina expõe o que seria o business plan da futura companhia, com previsão de faturamento de 50.000 dólares por mês e lucros de 20% sobre cada venda. As autoridades paraguaias não sabem se o EPP realmente se referia ao comércio de tecidos ou a uma atividade criminosa. Descobriu apenas que as Farc desistiram do negócio porque identificaram um racha entre os terroristas paraguaios radicados no Brasil e os que estão presos em seu país.

MUY AMIGOS
Acima, um cartão-postal de 1996 prova como são antigas as relações entre o EPP e as Farc. Ao lado, um e-mail revela a participação das Farc no sequestro e morte de Cecilia Cubas
Os documentos enviados pelo Paraguai mostram que, ao conceder o status de refugiados aos três paraguaios, o Conare ignorou provas contundentes da participação dos meliantes no sequestro de Maria Edith Debernardi. Um deles, Juan Arrom, repassou a um amigo 350 000 dólares obtidos com o pagamento do resgate. A polícia paraguaia confirmou que o dinheiro era o mesmo, porque as cédulas estavam marcadas. Outros 50 000 dólares marcados foram encontrados com Victor Colmán. Na casa de Anuncio Martí, a polícia achou manuais de sequestro. Maria Edith identificou Martí e Arrom como seus algozes. Os três alegam inocência e dizem que foram torturados para confessar o crime. Criado em 2002, o Partido Patria Libre, de extrema esquerda, que funciona como braço político do EPP, afirma que os três são vítimas de perseguição política. O presidente Fernando Lugo converteu a extradição do trio em uma das metas de seu governo. Em guerra com o EPP, a quem chama de Enemigo del Pueblo Paraguayo, ofereceu 100 000 dólares a quem der informações sobre o paradeiro exato dos três refugiados e de outros líderes da quadrilha terrorista. "Eles são criminosos comuns com discurso de esquerda. Nós também somos de esquerda, mas bandido é bandido", diz o ministro do Interior do Paraguai, Rafael Filizzola. Até agora, o governo brasileiro não deu sinais de entender isso, agindo da mesma forma que no caso do terrorista e assassino italiano Cesare Battisti.

As vítimas do EPP
O Exército do Povo Paraguaio (EPP) debutou no ramo dos sequestros no fim de 2001. Desde então, os bandidos já faturaram 5 milhões de dólares em resgates, de acordo com o Ministério Público do Paraguai

Maria Edith Debernardi
Casada com um dos homens mais ricos do Paraguai, Maria Edith foi a primeira refém dos terroristas, que cobraram 1 milhão de reais para libertá-la depois de 64 dias de cativeiro
Luis Lindstrom
Foi durante o seu sequestro, em julho de 2008, que o bando passou a se apresentar como EPP. Fazendeiro, Lindstrom, de 59 anos, permaneceu 44 dias como refém dos facínoras
Cecília Cubas
Em setembro de 2004, uma das filhas do ex-pre-sidente Raúl Cubas se tornou a primeira vítima fatal do EPP. A quadrilha cobrou 5 milhões de dólares para devolver Cecilia, de 31 anos. Não recebeu a quantia pedida e asfixiou-a
Fidel Zavala
Uma das maiores lideranças ruralistas no Paraguai, Zavala sofreu o sequestro mais longevo já realizado pelo EPP: 94 dias. O pecuarista, de 46 anos, só foi solto no início deste ano.

19.2.10

Lula silencia há 3 meses sobre mensalão

STF reenvia ao presidente 33 questões do Ministério Público sobre processo, que estão na Casa Civil desde novembro

Procuradoria quer saber se petista foi informado sobre repasses do PT a aliados; não há prazo para resposta, mas Lula tem de se manifestar


Há mais de três meses o STF (Supremo Tribunal Federal) aguarda respostas do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva a perguntas sobre o conhecimento dele dos fatos apontados na ação penal do mensalão e sua relação com os réus no processo. As questões foram elaboradas pelo Ministério Público Federal, que é o autor do processo em andamento no STF sobre a suposta compra de apoio de partidos e políticos pelo PT entre 2002 e 2005.
Lula, que não é um dos réus na ação penal, foi indicado como testemunha de defesa por dois dos acusados no processo, os ex-deputados federais Roberto Jefferson e José Janene. Suas respostas serão o primeiro depoimento formal do presidente sobre o caso.
Em novembro de 2009, Lula negou a existência do mensalão. "Foi uma tentativa de golpe no governo. Foi a maior armação já feita contra o governo", disse, em entrevista ao programa "É Notícia", da Rede TV!
Ante a demora de Lula em responder ao questionamento da Procuradoria-Geral da República, o ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do processo, reenviou as questões ao presidente no último dia 5.
Se não apresentar seu testemunho por escrito, Lula pode responder pelo crime de desobediência à ordem legal, segundo a assessoria do ministro.
A petição da Procuradoria-Geral da República com as questões sobre o mensalão foi recebida pela Casa Civil em 12 de novembro do ano passado.
A legislação não estabelece um prazo para envio das repostas, mas a demora não pode ser excessiva a ponto de atrapalhar o andamento do processo, segundo a assessoria de Barbosa.
No ofício endereçado a Lula, o Judiciário do DF, que faz a intermediação entre o STF e a Presidência, solicitou que o depoimento dele fosse enviado, "se possível", até 30 de novembro do ano passado, mas o prazo sugerido não foi atendido.
O questionário enviado ao presidente, a cuja íntegra a Folha teve acesso, possui 33 tópicos, alguns deles com várias questões sobre um mesmo fato.
Em um dos tópicos mais incisivos, o Ministério Público Federal perguntou quando Lula "teve conhecimento do repasse de recursos pelo PT para partidos político da base aliada do governo federal".
No documento, a Procuradoria indagou também se, antes da surgimento do escândalo do mensalão na imprensa, Lula conversou sobre o assunto com os petistas José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, João Paulo Cunha e Sílvio Pereira, que exerciam cargos de direção no governo ou no partido quando o escândalo veio a público.
A Procuradoria também questionou se Lula conhece pessoalmente o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, o suposto operador do mensalão, e se Valério já foi recebido pelo presidente na residência oficial da Granja do Torto. O Ministério Público chega a perguntar, no caso de uma resposta afirmativa sobre o contato entre os dois: "Marcos Valério foi apresentado como profissional de qual área?"
O presidente é indagado sobre repasses do PT ao PL na campanha de 2002, que teriam sido negociadas com o deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), e sobre débitos com o publicitário Duda Mendonça -ambos são réus na ação do mensalão. A Procuradoria questiona se Delúbio Soares já "agendou ou intermediou reuniões de empresas" com Lula.
A assessoria da AGU (Advocacia-Geral da União) informou que o órgão recebeu na última sexta-feira ofício do STF com as questões do Ministério Público Federal, e as enviou à Presidência ontem.

Folha

12.2.10

O inchaço da máquina estatal federal!

60 servidores novos por dia
Esse é o ritmo de contratação de funcionários federais dos três poderes nos sete anos de governo Lula, período em que o gasto com a folha subiu 54%

Giuliano Guandalini

Quando assumiu o governo, em 2003, Lula herdou um quadro que totalizava 884 000 servidores federais. Agora, o total na ativa dos três poderes – Executivo, tanto civis como militares, Judiciário e Legislativo – já passa de 1 milhão. Em sete anos, o efetivo foi inchado em 153 000 pessoas, gente suficiente para lotar dois Maracanãs, no atual limite de capacidade do estádio carioca. Desde a redemocratização, não houve governante que contratasse pessoal nesse ritmo. Ocorreu um avanço de 17%, num período em que a população do país cresceu 12%. Reverteram-se, assim, os esforços, ainda que tíbios, de governos anteriores para tornar a máquina pública mais enxuta. Ao mesmo tempo em que acelerou as contratações, a equipe de Lula concedeu reajustes acima da inflação. Essa política, cujo intuito ideológico expresso foi fortalecer o estado, resultou na elevação de 54% nas despesas totais com a folha do funcionalismo – um aumento que supera, em termos relativos, qualquer indicador econômico acumulado no período.

Sustentar 1 milhão de funcionários federais custa aos brasileiros que pagam impostos 100 bilhões de reais por ano. São 100 000 reais por ano para cada servidor, o que resulta em um salário mensal médio de 8 300 reais – valor superior ao pago a funcionários de qualquer setor produtivo privado. Segundo números do economista Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas, os servidores federais recebem hoje, em média, o dobro do que ganham trabalhadores em funções semelhantes no setor privado. A generosidade do governo como patrão reflete, de um lado, o poder de barganha que as burocracias estatais ganharam no governo Lula – majoritariamente apoiado por elas. Reflete também a capacidade de Brasília se comportar como uma ilha da fantasia cujo único contato com o país real se dá pela ganância na arrecadação dos impostos. Os brasileiros trabalham cinco meses por ano apenas para pagar os impostos que sustentam os habitantes da Brasilha da Fantasia. Lembrados na hora de pagar tributos, esquecidos no momento em que se decide como gastá-los e enganados nas eleições, os brasileiros são reféns da imensa burocracia estatal que sustentam.

A ninguém de bom senso ocorre a ideia de que um país moderno, com invejáveis avanços recentes no campo da racionalidade econômica e da mobilidade social, possa prescindir de um serviço público encorpado e bem remunerado. Como observa a Carta ao Leitor desta edição, insustentável é o fato de a burocracia estatal aumentar e enriquecer mais rapidamente do que o país de pagadores de impostos que lhe dá sustentação. Isso revela desequilíbrio, fruto do arbítrio e de uma visão de mundo ruinosa que espera do estado a energia desenvolvimentista do país. "Quem desenvolve um país é a iniciativa privada", ensina o economista Delfim Netto. Os governos que se iludem com a ideia contrária acabam por atrasar o desenvolvimento que tanto almejam.

Felizmente para os brasileiros, o desequilíbrio na esfera federal tem encontrado contrapontos estimulantes em alguns estados da federação. A adoção de políticas de remuneração pelo mérito e a gestão criteriosa dos recursos com a determinação de não se gastar mais do que se arrecada são uma combinação que tem dado resultados extraordinários em Minas Gerais, São Paulo, Sergipe, Pernambuco – e começa a dá-los, ainda timidamente, no Rio Grande do Sul e na Bahia. O aspecto mais instigante das gestões racionais desses estados é a clara aprovação dos eleitores. Que isso sirva de norte nas eleições deste ano.

Veja

11.2.10

Conta de assentada tinha R$ 800 mil!

Advogada de ex-militante do MST suspeita que ela pode ter sido usada como laranja para desvio de dinheiro

A assentada Zildenice Ferreira dos Santos, de 34 anos, moradora de um casebre simples no assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras, a 305 km de São Paulo, descobriu que tem mais de R$ 800 mil numa conta aberta em seu nome na Caixa Econômica Federal (CEF). Colhedora de laranjas na fazenda Santo Henrique, da Cutrale, ela ganha salário mínimo pelo trabalho.

Seu saldo, anteontem, era de R$ 747.751,00, mas o extrato registrava um depósito de R$ 78 mil a ser creditado. "Mesmo se trabalhasse 100 anos sem gastar nada eu não conseguiria juntar a quantia depositada na minha conta", comparou.

A advogada da sem-terra, Fernanda Daniele Pereira Mariano, desconfia que a catadora de laranjas virou, ela própria, "laranja" de um suposto esquema de desvio de dinheiro.

Em 2007, Zildenice foi procuradora da cooperativa do Movimento dos Sem-Terra (MST) em Iaras, num convênio entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a construção de moradias no assentamento.

A cooperativa está sendo investigada pelo Ministério Público Federal por desvio de parte do dinheiro proveniente de outro convênio com o Incra para o corte de madeira do assentamento. O presidente da entidade, Miguel da Luz Serpa, coordenador do MST na região, está preso desde 26 de janeiro sob acusação de ter liderado a destruição de 12 mil pés de laranja e a depredação da fazenda da Cutrale - a mesma onde Zildenice trabalha.

A sem-terra fez parte do movimento até conseguir o lote no Zumbi dos Palmares, em 2007. No ano seguinte, ela se desligou da cooperativa e deixou a função de procuradora. De acordo com a advogada, funcionários do banco informaram que a conta passou a ser movimentada por um assessor de Serpa. "Os extratos deixam claro que minha cliente ainda é a titular", disse Fernanda.

Ontem, a advogada denunciou o caso ao Ministério Público de Ourinhos. "Minha cliente pode ser processada pela Receita Federal, pois é um dinheiro não declarado."

A superintendência do Incra em São Paulo informou que a assentada não é mais titular da conta e recebeu extratos indevidamente. Segundo o Incra, o recurso depositado faz parte do convênio com a CEF para o projeto de habitação do assentamento. O crédito fica em nome de um representante dos assentados, mas o dinheiro só é movimentado com autorização do órgão para pagamento de fornecedores de materiais e serviços, mediante a juntada de nota fiscal.

O gerente da agência já bloqueou o envio de extratos à ex-correntista. O Incra informou que o erro na emissão do extrato não prejudicou ninguém. O convênio referente ao programa habitacional do Zumbi dos Palmares será encerrado este ano.

O Ministério Público de Ourinhos, no entanto, vai investigar o caso. O procurador da República Svamer Cordeiro abriu procedimento preparatório e vai pedir informações à CEF.
Estadão

Nunca subestimem a estupidez humana. Marco Aurélio Garcia é a prova!

Escalado para coordenar o programa de governo da ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à presidência, o professor Marco Aurélio Garcia anda preocupado com a influência da TV a cabo sobre os corações e mentes dos brasileiros. No sábado, o assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais discursou sobre o tema em debate na sede nacional do PT. Em meio a discussões sobre política externa, ele surpreendeu com um libelo contra o que chamou de "hegemonia cultural dos Estados Unidos".

Marco Aurélio comparou a influência da indústria de entretenimento ao poderio bélico da 4ª Frota, a divisão da Marinha americana que atua no Atlântico Sul.

- Hoje em dia, quase tão importante quanto a 4ª Frota são os canais de televisão a cabo que nós recebemos aqui. Eles realizam, de forma indolor, um processo de dominação muito eficiente. Despejam toda essa quantidade de esterco cultural - esbravejou.

Em tom de alerta, o assessor de Lula disse que a esquerda precisa reagir à difusão de valores capitalistas:

- Estamos vivendo um momento grave do ponto de vista de uma cultura de esquerda. A crise dos valores do chamado socialismo real e a emergência desse lixo cultural nos últimos anos nos deixaram numa situação grave.

O petista também reclamou de um suposto marasmo intelectual no Brasil, comparando os dias atuais a momentos de efervescência cultural das décadas de 1930 e 1950:

- Hoje vivemos uma transformação do ponto de vista econômico-social muito mais importante do que no passado. No entanto, temos um deserto de ideias, um deserto de produção cultural. Isso é um problema no qual temos que pensar.

O coordenador da campanha de Dilma disse que o Brasil foi programado para ser um país pequeno e defendeu o fortalecimento das estatais no governo Lula. Ao condenar o avanço da direita na Europa, fez uma recomendação à plateia:

- Nunca subestimem a estupidez humana. Quem subestimou a estupidez humana se deu mal na História. O Globo

10.2.10

Juristas e professores elogiam Tarso Genro e pedem continuidade de políticas na Justiça

Em carta aberta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um grupo de juristas, intelectuais, professores universitários e ativistas da área de Direitos Humanos elogia o trabalho do ministro que está deixando a pasta para concorrer ao governo gaúcho. Assinada por nomes como Dalmo Dallari, Fabio Konder Comparato, Boaventura de Sousa Santos e Maria Victoria Benevides, a carta elogia Comissão da Anistia, refúgio político a Cesare Battisti, demarcação da reserva Raposa Serra do Sol e Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci).


Um grupo de juristas, intelectuais, professores universitários e ativistas da área de Direitos Humanos encaminhou uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, manifestando apoio às políticas implementadas por Tarso Genro no Ministério da Justiça e defendendo a continuidade das mesmas. Assinada por nomes como Dalmo Dallari, Fabio Konder Comparato, Boaventura de Sousa Santos e Maria Victoria Benevides, a carta expressa apoio ao trabalho desenvolvido por Tarso Genro “com vista à consolidação do Estado de Direito e à ampliação do espectro da democracia e dos direitos humanos no Brasil”. Além disso, elogia o trabalho desenvolvido pela Comissão da Anistia, o asilo político concedido a Cesare Battisti, a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol e o Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci).

Segue a íntegra do documento:

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA, POR OCASIÃO DA DESPEDIDA DO MINISTRO DA JUSTIÇA, TARSO GENRO

No momento em que Tarso Genro despede-se do cargo de Ministro de Estado da Justiça, por ele ocupado desde o ano de 2007, numerosos juristas e acadêmicos desejam expressar, diante de Vossa Excelência, por meio desta carta pública, seu apoio ao trabalho por ele desenvolvido com vista à consolidação do Estado de Direito, e à ampliação do espectro da democracia e dos direitos humanos no Brasil. Certos de que Vossa Excelência persistirá na busca do fiel cumprimento do programa insculpido na Constituição da República de 1988 e de nossos compromissos internacionais, é nossa obrigação sublinhar a importância das seguintes iniciativas, na perspectiva de sua continuidade.

1. A democracia e o Estado de Direito brasileiros fortaleceram-se com a realização da audiência pública sobre os limites e possibilidades para a responsabilização jurídica de agentes públicos que cometeram crimes contra a humanidade durante períodos de exceção, realizada em julho de 2008. A audiência pública gerou um movimento crucial para a construção de uma nova cultura político-jurídica no país. Seu ápice foi a propositura de uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental pela Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Supremo Tribunal Federal, com o escopo de interpretar a lei brasileira de anistia de modo compatível com a Carta Magna e o direito internacional. Pela primeira vez, o Governo brasileiro tratou formal e oficialmente do tema, atendendo a uma demanda social histórica. Nada, e menos ainda o contexto eleitoral do corrente ano, deve obnubilar a evidência de que numa democracia não podem existir temas proibidos, e a justiça deve ser uma baliza constante do debate público.

2. A idéia de perceber o passado na perspectiva de construção de um futuro mais digno também esteve presente na atuação da Comissão de Anistia, com a ampliação e reformulação da política de reparação aos perseguidos políticos no Brasil. É imperativo que subsistam ao menos 3 elementos desta nova abordagem: a aceleração do processo de reparação, com a preocupação de que se realizem em vida os julgamentos de pedidos de anistia de perseguidos políticos entre os anos de 1946 e 1988; a revisão dos critérios de fixação de valores reparatórios, evitando assim que eventuais distorções econômicas releguem a segundo plano a dimensão política contida no pedido oficial de desculpas do Estado brasileiro, imprescindível tanto àqueles por ele injusta e ilegalmente perseguidos, como à sociedade que deve reconhecer o valor destes cidadãos; enfim, o extraordinário trabalho de irradiação das medidas de reparação coletiva e moral de difusão da nossa história promovido pelas Caravanas da Anistia, que cruzaram todas as regiões do Brasil, e pelo lançamento do Memorial da Anistia.

3. O corajoso ato de concessão de refúgio ao italiano Cesare Battisti, convertido ardilosamente em polêmica nacional, filia-se à tradição humanista, consubstanciada na doutrina do direito internacional e dos direitos humanos, e por esta razão foi apoiado por associações civis de todas as regiões do mundo, por grandes juristas brasileiros e pelos órgãos internacionais de proteção a refugiados. No mesmo diapasão, o Ministério da Justiça deve manter o amplo processo de anistia aos imigrantes, permitindo que inúmeras pessoas possam regularizar sua permanência no país, a fim de obter condições de vida e trabalho dignas, sem preconceito ou discriminação. Este acervo remete à necessidade de oxigenar a concepção do estatuto do estrangeiro no Brasil.

4. A defesa dos direitos humanos, em seus variados matizes, restou presente também nos debates público e judicial sobre a demarcação da Reserva Raposa/Serra do Sol, momento ímpar de discussão e consolidação constitucional que deve confluir, de modo permanente, no reconhecimento, pelo Estado brasileiro, da legitimidade da permanência dos povos indígenas em suas terras.

5. Por fim, sublinhe-se a urgência de uma revisão profunda da concepção de segurança pública, herdeira do legado autoritário, hoje disseminada no território nacional. Nutrimos grandes expectativas acerca dos benefícios que a conexão entre os temas da participação social, da segurança pública e dos direitos humanos, por meio da Conferência Nacional de Segurança e do amadurecimento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) podem trazer ao Estado e à sociedade brasileiras.

Considerados estes aspectos, entre muitas outras iniciativas relevantes, os signatários felicitam o trabalho empreendido pelo Ministro Tarso Genro e por sua equipe à frente do Ministério da Justiça, naquilo que ele lega ao acervo da cultura jurídica nacional. Por conseguinte, clamam para que o objetivo fundante do mais antigo Ministério da República, qual seja o de promover efetivas políticas públicas de justiça, qualificado nesta gestão, mantenha-se e aprofunde-se, ao menos, até o final do mandato de Vossa Excelência.

Brasília, 05 de fevereiro de 2010.

Firmam esta carta pública:*

Dalmo de Abreu Dallari, Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP

Fábio Konder Comparato, Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP

Jose Geraldo de Souza Junior, Reitor da UnB

Boaventura de Sousa Santos, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra

Maria Victoria Benevides, Professora Titular da Faculdade de Educação da USP

Cezar Britto, Ex-Presidente do Conselho Federal da OAB

Wadih Damous, Presidente da OAB/RJ

Jair Krischke, Movimento pela Justiça e Direitos Humanos

João Vicente Goulart, Diretor do Instituto Presidente João Goulart

Maurício Azevedo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa

Nita Freire, Historiadora, Professora da Cátedra Paulo Freire

Eduardo Bittar, Presidente da ANDHEP, Professor da Faculdade de Direito da USP

Deisy Ventura, Professora do Instituto de Relações Internacionais da USP

Fernando de Santa Rosa, Capitão de Mar e Guerra, Assessor Jurídico da ADNAM 4

Luiz Carlos de Souza Moreira, Capitão de Mar e Guerra, Assessor Jurídico da ADNAM

Sueli Gandolfi Dallari, Professora Titular da Faculdade de Saúde Pública da USP

Ricardo Seitenfus, Professor Adjunto do Curso de Direito da UFSM

Marcelo Cattoni, Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFMG e da PUC/Minas

José Ribas Vieira, Professor da Faculdade de Direito da UFRJ e da PUC/Rio

Cecilia Caballero Lois, Professora do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC

Juliana Neuenschwander Magalhaes, Professora da Faculdade de Direito da UFRJ

Cecilia MacDowell Santos, Professora da Universidade de San Francisco

Javier Ciurlizza, Diretor para as Américas do International Center of Transitional Justice

Heloisa Starling, Vice-Reitora da UFMG

Narciso Pires, Grupo Tortura Nunca Mais/PR

Jose Luiz Bolzan de Moraes, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS

Evandro Menezes de Carvalho, Coordenador do Curso de Direito da FGV/Rio

Pedro Pontual, Presidente do CEAAL

Gilberto Bercovici, Professor da Faculdade de Direito da USP

Marcos Rolim, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

Luis Edson Fachin, Professor da Faculdade de Direito da UFPR

Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, Professor da Universidade de Fortaleza

*Aberta a adesões no site: http://www.gopetition.com/online/33865.html


Carta Capital

8.2.10

Omelete sem quebrar ovos

É o equivalente culinário de fazer campanha eleitoral sem parecer que está pedindo votos. Orientada pelo chef Lula, Dilma vai cozinhando o TSE e subindo nas pesquisas

Gustavo Ribeiro

A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula na sucessão presidencial, participou na semana passada do programa Superpop, da Rede TV!, apresentado pela magnética Luciana Gimenez. O ponto alto foi televisionado de uma cozinha improvisada nos bastidores, onde a ministra se propôs a fazer uma omelete. "Se não der certo, você ajeita", disse a ministra. Não deu. Saiu um prato de ovos mexidos. Dilma colocou a culpa na panela. "Tem que ter Tefal", disse ela, referindo-se ao revestimento antiaderente, marca registrada da empresa francesa SEB. A conversa continuou no palco, diante da audiência predominantemente feminina do programa. Daquele momento em diante, Dilma fez omeletes sem quebrar ovos, prato típico do político com cargo no Executivo e que não pode perder uma chance daquelas de fazer campanha fingindo não estar pedindo votos. Foi um show de culinária política. Jornalistas amestrados eram chamados no monitor com o objetivo de levantar a bola para a ministra cortar. Ela aproveitou todas as deixas. Saiu aplaudida e feliz de ter tido a oportunidade de se mostrar "gente como a gente", nas próprias palavras dela.


Nos últimos meses, fazendo de conta que não é o que todo mundo sabe que ela é, Dilma trocou definitivamente os terninhos de ministra pelo figurino de candidata. Fora da cozinha, em eventos em que aparece sempre ao lado do presidente Lula, a ministra tem conseguido tocar sua campanha à Presidência da República sem o menor constrangimento legal e sem chamar a atenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os partidos de oposição vêm tentando, sem sucesso, configurar as aparições da candidata à sucessão de Lula como sendo campanha eleitoral antecipada. As reclamações ao TSE são feitas caso a caso. E, uma a uma, elas têm sido indeferidas. Na sexta-feira passada, o ministro auxiliar do TSE Joelson Dias julgou mais uma dessas queixas e decidiu a favor do governo. O magistrado entendeu que nos discursos de Lula, na presença de Dilma, durante as inaugurações da Barragem Setúbal, em Jenipapo, e do câmpus de Araçuaí, ambas em Minas Gerais, não houve "manifestações de apoio a nenhum eventual candidato, menção a candidaturas ou pedido de voto".


O que houve em Jenipapo e Araçuaí foram mais duas omeletes feitas sem quebrar ovos. Ou seja, a campanha foi tocada, os votos foram pedidos, mas, formalmente, não houve ilegalidade perante a legislação eleitoral. A técnica de superexposição da ministra ao lado de Lula está sendo muito bem executada. Fora dos palanques, a ministra é proclamada candidata de Lula à própria sucessão com a insistência dos vendedores de enciclopédia do passado. Todos os dias nos jornais, os petistas falam com ardor da candidatura presidencial de Dilma. As pesquisas mostram que metade dos entrevistados sabe que ela é candidata. Quando a ministra sobe ao palanque ao lado de Lula, desce a cortina do silêncio e somem os termos que podem ferir a legislação. Mas é óbvio para todos ali, no palco ou na plateia, que se está diante de um evento político-eleitoral visando à sucessão de Lula nas eleições presidenciais de outubro e novembro, se houver segundo turno.


Entre 2007 e 2008, quando ainda não era cozinheira-candidata, Dilma saiu do Palácio do Planalto apenas 32 vezes. Mas desde agosto passado ela já participou de 47 eventos externos. É uma média seis vezes maior do que quando era somente ministra-chefe da Casa Civil. O que mais chama atenção, porém, é o ingrediente eleitoral de suas aparições. Solenidades sem pitadas eleitoreiras, implícitas ou explícitas, são cada vez mais raras. Ao lado de Lula, em inaugurações de obras ou eventos públicos, Dilma já ouviu o povo gritar seu nome em coro. Foi durante a entrega de apartamentos populares no Rio de Janeiro, há pouco mais de um mês. A aclamação ocorreu depois de Lula, no mais explícito caso de evento transformado em comício, ter dito que ele e Dilma iriam ganhar a eleição de 2010. A ministra também usou a inauguração de uma barragem em Minas Gerais para atacar a oposição e, recentemente, foi chamada de "a cara do cara" por José Sarney no lançamento de uma obra no Maranhão.


Joselito Menezes

DE OLHO NO INTERIOR

O governador de São Paulo, José Serra: viagens ao Nordeste e propaganda do governo
em todo o país

A cozinha da sucessão tem funcionado a pleno vapor fora de época graças a um caldeirão de ingredientes bem brasileiros. O principal deles é a debilidade das regras eleitorais. Em seu artigo 36, o Código Eleitoral diz que "a campanha eleitoral só é permitida depois de 5 de julho". Ao resumir numa frase um tema complexo, a lei transfere ao juiz a tarefa de diferenciar campanha de ato de governo. Deveria ser uma coisa simples. Não é. A Justiça, como regra, só costuma admitir a campanha antecipada em caso de candidaturas já oficializadas. Parece óbvio, já que, sem candidato, é impossível haver campanha. Mas a lógica cartorial produz consequências preocupantes. Para evitar a fiscalização da Justiça e minimizar o escrutínio público, a maior parte dos candidatos posterga ao máximo o anúncio de seus planos eleitorais, como vêm fazendo a ministra e seu principal adversário, o tucano José Serra. No caso deles, que ocupam cargos no Executivo, a data-limite é 3 de abril. Quem não ocupa cargos assim, porém, pode estender o prazo até 30 de junho. O resultado, em ambos os casos, é que a legislação brasileira, em vez de expor os candidatos à luz do sol por mais tempo, acaba escondendo-os. É um princípio frontalmente oposto ao que ocorre em democracias mais avançadas, como os Estados Unidos. Lá, em vez de três meses, a campanha eleitoral dura catorze meses, tempo suficiente para que se saiba quem é o candidato e o que ele pretende fazer caso seja eleito.

Colocar a panela no fogo antes do prazo legal tornou-se um bom negócio no Brasil principalmente porque a prática costuma ficar impune. A pena máxima por aqui é a redução de tempo na televisão quando a campanha começa de verdade. Enquanto na Inglaterra a punição pode chegar à perda do cargo, no Brasil, quando muito, paga-se multa. Autuado em 2006 por campanha antecipada, o presidente Lula foi multado em 900 000 reais, mas até hoje discute o papagaio na Justiça. Desde o início do ano passado, o TSE já recebeu onze denúncias de campanha antecipada, todas movidas pela oposição contra Lula, Dilma e o PT. As cinco ações julgadas até agora foram arquivadas. Criticado pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, que acusou a Justiça Eleitoral de ser muito dura com políticos inexpressivos e leniente com as altas autoridades, o TSE avisa que está atento aos abusos. "A linha que separa a prestação de contas da promoção é mesmo tênue", diz o presidente do TSE, Carlos Ayres Britto (veja entrevista abaixo). "Havendo provas, haverá punição." Em outras palavras, é preciso pegar muito pesado para ser punido. É o que parece estar ocorrendo agora com Lula e Dilma. "Está claro o clima de campanha. Se eu ainda estivesse no tribunal, recomendaria uma postura à altura do cargo que eles ocupam", disse a VEJA um ex-ministro do TSE.

O debate sobre propaganda pessoal em eventos oficiais tem mais de um século no Brasil. Em 1914, Rui Barbosa, então senador, entrou na Justiça contra o governo do marechal Hermes da Fonseca (1910-1914). Ele queria anular a ordem que proibia a veiculação de discursos da oposição. Rui Barbosa alegava que divulgar os atos realizados durante o mandato é uma maneira de prestar contas e aproximar a sociedade dos debates políticos. Essa premissa está implícita no artigo 37 da atual Constituição Federal. Ele determina que a publicidade dos atos do governo deve existir sem que isso caracterize promoção pessoal. Mas, como mostra a campanha que Lula e Dilma têm feito país afora, há uma diferença enorme entre prestar contas e utilizar o governo para propagandear seus feitos em clima de comício. Agora mesmo, o governo acaba de enviar um ofício a prefeitos de todo o país com uma ameaça tipicamente eleitoral. A pretexto de instruir sobre o recadastramento no Bolsa Família, o programa que beneficia quase 50 milhões de brasileiros, o Ministério do Desenvolvimento Social adverte que, em 2011, quando Lula não for mais presidente, o programa poderá ser alterado. Puro terrorismo eleitoral. O caso deve render a 12ª acusação de campanha fora de época contra o governo.

É evidente que a antecipação do debate eleitoral é uma prática que não começou no governo Lula nem está restrita às hostes petistas. O tucano José Serra, provável adversário da candidata de Lula, também vem cumprindo uma agenda que transcende sua função de governador de São Paulo. Embora não tenha chegado ao ponto de falar em eleições em inaugurações públicas, Serra foi a Petrolina, no interior de Pernambuco, em outubro passado. Queria avaliar as condições de dois projetos concebidos durante a Presidência de Fernando Henrique Cardoso e hoje abandonados pelo PT. O tucano também colocou no ar, em rede nacional, um comercial da Sabesp, estatal paulista de saneamento e água. A peça foi retirada de circulação depois de uma recomendação do Ministério Público de São Paulo. Reação muito diferente tem sido adotada por Lula. Criticado por seus comícios em eventos do governo, o presidente não pretende domar seu ânimo eleitoreiro. Lula discute campanha eleitoral o tempo todo, até em reunião com ministros. "Olha, Dilma, está tudo melhorando para nós. Vamos continuar trabalhando para a popularidade subir ainda mais", disse Lula a Dilma, na semana passada, na frente de cinco ministros. Fazer omelete é um direito de todos. Conservar os ovos intactos, dependendo do caso, é proeza para ser apurada com mais rigor.

Campanha de verdade

Tem dado tudo errado. Um ano após assumir o cargo mais poderoso do planeta, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, viu sua popularidade despencar de um patamar lulista (78%) para um índice chavista (51%). A queda de 27 pontos é recorde para presidentes americanos em primeiro mandato. Os americanos, como é comum nas democracias, têm todo o direito de reclamar do governo Obama. Eles só não podem reclamar que não sabiam o que Obama faria caso fosse eleito. Durante mais de um ano de campanha, com discursos, palanques e festividades, o democrata expôs em minúcias seus planos de governo. Agora, talvez numa demonstração do humor ciclotímico dos americanos, Obama está impopular porque faz exatamente o que prometeu durante a campanha eleitoral. Como prometeu, está tentando aprovar alterações substanciais na saúde pública americana. Como prometeu, está investindo maciçamente dinheiro dos contribuintes na infraestrutura do país, numa tentativa de pôr fim à recessão que azedou o humor da população. Como prometeu, por fim, está concentrando os esforços bélicos e o orçamento do país no Afeganistão, atrás dos terroristas da Al Qaeda. Na democracia americana, cumprir promessas de campanha pode ser um problema.


"Havendo provas, haverá punição"

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, prefere manter distância das polêmicas que incendeiam a pré-campanha. Nesta entrevista a VEJA, contudo, ele deixa claro que crimes eleitorais não ficarão impunes.

GUARDIÃO DAS URNAS

O presidente do TSE, Ayres Britto: "Estou atento"

O presidente do STF, Gilmar Mendes, criticou a permissividade do TSE com os candidatos mais poderosos. Ele tem razão?

Respeito o ministro Gilmar e não entrarei em polêmicas. Mas estou há quatro anos no TSE e nunca testemunhei um julgamento caracterizado por dois pesos e duas medidas. Precisa-se entender que a Justiça Eleitoral só pode agir se for provocada. Cabe aos advogados e ao Ministério Público coletar provas desses possíveis abusos e, havendo consistência, entrar com representações nos tribunais eleitorais.

A ministra Dilma Rousseff está agindo como candidata em eventos públicos, ao lado do presidente Lula. Isso não é campanha antecipada?

Há várias representações contra a ministra e outros candidatos. O TSE avaliará todas com serenidade. Não tenham dúvidas: estamos atentos.

Por que é difícil identificar quando a inau-guração de uma obra se transforma em comício?

É tênue a linha que separa a necessária prestação de contas dos governantes da mera promoção eleitoral. Depende do caso. É realmente um tema muito delicado. Conta-se muito com o bom senso do juiz. Mas deve haver prova robusta. Na dúvida, como manda o bom direito, a Justiça fica a favor do acusado.

Existem casos de punição?

Há muitos precedentes. O próprio presidente Lula já foi condenado por fazer campanha antecipada, nas eleições de 2006, quando o governo federal distribuiu cartilhas com fins eleitoreiros. A multa foi estipulada em quase 1 milhão de reais. Ainda se discute esse valor. Pode ser que diminua, mas a multa terá de ser paga. Veja

Assentamentos de SP estão "devastados"

Dos 281 assentamentos administrados por Incra e Itesp, a estimativa é que 208 precisem de recuperação de áreas verdes.
Áreas já tinham pouca vegetação; situação piorou com ações predatórias, como a extração de madeira e a pastagem irregular.


Dos 281 assentamentos do Estado de São Paulo, 74% precisam reflorestar a área de reserva legal, que é inexistente em alguns casos. Em áreas administradas pelo Itesp, 132 precisam reflorestar a área de reserva, enquanto nas geridas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a estimativa é que 76 dos 109 assentamentos precisem de recuperação da mata.

Segundo o gerente-executivo do Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), Gustavo Ungaro, não há recursos para fazer a recuperação dessa área, que equivale a 340 km2. A reserva legal prevê que ao menos 20% da cobertura de uma propriedade seja composta por mata nativa.

A maioria dos assentamentos nessa situação está localizada no Pontal do Paranapanema, seguida pelas regiões de Araraquara, Araras, Sorocaba e Araçatuba.

"O processo tem um custo muito elevado. É preciso cercar a área, comprar mudas e fazer o plantio. O nosso orçamento não é suficiente para todos os assentamentos. Fizemos em alguns e, em outros, foram feitas parcerias com empresas e entidades da sociedade civil."

De acordo com Ungaro, essas áreas já tinham pouca vegetação quando foram adquiridas e, com o tempo, ações predatórias, como extração da madeira e pastagem irregular, agravaram a situação. Há casos ainda em que os próprios assentados utilizaram a área de proteção ambiental irregularmente.

"Não é frequente, mas já tivemos denúncia. Nesse caso, é aberto um processo administrativo para investigar a participação das famílias assentadas e a penalidade pode ser até mesmo a expulsão do lote", afirmou Ungaro.

No caso de Araraquara, há assentamentos, como o Monte Alegre, da década de 80, que não tinham praticamente nada de área preservada, de acordo com Mauro Geraldo Cavichioli, técnico do Itesp na regional de Araraquara.

"Ao longo desse tempo, foi feito um trabalho de recuperação, desde levantar qual a espécie nativa da região até buscar apoio para fazer o plantio das mudas", afirmou Cavichioli.

Situação semelhante é encontrada nas terras geridas pelo Incra. "O índice de devastação é variado no Estado. Há terras em que não restou nada da reserva. Em outras, conseguiram restabelecer a floresta. No entanto a maioria precisa fazer um trabalho de recuperação", afirmou o superintendente regional do Incra de São Paulo, Raimundo Pires Silva.

Sobre o corte irregular de árvores e queimadas, o Incra constata que os autores, em geral, não são pessoas que vivem no local. "Hoje a conscientização da agricultura familiar é muito grande. Quando vejo o uso indevido é de pessoas de fora. Pode haver assentado tendo essa atitude, mas isso não é o comum, porque há um movimento de defesa ambiental por parte de quem vive da terra", afirmou o superintendente.

Além da área de reserva legal, Silva disse que é preciso investir na APP (Área de Preservação Permanente), vegetação ao redor dos rios e córregos que não pode ser removida.

Para a ambientalista Márcia Hirota, diretora da gestão do conhecimento da ONG SOS Mata Atlântica, a situação das florestas no Estado de São Paulo é crítica. "O reflorestamento é urgente. No entanto é trabalhoso e de longo prazo. Não é só fazer o plantio, é preciso dar manutenção, cuidar. As iniciativas nos assentamentos são positivas, mas é preciso ter continuidade", afirmou a ambientalista. Folha

4.2.10

PF aponta superfaturamento de quase R$ 1 bi em obras de aeroportos

Relatório diz que esquema de fraudes em licitações foi arquitetado pela cúpula da Infraero na gestão Carlos Wilson
Fausto Macedo e Bruno Tavares - Estadão
A Polícia Federal apontou superfaturamento de R$ 991,8 milhões nas obras de dez aeroportos administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) - Corumbá, Congonhas, Guarulhos, Brasília, Goiânia, Cuiabá, Macapá, Uberlândia, Vitória e Santos Dumont. Todas as obras foram contratadas durante o primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2006.

Relatório final da Operação Caixa Preta sustenta que o desvio é resultado de um esquema de fraudes em licitações arquitetado pela cúpula da estatal na administração Carlos Wilson, que presidiu a Infraero naquele período. Ex-deputado, ex-senador e ex-governador de Pernambuco (1990), Carlos Wilson foi filiado à antiga Arena, ao PMDB, ao PSDB e, por último, ao PT. Ele morreu em abril de 2009, aos 59 anos, vítima de câncer. Os principais assessores de Wilson no comando da Infraero foram enquadrados pela PF: Josefina Valle de Oliveira Pinha, ex-advogada-geral do Senado que exerceu a função de superintendente jurídica da estatal; Adenahuer Figueira Nunes, ex-diretor financeiro, e Eleuza Lores, ex-diretora de engenharia - o indiciamento de Eleuza foi suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça.

O dossiê da PF esmiúça em 188 páginas como operou "um seleto e ajustado grupo" de 18 empreiteiras. A Polícia Federal imputa seis crimes a 52 investigados, entre ex-dirigentes e funcionários da Infraero, empresários, projetistas e fiscais: formação de quadrilha, peculato (crime contra a administração pública), corrupção ativa e passiva, crimes contra a ordem econômica e fraude em licitações. O inquérito foi aberto em novembro de 2006 pela Superintendência Regional da PF em Brasília. Equipes multidisciplinares formadas por peritos criminais federais, engenheiros civis, mecânicos, elétricos, eletrônicos e cartográficos inspecionaram um a um os aeroportos. Interceptações telefônicas revelaram estreito contato entre ex-diretores da Infraero e funcionários de empreiteiras.

A investigação foi conduzida pelos delegados César Leandro Hübner e Felipe Alcântara de Barros Leal. "A equipe policial identificou um enorme superfaturamento nos preços e quantidades dos serviços praticados pelas empresas contratadas em um montante aproximado de R$ 1 bilhão em valores atualizados", assinala o texto. À página 26 do relatório a PF estima que o valor superfaturado seria suficiente para construir 34.193 casas populares, "o que equivale a todas as moradias de uma cidade de 112.837 habitantes". O desvio corresponde ainda ao total necessário para a construção do Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, obra tida como fundamental para suportar o crescimento do setor aéreo e receber com conforto os turistas para a Copa 2014.

LAUDOS
Laudos periciais revelam gastos a maior. Com base no laudo 761/2009, do Instituto Nacional de Criminalística (INC), braço da Diretoria Técnico-Científica, a PF afirma que "a Norberto Odebrecht figura como responsável por um desvio do valor atualizado de R$ 163, 25 milhões dos cofres públicos". Na obra do Santos Dumont (RJ), diz a PF, a Odebrecht "apresentou superfaturamento no valor de R$ 17,25 milhões".
Segundo o relatório, "essa modalidade de superfaturamento se caracteriza pela cobrança em duplicidade, ou cobrança por serviço não executado". O laudo 781/2009 indica que a Via Engenharia "figura como responsável por desvio de R$ 40,65 milhões das obras do aeroporto de Goiânia".

A PF aponta intrincada teia de relacionamentos entre os acusados. "Percebe-se a existência de robustos indícios de um esquema fraudulento de corrupção envolvendo servidores da Infraero e representantes legais e/ou de fato de sociedades empresariais construtoras, projetistas e de fiscalização, objetivando, por meio de conluio de vontades de mais de três pessoas, frustrar de forma reiterada o caráter competitivo de licitações, possibilitando, em seguida, modificações e vantagens em favor de tais sociedades empresariais."

São alvos do inquérito 18 empreiteiras: Odebrecht, OAS, Carioca, Construcap, Camargo Corrêa, Galvão, Via Engenharia, Queiroz Galvão, Constran, Mendes Júnior, Serveng Civilsan, Gautama, Beter, Estacon, Financial, Enpress, Triunfo e Cima. Elas negam irregularidades.
As fraudes, diz a PF, tiveram apoio de altos funcionários da Infraero. "Objetivando beneficiar seleto grupo de empresários, precisava-se restringir o caráter competitivo das licitações necessárias à aplicação dos recursos federais. Para tanto, eram necessárias mudanças estruturais e normativas na Infraero." A PF destaca algumas "manobras" da direção da estatal, como contratação de uma mesma empresa para executar diferentes obras no aeroporto e a adoção da modalidade de técnica e preço. A primeira, segundo a PF, restringe a quantidade de licitações e, consequentemente, o número de empresas contratadas. A outra, embora não tivesse o "condão de direcionar a licitação, foi crucial para os atos preparatórios seguintes, que implicaram a agregação de subjetividade ao certame, facilitando os ajustes ilícitos". A PF aponta formação de cartel - conluio entre empresas para prejudicar concorrentes -, inclusão indevida de etapa de pré-qualificação, mudanças de regras durante a licitação. Os peritos constataram dois tipos de superfaturamento: por falta de qualidade e quantidade e por sobrepreço e jogo de planilha.Estadão

1.2.10

Lula dobra criação de cargos de confiança no 2º mandato

Média mensal de novos postos salta de 23,8 no primeiro período para 54 desde 2007

Oposição diz que o aumento demonstra partidarização da gestão; Planejamento afirma que atende à reorganização da máquina pública federal


FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo Luiz Inácio Lula da Silva dobrou o ritmo da criação de cargos comissionados da administração federal no segundo mandato. O número médio mensal de postos criados aumentou de 23,8 nos quatro primeiros anos do governo para 54 a partir de 2007. Essas vagas são muitas vezes destinadas a apadrinhados políticos.
Levantamento feito em medidas provisórias e projetos de lei mostra que foram criados 4.225 cargos de confiança entre 2007 e 2009. Considerando os cargos extintos no mesmo período, o saldo é de 1.946, contra 1.144 no período anterior.
No segundo mandato, foram criados 395 cargos por MPs e 3.830 por projetos de lei. No mesmo período, foram criados 84.672 cargos efetivos, com exigência de concurso.
Em 2007, o Ministério do Planejamento enviou à Câmara a nota informativa 304/07, que detalhou ano a ano a situação de cargos de confiança desde 1994. O documento mostra que Lula herdou do antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), 19.943 cargos de livre nomeação.
Após redução em 2003, houve grande aumento no ano seguinte, chegando a 21.404. Em 2005 e 2006, novas quedas. Ao final do primeiro mandato havia 21.087 cargos de confiança. Agora, são 23 mil.
Os cargos comissionados são conhecidos pelas siglas DAS (Direção e Assessoramento Superior) e NE (Natureza Especial) e destinados a funções de chefia ou postos estratégicos.
O Ministério do Planejamento afirma que a criação desses cargos se dá de maneira pulverizada e para atender reorganizações internas de diversos órgãos do governo.
O número de cargos de confiança no Brasil é um dos mais altos do planeta. Nos Estados Unidos, no início da gestão Barack Obama, em 2009, havia cerca de 9.000 dirigentes desse tipo e 600 deles precisavam de aprovação do Senado.
A oposição diz que o aumento nesse tipo de posto é uma demonstração de partidarização do governo. "Isso é o governo do PT. É a certidão do aparelhamento do Estado", afirma o líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA). "A despeito de tantas nomeações, não se observa melhoria no serviço público e há muitas áreas que carecem de pessoal, como meio ambiente", complementa.
O PT calcula que cerca de 5.000 cargos de confiança federais são ocupados por filiados. Mas resolução do Tribunal Superior Eleitoral de 2006 proíbe contribuição partidária de parte dos ocupantes desses cargos.
"Por 4 votos a 3, o TSE disse que os cargos que tinham algum tipo de responsabilidade em ordenar despesas não poderiam fazer doações. O PT perdeu por mês R$ 200 mil reais de arrecadação e, na época, tínhamos um aumento de contribuição individual", diz Paulo Ferreira, tesoureiro do PT.
Em 2002, as contribuições dos filiados eram 1,9% da arrecadação do PT. A partir de 2003, com a vitória de Lula, a participação dos filiados cresceu, chegando a R$ 35,6 milhões (8,67% do total) em 2005.
A participação recuou a R$ 2,88 milhões em 2006, ano da reeleição de Lula, e continuou caindo. Dos R$ 93 milhões captados em 2008, só R$ 2 milhões (2,15%) saíram de filiados, contra R$ 60,3 milhões (64%) de empresas. Folha