30.1.10

União para o crime

Bens da Cutrale encontrados em assentamentos do MST levam a polícia a indiciar sete integrantes do bando por furto, formação de quadrilha, porte ilegal de arma e invasão de propriedade

Vinícius Segalla - Fernando Cavalcanti

Gatunos
Parte do material encontrado com os sem-terra: o rifle é de uso exclusivo das Forças Armadas

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) chocou o país entre setembro e outubro do ano passado ao destruir 12 000 laranjeiras de uma das fazendas da Cutrale, na região de Bauru, no interior paulista. Na semana passada, a polícia do estado começou a punir os sem-terra que vandalizaram a propriedade da líder mundial na produção de suco de laranja e uma das maiores exportadoras brasileiras. A Justiça emitiu vinte ordens de prisão contra os maus elementos que compõem a cabeça do bando local. Ao cumprir os mandados em um assentamento do MST, a polícia encontrou um vídeo estarrecedor na casa do chefão Miguel Serpa. Gravado momentos antes da invasão, ele mostra Serpa incitando seus comparsas. "Viemos aqui para, no mínimo, dar prejuízo", disse ele. Em outro vídeo, a mulher de Serpa, a vereadora petista Rose MST, e o ex-prefeito da cidade de Iaras Edilson Xavier, também do PT, dizem aos militantes sem-terra o que eles devem fazer para devastar as lavouras e danificar equipamentos. Serpa já respondia a uma ação civil pública por desvio de recursos obtidos com a venda de madeira do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Calcula-se que a operação tenha lesado os cofres públicos em 4 milhões de reais. Ele, sua mulher e o ex-prefeito estão entre os presos.

Luis Cardoso/Ag. Bom Dia/AE
Na cadeia
O ex-prefeito de Iaras Edilson Xavier, do PT, ensinou os sem-terra a vandalizar a fazenda da Cutrale. Tudo foi registrado num vídeo

No mesmo assentamento, a polícia paulista deparou com toneladas de adubo, defensivos agrícolas, combustíveis, além de ferramentas, máquinas, motores e mudas de laranjeira – tudo roubado da fazenda da Cutrale. Parte desse material, identificada com números de série, foi facilmente reconhecida por funcionários da empresa. Nas casas dos sem-terra foram recuperados até bens pessoais dos empregados da fazenda, como computadores. "Há evidências de que um dos objetivos da invasão era o furto", relata o responsável pela investigação, o delegado Benedito Valencise, um dos mais experientes do estado de São Paulo. Os sem-terra escondiam ainda dois revólveres, quatro espingardas e munição. Uma das espingardas, uma Winchester calibre 44, é de uso exclusivo das Forças Armadas. O resultado das buscas levou a polícia a indiciar os presos por formação de quadrilha, furto, porte ilegal de arma e invasão de propriedade privada. O delegado Valencise agora procura outros bens que desapareceram da fazenda, como eletrodomésticos, móveis e roupas que pertenciam aos empregados da Cutrale.  Veja

28.1.10

Fita revela ação planejada do MST, diz polícia

Delegado afirma que líder regional do movimento foi filmado antes de invasão a fazenda falando em "dar prejuízo a eles"

Há 20 suspeitos com prisão decretada e 13 deles estão foragidos; policial pedirá prorrogação de detenções temporárias por mais 5 dias


Um vídeo apreendido anteontem na operação que resultou na prisão de nove sem-terra no interior de São Paulo prova que a depredação de uma fazenda da Cutrale, ocorrida no ano passado, foi um ato premeditado, segundo a Polícia Civil.
O delegado responsável pelas investigações, Jader Biazon, disse ontem que a gravação foi feita logo após a invasão da fazenda, em Iaras (SP). Um homem diz: "Essa é a quarta ocupação. Agora nós viemos aqui para, pelo menos, dar prejuízo para eles". Segundo o delegado, a fala é de Miguel da Luz Serpa, 50, um dos coordenadores estaduais do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Ele foi preso na ação policial e se calou no depoimento.
Quando os sem-terra saíram da fazenda da Cutrale, em outubro de 2009, deixaram um total de 7.000 pés de laranja destruídos, de acordo com a empresa. Tratores, móveis e eletrodomésticos foram destruídos, e paredes, pichadas.

MST nega acusação
O MST sempre negou que integrantes do movimento tenham depredado e realizado furtos durante a invasão.
Segundo a polícia, os presos anteontem na Operação Laranja são suspeitos de envolvimento com a invasão e depredação da fazenda da Cutrale.
Além de Serpa, foram detidos a atual vereadora de Iaras e mulher dele, Rosimeire Pan D'Arco de Almeida Serpa (PT), 30, e o ex-prefeito da cidade e presidente municipal do PT, Edilson Granjeiro Xavier, 64. De acordo com a polícia, os três coordenaram a invasão.
Há 20 suspeitos com a prisão decretada, 13 deles foragidos. O delegado afirmou que vai pedir a prorrogação por mais cinco dias das prisões temporárias.
Os dois presos por porte ilegal de arma durante a operação pagaram fiança e foram libertados ontem. Já os sete presos por ordem judicial, em razão da invasão da fazenda, continuam detidos e foram transferidos para cadeias da região.
Biazon disse que testemunhas relataram no inquérito -ainda em andamento- ter sofrido ameaças de integrantes do MST, durante as apurações, para que não revelassem informações sobre o movimento.
"As prisões foram imprescindíveis para o prosseguimento das investigações por causa de ameaças sofridas por testemunhas", disse o delegado.
A polícia apreendeu agendas, computadores e celulares que serão periciados. Agrotóxicos e fertilizantes apreendidos com os sem-terra podem ter sido retirados da Cutrale. Folha

26.1.10

Renúncia de Ramón Carrizález, homem de confiança de Hugo Chávez, agrava crise na Venezuela!

Em meio à polêmica decisão de cortar o sinal de seis canais de TV a cabo no fim de semana, que gerou uma nova onda de protestos da oposição, o governo venezuelano liderado por Hugo Chávez deu na segunda-feira outro grave sinal de desgaste. O vice-presidente do país e ministro do Poder Popular para a Defesa, Ramón Carrizález, apresentou sua carta de demissão a ambos os cargos no sábado. A notícia, porém, só chegou na segunda-feira à imprensa venezuelana. Num comunicado oficial, Carrizález disse deixar o governo por motivos estritamente pessoais, assim como sua mulher, Yuvirí Ortega, que estava à frente da pasta do Ambiente e também abriu mão do cargo. Em um breve comunicado transmitido pelo canal estatal na noite de segunda-feira, a ministra da Comunicação, Blanca Eekhout, disse que Chávez "aceitou a renúncia", reiterando que a decisão do ministro foi motivada por questões pessoais.

"Aproveitamos a oportunidade (...) para agradecer e reconhecer publicamente o esforço e compromisso que manteve durante toda a sua gestão o vice-presidente Executivo", disse Eekhout.

A saída do vice-presidente - militar aposentado considerado um dos homens de confiança do governo - ocorre duas semanas após Chávez ter demitido o ministro de Eletricidade, Ángel Rodríguez, da pasta que acabara de criar para tentar contornar a atual crise de energia, uma das várias que o país atravessa. Chávez culpou-o por novos apagões em Caracas. Para analistas, a demissão do vice-presidente agrava a crise política no país.
Ao perder Carrizález, o presidente perde um de seus funcionários mais leais. Chávez está encontrando muita rejeição no momento, inclusive no meio militar, no qual nem todos estão de acordo com as pretensões que o presidente vem anunciando para o setor, como a criação das milícias bolivarianas. E as demissões não devem parar por aí - acredita Manuel Malaver, analista político venezuelano.

Na segunda-feira, a emissora local Telesur, de capital estatal, informou em sua página que, "por meio de um comunicado de imprensa, Carrizález esclareceu que sua demissão não se relaciona a divergências com o Executivo, e qualquer outra versão sobre o caso é falsa e tendenciosa". Mas, no lugar de Carrizález no ministério, assume o general Carlos Mata Figueroa, que ocupava o cargo de chefe do Comando Estratégico Operacional. Fontes do governo indicam que desde o começo de janeiro havia certa pressão pela retirada de Carrizález dos dois cargos - mas o coronel, indicado por Chávez, ainda encontrava algum apoio do Executivo - e que uma rixa com Mata Figueroa, que agora ocupará seu posto, já estava em curso.

Segundo Nelson Bocaranda Sardí, colunista do jornal venezuelano "El Universal", uma situação de mal-estar se instalara no governo após a divulgação pelo presidente, no começo do mês, de que os EUA haviam invadido o espaço aéreo venezuelano ao sobrevoar, sem autorização, a ilha de Curaçao. A foto apresentada por Chávez como sendo do avião invasor americano teria sido baixada, na verdade, da internet - onde poderia ser encontrada inclusive na Wikipedia, digitando-se as palavras "avión P3 Orion", afirma Sardí. Ao ser repreendido pelo presidente, Carrizález reagiu indignado e atribuiu a responsabilidade pelo episódio ao general Carlos Mata Figueroa, dizendo que fora ele quem havia entregado a imagem ao presidente, poucos minutos antes de seu programa de rádio ir ao ar, como se fosse "uma bomba de nossa inteligência militar", conta Sardí. Nessa disputa, porém, Figueroa saiu ganhando.

A saída de Carrizález é mais um capítulo da atual instabilidade enfrentada pelo presidente Chávez - cuja luta pela implantação de "um socialismo para o século XXI" parece entrar em colapso. A atual crise de energia, causada por uma longa estiagem que secou represas e ameaça a principal hidrelétrica do país, responsável por 70% do abastecimento, causou reprovação na capital devido às polêmicas medidas de racionamento. E o pouco investimento em infraestrutura para geração de energia - as termelétricas são defasadas - indica que a situação deve se agravar.

A recente e forçada desvalorização do bolívar e a escalada da inflação - que especialistas acreditam que possa subir a 60% nos próximos meses - afundam a economia. E o aumento da criminalidade, que explode na capital, também ameaça a popularidade do governo, que nunca esteve tão baixa, às vésperas das eleições legislativas, marcadas para setembro. O Globo

25.1.10

Próximo Congresso: Prevenir onda chavista!

Trechos da coluna de Cesar Maia, "Resistência Parlamentar", na Folha de SP (16).

1. As eleições parlamentares no Brasil ocorrem num quinto plano, como se não tivessem importância. Minimizadas pela cobertura da imprensa, ridicularizadas pelas aparições na TV e não alcançadas pelas pesquisas, os curiosos só vão descobrir o resultado da eleição proporcional com a publicação dos nomes pelos jornais no dia seguinte. Ali, um ou outro garimpa o seu candidato. Num quadro pluripartidário inorgânico como o brasileiro, se tem dito: "tanto faz". Afinal, nenhum partido chega perto dos 20% na Câmara dos Deputados. E o Executivo contrata a sua maioria.

2. Mas a atenção hoje deveria ser outra, com os exemplos que correm pela América Latina, que sinalizam riscos e, assim, a necessidade, em 2010 e daí para a frente, de se dar atenção muito maior às eleições parlamentares. Na Venezuela, no Equador e na Bolívia, os políticos, os partidos, os intelectuais, os analistas e a imprensa concentraram suas atenções no líder populista, na sua popularidade, nos plebiscitos que propõem, nas reeleições. Com isso, os Parlamentos foram desossados.

3. Com isso, esses governos passaram a tratar a lei como um ato administrativo seu e avançaram sobre as instituições, o direito de propriedade e as liberdades individuais, de expressão e de imprensa. A exceção é o Paraguai. Com a vitória inevitável de Lugo, os partidos concentraram-se na formação de um Congresso de resistência. E é exatamente aí onde as extravagâncias chavistas não conseguem avançar. Se os Kirchner se coçavam na busca de uma variante do chavismo, ao perderem, nas eleições de 2009, a maioria na Câmara e Senado, essa aventura passou a enfrentar resistências.

4. Aqui, os dois decretos do governo Lula, um atropelando a Lei de Anistia, outro, um pout-pourri de excentricidades autoritárias, acenderam a luz vermelha sobre as eleições de 2010. A esquerda autoritária, pós-mensalão, perdeu a hegemonia para o sindicalismo no partido e no governo. E abriu para esse as delícias dos fundos e dos conselhos de administração. E agora recobra força, mostra suas unhas afiadas com um "programa de governo", quem sabe para aplicar em 2011.

5. Os distraídos continuarão a concentrar toda a sua atenção na eleição presidencial. No dia seguinte, lerão nos jornais o nome dos parlamentares eleitos. Se antes tanto fazia, agora não. Eleger um Congresso com força suficiente para resistir a aventuras chavistas é tão importante quanto a própria eleição presidencial: daqui para a frente.

Dirceu tem apoio até para voltar à Executiva do PT

Com Genoino, João Paulo Cunha e outros mensaleiros, ex-ministro foi indicado para Diretório Nacional petista

Prestes a retornar ao Diretório Nacional do PT, depois do caso do mensalão em 2005, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu já se depara até mesmo com colegas de partido dispostos a endossar sua volta à Executiva Nacional da sigla. Réu no processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar o escândalo, Dirceu foi descrito pela Procuradoria-Geral da República como "chefe da quadrilha" que operava o esquema. Desde então, submergiu para os bastidores da articulação política da sigla e do governo.

Ao lado de nomes como os deputados João Paulo Cunha (SP) e José Genoino (SP), este último presidente do PT na época da crise de 2005, Dirceu foi confirmado no último fim de semana na lista de indicados da ala majoritária da sigla para compor o novo Diretório Nacional, que será instalado em fevereiro.

Nas próximas semanas, o presidente eleito do partido, o ex-senador José Eduardo Dutra (SE), vai se debruçar na montagem da Executiva Nacional, que reúne 18 postos estratégicos da hierarquia partidária, dá a linha de atuação da sigla e referenda decisões dos 81 membros do Diretório Nacional.

CAMPANHA DE DILMA

Apoiadores da volta de Dirceu afirmam que o PT não pode prescindir, em 2010, de quadros experientes e, principalmente, familiarizados com uma campanha presidencial. Esta é a primeira vez que a sigla se lança numa disputa pelo Palácio do Planalto sem ter o presidente Lula como candidato e encara o desafio de convencer o eleitorado a votar na chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ex-homem forte do governo Lula e ex-presidente do PT, Dirceu trabalha há meses nos bastidores angariando apoio para a campanha de Dilma.

"A minha opinião é a de que o Zé Dirceu tem lugar garantido em qualquer instância diretiva do PT", diz o secretário de Finanças, Paulo Ferreira. "Dirceu pagou o pato, pagou uma conta que não era dele. O mesmo vale para o Genoino", emendou o tesoureiro do PT.

No ano passado, quando a corrente Construindo um Novo Brasil procurava um candidato à presidência do partido, houve quem sugerisse o nome de Dirceu. Foi na mesma época que começou a tomar forma um movimento para que ele voltasse ao Diretório Nacional. Dirceu chegou a dizer ao Estado que recusaria qualquer proposta para retornar à direção petista. Meses depois, seu nome foi incluído na chapa da corrente para a eleição interna realizada em novembro passado. "Tenho orgulho de estar na mesma chapa que José Dirceu, Genoino e outros companheiros", disse Dutra, durante o seminário em São Roque (SP), no último fim de semana, onde foram confirmadas as indicações ao diretório.

A preocupação com a busca de quadros qualificados para a Executiva costuma ser justificada por uma regra estatutária do PT. Pela norma, estão proibidos de permanecer na instância os integrantes que ocuparam o mesmo posto por dois mandatos consecutivos, assim como os que estiveram por três mandatos seguidos em funções diferentes.

Estão livres, por exemplo, o secretário-geral, deputado José Eduardo Martins Cardozo (SP), e o de Organização, Paulo Frateschi. Mas devem sair, obrigatoriamente, nomes como o presidente da sigla, deputado Ricardo Berzoini (SP) e o próprio Ferreira. As negociações prosseguem, mas a expectativa é de que Cardozo fique no posto. O deputado estadual Rui Falcão é cotado para a Secretaria de Comunicação. Já o favorito para o lugar de Ferreira é João Vaccari Neto, presidente da Bancoop. Estadão

23.1.10

Personagem 'Higienizado'

Lula retratado em filme é 'bom demais para ser verdade', diz 'Economist'

RIO - Um artigo publicado na edição desta semana da revista inglesa "The Economist" afirma que o filme "Lula, o filho do Brasil" é uma versão adocicada da vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto, intitulado "Lula, Higienizado", diz ainda que o personagem de Lula apresentado no filme "é bom de mais para ser verdade".


"Lula, filho do Brasil é a história de um garoto pobre que subiu na vida, cujas virtudes foram capturadas em close-up, mas cujos defeitos ficaram na mesa de edição", critica o artigo.



"Ele (Lula) é bom demais para ser verdade: estudante perfeito, marido perfeito e um político moderado que repudia a violência", completa.

O artigo ressalta ainda que há divergências até mesmo em relação ao livro que serviu de base para o filme. O incidente em que um diretor de uma fábrica é jogado de uma janela durante uma greve teria tido a aprovação de Lula. No filme, porém, o presidente deixa a fábrioca chocado.


"É uma pena. Uma versão com mais nuances não diminuiria a formidável trajetória e as conquistas de Lula", aponta o texto.

De acordo com a revista, o filme contribui para a criação do mito em torno de Lula e pode ajudar também sua candidata à sucessão presidencial, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.


"Beneficiar-se de um pouco do carisma de Lula é a maior esperança para Dilma chegar à presidência em outubro e há sinais de que isso já esteja acontecendo", diz a reportagem. O Globo

19.1.10

A conta Tiger em Taiwan

Revista Época

A investigação suspensa sobre a Camargo Corrêa cita propinas na construção de hospitais e navios-petroleiros – e uma conta no exterior supostamente ligada ao PT

Wálter Nunes Com Ana Aranha e Mariana Sanches

Na quinta-feira 14, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), César Asfor Rocha, determinou a suspensão dos processos criminais e das investigações por lavagem de dinheiro e corrupção contra três diretores da construtora Camargo Corrêa por conta da Operação Castelo de Areia, deflagrada em março de 2009 pela Polícia Federal. Asfor Rocha atendeu a um pedido dos advogados da Camargo, que conseguiram a suspensão com dois argumentos principais. O primeiro: a investigação contra os executivos da empresa começou após uma denúncia anônima, o que afronta a Constituição. O segundo: as quebras de sigilo telefônico teriam sido autorizadas de forma ampla, sem fundamentação precisa.
Nenhuma investigação, por mais meritórios que sejam seus objetivos, pode ser feita ao arrepio da lei. Processos malconduzidos, quando fogem aos trâmites formais, acabam sendo anulados e só fazem insuflar o sentimento de impunidade diante da corrupção. A decisão do ministro Asfor Rocha não é definitiva. A suspensão dos processos vale até o julgamento de um habeas corpus pela 6ª turma de ministros do STJ. Os argumentos dos advogados da Camargo Corrêa são rebatidos pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal, em São Paulo, onde correm os processos da Castelo de Areia. Eles afirmam que a investigação não começou a partir de denúncia anônima, mas com base em indícios colhidos em outra operação da PF, a Downtown, realizada contra doleiros em 2008. A Downtown teria levantado as suspeitas de envolvimento dos executivos da Camargo Corrêa com remessas ilegais de dinheiro. O MPF e De Sanctis afirmam também que as escutas foram feitas legalmente e sem abusos.
A decisão do ministro Asfor Rocha de suspender os processos ocorre em um momento crucial. Dois dias antes, o juiz De Sanctis aceitara parcialmente uma denúncia apresentada pela procuradora da República Karen Kahn, do Ministério Público Federal, contra três diretores da Camargo: Pietro Francesco Bianchi, Dárcio Brunato e Fernando Dias Gomes. De Sanctis aceitou a denúncia na parte relativa a acusações de lavagem de dinheiro e evasão de divisas e abriu processo penal contra os executivos. Ao mesmo tempo, negou a abertura de processo com base em acusações de corrupção contra a administração pública. De Sanctis reconheceu indícios de pagamentos feitos “supostamente de forma ilícita”, mas determinou que o MPF e a PF se aprofundassem na apuração dos casos suspeitos.
Na semana passada, ÉPOCA teve acesso à denúncia da procuradora Karen Kahn. Feita com base num relatório da PF, o documento aponta três casos em que a Camargo Corrêa supostamente teria usado contas no exterior para pagar propinas como forma de conseguir que seus interesses fossem atendidos em contratos com governos e empresas públicas. As conclusões da PF e do MPF foram tiradas a partir da análise de manuscritos e documentos digitais armazenados em dois pen drives apreendidos na casa de Pietro Bianchi, diretor financeiro da Camargo. A denúncia relata operações relativas a construções de hospitais no Pará, a um contrato da Transpetro, empresa ligada à Petrobras, com o Estaleiro Atlântico Sul (no qual a Camargo é acionista), e à aquisição de um terreno no município de Caieiras, região metropolitana de São Paulo.
No caso das obras no Pará, a procuradora Karen Kahn diz que as anotações encontradas com Pietro Bianchi mostram que a Camargo Corrêa teria pago propinas ao PT e ao PMDB relativas a cinco obras de hospitais feitas pelo governo do Pará, nos municípios de Belém, Santarém, Breves, Redenção e Altamira. As obras, realizadas em parceria pela Camargo Corrêa com a construtora Schahin Engenharia, começaram em 2005, ainda no governo de Simão Jatene, do PSDB, mas os pagamentos e execução avançaram nos anos seguintes. Em 2007, a petista Ana Júlia Carepa assumiu o governo paraense, com o apoio do PMDB.
Tamara Saré
NA MIRA
O Hospital Regional do Baixo Amazonas em Santarém, um dos cinco citados pelo MPF na denúncia que fala em propinas para o PT e o PMDB
  Reprodução
  Reprodução

16.1.10

Eles têm outros planos

Por trás do polêmico Programa Nacional de Direitos Humanos está a recorrente tentativa dos radicais do governo de impor medidas autoritárias. Só que agora esse pessoal mira o futuro pós-Lula

Otávio Cabral
Ed Ferreira/AE

MANDOU PARAR ATÉ CERTO PONTO
Lula diz que assinou o documento sem ler os itens mais sensíveis, mas só mudou um e manteve quase todos. Dilma silenciou

VEJA TAMBÉM
Existem algumas obsessões que perseguem o governo Lula desde seu início e, ao que tudo indica, continuarão a existir até o fim. Em dezembro passado, o presidente assinou um decreto lançando o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos – um calhamaço de propostas com o nobre objetivo de pautar ações oficiais para proteger minorias e grupos em risco, como índios e quilombolas. O plano, porém, foi concebido nos moldes de um cavalo de troia. Escondida no corpo das medidas de apelo humanitário, há uma série de propostas que, de tão absurdas, provocaram desentendimentos e protestos de vários setores da sociedade, incluindo uma crise dentro do próprio governo. Os ministros militares, por exemplo, ameaçaram renunciar aos cargos diante da possibilidade de revogação da Lei da Anistia, de 1979, um pacto político e social que permitiu a transição da ditadura militar para a democracia sem maiores confrontos. Diante das pressões, Lula decidiu alterar o trecho do decreto que previa a criação de uma comissão com poderes para apurar e punir os militares envolvidos em crimes durante o regime dos generais. A decisão contornou a revolta na caserna – e apenas isso. O restante do plano continuou intacto.
Roberto Stuckert Filho/Ag. O Globo

O MENTOR DA CRISE
Sob os auspícios de Vannuchi,
lançou-se o programa que causou
atrito com os militares, os produtores
rurais e a Igreja Católica

Elaborado sob os auspícios do secretário Especial dos Direitos Humanos do governo, Paulo Vannuchi, ex-militante de um grupo terrorista dos anos 70, o plano continua ameaçando a liberdade de imprensa e protegendo invasores de terras, além de proibir a exibição de símbolos religiosos em lugares públicos e legalizar o aborto. Embora seja amplo e muitas vezes vago, o PNDH não é apenas uma simples carta de intenções, sujeita a delírios de toda natureza, como alguns representantes do governo tentam fazer crer com o objetivo de minimizar as críticas. A diferença entre o PNDH e outro projeto qualquer é que ele chega ao Congresso assinado pelo presidente da República. É, portanto, uma proposta do governo, analisada pelo governo, que conta com o aval do governo. O peso, evidentemente, muda. Os parlamentares podem alterá-la ou remetê-la para o lixo, mas não é isso que normalmente ocorre. Pontos significativos dos dois programas anteriores foram implementados, como a criação da lei que tornou inafiançável o crime de tortura, a retirada do foro especial para policiais que praticam crimes comuns e o combate ao trabalho infantil – só para citar alguns exemplos. E foi contando com a simpatia natural pelo tema dos direitos humanos que o governo resolveu inserir os contrabandos ilegais no texto.
A manutenção desses planos é um compromisso dos países que participaram da Conferência Mundial da ONU sobre o tema, em Viena, em 1993. No encontro, foram traçadas as diretrizes gerais de proteção aos direitos humanos e inclusão social. O documento do governo Lula é o terceiro elaborado pelo Brasil. Os dois primeiros foram editados em 1996 e 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em linhas gerais, os planos até se parecem nas questões pertinentes ao assunto. A diferença é que o PNDH petista decidiu enveredar por caminhos acidentados. A repercussão de várias de suas propostas foi tão ruim que o presidente Lula se viu obrigado a admitir ter assinado o decreto sem ler os pontos mais sensíveis. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a quem cabe analisar o conteúdo de tudo o que vai parar na mesa do presidente, também se esquivou de responsabilidade – que foi integralmente empurrada para o gabinete do secretário Paulo Vannuchi. Lula, de fato, pode não ter lido o documento. Dilma, muito envolvida com a campanha presidencial, pode ter deixado escapar os absurdos. O que o governo não pode é fazer de conta que tudo não passou de mal-entendido, de um exagero.
Desde o início do governo, o presidente Lula atua como um dique de contenção do PT e de seus esquerdistas mais furibundos. Entregou a eles núcleos periféricos de poder e, assim, os manteve distantes das decisões sobre temas vitais, como a política econômica e os programas sociais, segredos do sucesso de seu governo. "Com milhares de cargos à disposição na administração pública, em fundos de pensão e em estatais, até o mais empedernido partido socialista, se precisar, vira neoliberal", explica o cientista político Rubens Figueiredo. Foi dessa maneira que Lula acalmou o ímpeto dos radicais durante sete anos. A receita valeu até hoje, mas a aproximação do fim do governo fez com que esses grupos, até por questão de sobrevivência política, deixassem o estado de letargia. O PNDH é um exemplo. Ele propõe apurar os crimes dos militares, mas nada fala sobre as execuções perpetradas pelos terroristas de esquerda. "Uma boa parte do PT é ressentida com Lula por não ter sido protagonista do seu governo. Como não dá mais, prepara o terreno para o futuro", afirma um dos coordenadores da campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff, preocupado com o cerco que já se avizinha. Dilma não tem a mesma liderança nem a autoridade de Lula dentro do partido. Também não terá a sua popularidade. Por fim, é dona de uma biografia mais ideológica do que a do presidente. Ela, inclusive, integrou um grupo que participou da luta armada contra o regime militar, da qual Lula manteve distância estratégica. Os radicais acreditam que, caso Dilma seja eleita, encontrarão no seu governo um porto mais seguro – e um caminho mais livre para agir.
Ao que parece, contudo, a ministra não está satisfeita com esse pessoal. Mais magra e bronzeada após uma temporada em um spa no Rio Grande do Sul, na terça-feira, durante a primeira reunião do ano do comando de sua campanha, Dilma reclamou muito da polêmica criada por Paulo Vannuchi e pediu ao futuro presidente do PT, José Eduardo Dutra, que controle os radicais do partido para evitar qualquer tipo de problema. Em público, porém, ela silenciou sobre o Programa de Direitos Humanos. Assim como Lula, a ministra tem procurado se mover de olho na bússola eleitoral. A avaliação de sua equipe é que não valeria a pena criar neste momento um fato que pudesse decepcionar o eleitorado mais à esquerda. Isso está de acordo com a estratégia política geral que vai nortear o comportamento de Dilma até sua saída do governo, que deve acontecer em abril. A principal recomendação é que ela evite justamente entrar em temas polêmicos.
Ainda assim, ela permanece ministra. A Casa Civil é responsável por analisar a legalidade e a constitucionalidade de todos os projetos do governo antes de enviá-los à Presidência. Deve também resolver divergências e conflitos de interesse entre ministérios. Apesar disso, o Programa de Direitos Humanos passou pela mesa da ministra e chegou às mãos de Lula com vários focos de atrito entre setores do governo, como os que envolveram Paulo Vannuchi e o ministro Nelson Jobim, da Defesa, no caso dos militares; e os ministros Guilherme Cassel, da Reforma Agrária, e Reinhold Stephanes, da Agricultura, no caso das invasões de terra. Independentemente das conveniências eleitorais, seria muito bom para o país saber o que Dilma pensa a respeito.

REAÇÃO NO CAMPO
Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura,
reagiu contra a proteção a invasores de terra
no programa
Andre Dusek/AE



Como é feita uma lei

Na contramão da frase antológica do chanceler alemão Otto von Bismarck (1815-1898) – "As leis são como as salsichas. O melhor é não ver como são feitas" –, explica-se aqui como elas são produzidas no Brasil. Os pontos polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos não têm aplicação imediata, pois serão enviados ao Congresso como projetos de lei. Da chegada de um projeto ao Legislativo até a sua aprovação, há um longo caminho. Existem hoje nos escaninhos do Congresso mais de 1 300 projetos em tramitação. No ano passado, deputados e senadores aprovaram 101 propostas. Ou seja, menos de 8%. Há duas razões para isso: a pouca relevância da maioria das proposições e o complexo trâmite pelo qual um projeto passa até ser aprovado. Há quatro maneiras de uma lei ser proposta: pelo Executivo, pelo Judiciário, pelos próprios deputados e senadores ou por iniciativa popular. No ano passado, 58 leis aprovadas tiveram origem no próprio Congresso, contra 43 do Executivo. O Judiciário não conseguiu aprovar nenhum projeto, e a única proposta de iniciativa popular apresentada, a que proíbe a candidatura de políticos de ficha suja, não chegou a ser votada.
Produzir uma lei é um processo demorado. Quando o projeto é apresentado na Câmara dos Deputados ou no Senado, o presidente da Casa avalia sua importância para nomear um relator e definir o calendário de tramitação. Os projetos significativos passam por comissões temáticas, nas quais são minuciosamente analisados, para depois seguir para o plenário, onde são necessários, no mínimo, 257 deputados ou 41 senadores para pô-los em votação. Se forem a plenário, sua aprovação requererá maioria simples. A exceção são os projetos que modificam o texto da Constituição. Para serem sancionados, eles precisam dos votos de três quintos dos parlamentares – 308 deputados e 49 senadores. Toda proposição aprovada na Câmara vai para o Senado, que é a Casa revisora. Se os senadores também a aprovarem, sem modificações, a lei será enviada ao presidente da República, que ainda poderá vetá-la. É esse caminho que o plano de direitos humanos petista terá ainda de percorrer – e que certamente vai servir para decantar tudo o que foi feito como as piores salsichas de Bismarck.

A tragédia dos heróis brasileiros

Morreram no terremoto dezesseis brasileiros, catorze deles do Exército, e outros quatro militares ainda estavam desaparecidos até sexta-feira. É o maior número de baixas em operações internacionais desde a II Guerra Mundial
Fotos Eduardo Munoz/Reuters e Minustah.org

RESGATE DIFÍCIL
Ao lado, a sede da Minustah, a missão da ONU, onde cinco brasileiros ficaram soterrados.
Acima, o tenente-coronel Alexandre Santos (com a cabeça coberta por poeira) é salvo
dos escombros do prédio, em Porto Príncipe

O Brasil enfrentou sua própria tragédia nacional em solo haitiano. Foram confirmados, até sexta-feira passada, dezesseis mortos brasileiros no terremoto: Zilda Arns, da Pastoral da Criança, o diplomata Luiz Carlos da Costa – que ainda não havia sido encontrado, mas cuja morte era dada como certa pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim – e catorze integrantes do Exército que participavam da força de paz da ONU. Nas próximas páginas, há um perfil de cada um deles. São histórias de homens idealistas, apaixonados pela carreira das armas e cheios de planos para proporcionar, com o soldo reforçado que receberam durante a missão, melhores condições de vida a suas famílias.
Há também 25 militares brasileiros feridos, três deles em estado grave. Outros quatro estavam na lista de desaparecidos. Eles se encontravam no Hotel Christopher, um prédio de cinco andares transformado em sede da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah, na sigla em inglês), que ficou destruído. No momento do tremor, o coronel João Eliseu Souza Zanin, o tenente-coronel Marcus Vinicius Macedo Cysneiros e os majores Francisco Adolfo Vianna Martins Filho e Márcio Guimarães Martins estavam no 3º andar do prédio. Por isso, há poucas chances de que possam ter sobrevivido. O terremoto aconteceu quando os oficiais acertavam com colegas de farda de outros países detalhes da troca de tropas – realizada a cada seis meses. O general brasileiro Floriano Peixoto Vieira Neto, comandante dos capacetes azuis no Haiti, estava fora do país, de férias. Outros dois oficiais do Exército que também participavam da reunião, os tenentes-coronéis Alexandre Santos e Adriano Azevedo, só escaparam porque desceram ao 1º andar minutos antes de o prédio começar a ruir. Na sede estavam ainda os mais altos representantes civis da ONU no país, o tunisiano Hedi Annabi, cuja morte já foi confirmada, e seu vice, o carioca Luiz Carlos da Costa. Estima-se que mais de 100 pessoas estejam soterradas sob os escombros da sede da Minustah.
O Exército brasileiro sofreu, no terremoto, o maior número de baixas em missões no exterior desde a II Guerra Mundial. Um dos mortos, o coronel Emílio dos Santos, estava na sede da Minustah. Outros três (dois do 2º e um do 37º Batalhão de Infantaria Leve) se encontravam no Forte Nacional, um posto de patrulhamento situado no centro da cidade, cuja estrutura não resistiu aos abalos. Os dez militares restantes pertenciam ao 5º Batalhão de Infantaria Leve e estavam na Casa Azul, um posto situado na entrada da favela Cité Soleil, que também desmoronou. "O trabalho das forças brasileiras foi essencial para reduzir a criminalidade em Cité Soleil e em toda a capital", diz o porta-voz da ONU no Brasil, Giancarlo Summa. Os brasileiros lideram a parte militar da Minustah desde o seu início, em 2004, depois que o presidente Jean-Bertrand Aristide foi derrubado por forças rebeldes. O Brasil mantém 1 266 militares no Haiti, mais do que qualquer outro país que participa da missão, e já gastou 703 milhões de reais na empreitada. Antes da tragédia, a ONU considerava o país caribenho pacificado. Isso havia sido alcançado sem que tombasse em combate um único brasileiro sequer. Até a terça-feira de pesadelo, as únicas quatro mortes nas fileiras brasileiras ocorreram por acidente, doença ou suicídio. A elas se somam, agora, as dos heróis vitimados pelo maior terremoto ocorrido no Haiti em 200 anos.


Raniel Batista de Camargos, de 43 anos
Subtenente do 37º Batalhão de Infantaria Leve, de Lins, São Paulo

Arquivo pessoal


Em julho do ano passado, quando embarcou para o Haiti, em sua primeira viagem internacional, Raniel estava orgulhoso porque sentia que faria parte de uma grande missão – a reconstrução de um país. Sua volta ao Brasil estava prevista para o próximo dia 28. No momento do terremoto, o subtenente estava cantando parabéns para a filha Giovanna, que fazia aniversário de 6 anos naquele dia. Eles estavam se comunicando pela internet, por webcam – a menina no Brasil, o pai no Haiti. De repente, a imagem sumiu da tela. E não voltou mais. Raniel foi o quarto filho que o casal Geraldo e Olímpia de Camargos, de Patos de Minas (MG), perdeu. "Eles estão sem chão. Minha mãe só chora. Meu pai não falou nada, só senti as costas dele tremendo quando o abracei", diz Geraldo, irmão de Raniel. Faltavam cinco anos para o subtenente aposentar-se. Além de Giovanna, ele deixa a viúva, Heloísa, e o filho caçula, Luís Gustavo, de 2 anos.


Ari Dirceu Fernandes Junior, de 23 anos
Cabo do 2º Batalhão de Infantaria Leve, de São Vicente, São Paulo

Arquivo pessoal


O cabo Ari Dirceu estava feliz com a volta ao Brasil, programada para o fim do mês, porque tinha planos de se casar com a namorada, Vanessa. Pai de Cauana, de 3 anos, de um casamento anterior, Ari Dirceu tinha o nome da filha tatuado no braço. "Eu perdi um amor que não vai mais voltar", diz Vanessa.


Washington Luis de Souza Seraphin, de 23 anos
Cabo do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena, São Paulo

Fernando Cavalcanti


"Mãe, aguente só mais um pouco. Preciso cuidar deste povo." Com essas palavras, Washington tentava amenizar a saudade que Cleonice sentia do filho. "Ele tinha mesmo um espírito solidário. Mesmo estando tão longe, nunca deixou de cuidar de mim", diz ela. Depois de cinco anos no Exército, Washington preparava-se para retomar a faculdade de biologia, em Lorena. Dois dias antes da tragédia, mostrou pela webcam ao pai, Luis, uma medalha que ganhara pelos serviços prestados no Haiti. "Esta eu guardei para o senhor", disse, orgulhoso. A outra mão apoiava-se na mala, já pronta para a volta ao Brasil. Além da festa de recepção, prevista para o sábado 16, outra, de noivado, ocorreria no fim de semana seguinte.


Douglas Pedrotti Neckel, de 23 anos
Cabo do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena, São Paulo

Arquivo pessoal


A última pessoa da família com quem o gaúcho de Cruz Alta conversou antes de morrer foi sua cunhada, Gisele Gomes, três horas antes do terremoto. "Estou ansioso e com saudade de todos. Diga que amo todo mundo. Já estou com as malas arrumadas pra partir!", disse Douglas, que vivia fazia catorze anos em Lorena. Foi lá que ele entrou para o Exército. Estudante de administração, o militar trancou o curso para servir no país caribenho. "Nós da família éramos contra essa decisão, mas ele nos disse que queria muito ajudar as pessoas que estavam por lá, que aquele seria um grande aprendizado para sua vida", diz sua prima, Ana Júlia Pedrotti, que morava com Douglas e seus pais, Valmir e Ana Lúcia Neckel, em Lorena. Ana Júlia diz que Douglas pensava em voltar para o Brasil, sair do Exército e retomar os estudos.


Leonardo Castro Carvalho, de 29 anos
Segundo-sargento do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena, São Paulo

Marcos Michelin/em/D.A Press


Mineiro de São João Del Rey, chegou a ser dispensado do serviço militar, mas insistiu e estudou muito até passar no exame para a escola de sargentos. Sua grande paixão, além do Exército, era praticar motocross. Por diversas vezes, foi campeão regional desse esporte.


Tiago Anaya Detimermani, de 23 anos
Soldado do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena, São Paulo

Fotos Fernando Cavalcanti e Marcio Fernandes/AE


Tiago, nascido em Cachoeira Paulista, tornou-se voluntário da força de paz influenciado pelos relatos de amigos que tinham servido no Haiti. Em novembro de 2008, casou-se no cartório com sua amiga de infância, Rosilene. Poucos meses depois, soube que havia sido escolhido para viajar para o país caribenho. "Ele passou a ter receio de ir, porque não queria me deixar aqui sozinha", diz a viúva. Mas já não era possível voltar atrás. O casamento religioso estava marcado para 10 de abril. Sua mãe, Dalila (à esquerda), diz que o filho sonhava em ser pai e contava com carinho da amizade feita com crianças haitianas. Poucos dias antes de Tiago morrer no terremoto, um menino de rua de Porto Príncipe lhe deu uma recordação para trazer ao Brasil: uma bandeira do Haiti.


Rodrigo Augusto da Silva, de 24 anos
Soldado do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena

Fernando Cavalcanti


Rodrigo não era só um bom soldado. Em sua cidade natal, Cachoeira Paulista, é lembrado como dono de uma bela voz e talento para a viola. Era sempre convidado para tocar nas missas locais. A oportunidade de ir ao Haiti surgiu, pela primeira vez, em 2004. Para sua frustração, foi recusado por excesso de contingente. Tentou novamente no ano passado, dessa vez com uma motivação financeira: casado e pai de uma menina de 1 ano, ganhou peso o fato de o soldo ser mais alto em missões internacionais. Rodrigo queria juntar dinheiro para comprar uma casa, já que vivia com a família na residência dos sogros. "Ele conseguiu entrar no Exército, que era um dos seus sonhos. Infelizmente, só deu para seguir até onde Deus quis", resigna-se seu pai, Pedro.


Kleber da Silva Santos, de 22 anos
Soldado do 2º Batalhão de Infantaria Leve, de São Vicente

Arquivo pessoal


Kleber morava em Vila Nova, um bairro muito pobre de São Vicente. O soldado ajudava na renda da casa. "Ele era humilde, alegre, se dava bem com todos e era muito religioso", diz sua prima, Elizabeth. Quando Kleber resolveu se apresentar como voluntário para ir ao Haiti, os pais ficaram apreensivos. "No momento em que recebi a notícia da morte do meu filho, fiquei me sentindo culpado por ter permitido que ele partisse nessa missão", diz seu pai, José. "Mas tenho de me conformar: foi uma decisão de Deus." Kleber estava no Forte Nacional, uma base na favela de Bel Air, quando o terremoto o atingiu.


Antonio José Anacleto, de 25 anos
Soldado do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena

Arquivo pessoal


Antonio era natural de Cachoeira Paulista, caçula de uma família de quatro irmãos. O Exército informou aos parentes que Antonio foi resgatado com vida dos escombros do posto brasileiro na favela de Cité Soleil, em Porto Princípe, mas não resistiu aos ferimentos.


Davi Ramos de Lima, de 38 anos
Segundo-sargento do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena

Fernando Cavalcanti


Davi tinha dois sonhos. Entrar para as Forças Armadas, a exemplo do pai, e se tornar arquiteto. Sua vida foi interrompida antes que pudesse realizar o segundo. "Ele voltaria para o Brasil em poucos dias e queria estudar para o vestibular em 2010, pois tinha muito talento para a arquitetura", diz o irmão, José Ari. Nascido em Garanhuns, em Pernambuco, Davi era casado e deixou dois filhos, de 5 meses e de 7 anos, além de uma enteada de 14. Ele estava realizado com seu trabalho na força de paz e cheio de esperanças em relação ao futuro do povo haitiano, ao qual sempre se referia com carinho. "A viagem o deixou ainda mais amoroso com a família", diz a mulher, Fernanda.


Felipe Gonçalves Júlio, de 22 anos
Soldado do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena

Felipe Cavalcanti


Felipe, paulista de Lorena, almejava desde criança a carreira militar. Um avô combateu na II Guerra Mundial e o irmão, Fábio Rian, é da PM. Felipe (na foto, com a mãe, Ruth) orgulhava-se de, apesar de jovem, ter participado de missões relevantes, como a de fazer a segurança do papa Bento XVI em sua visita ao Brasil, em 2007. Poucos dias antes de ser convocado para servir em Porto Príncipe, apaixonou-se por Camila Samara da Silva. O namoro a distância, mantido à custa de contatos quase diários pela internet, foi interrompido antes que pudesse deixar de ser apenas virtual. O reencontro seria no sábado 16, quando Felipe deveria voltar ao Brasil.


Bruno Ribeiro Mário, de 26 anos
Primeiro-tenente do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena

Reprodução/Ag. RBS/Folhapress


A família de Bruno está em choque. Faltavam apenas quatro dias para a volta do primeiro-tenente ao Brasil. Na segunda-feira, um dia antes do terremoto, ele disse ao pai, Alacir, que estava empolgado com o retorno e que pretendia comemorar seu aniversário, no dia 8 de fevereiro, em sua cidade natal, Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Na madrugada da quarta-feira, Alacir foi acordado por militares da cidade para receber a notícia da morte de seu filho em serviço. Bruno era da segunda geração de militares da família. Seu pai e outros quatro tios se aposentaram pelo Exército. Em Porto Príncipe, Bruno costumava ser destacado para patrulhar a cidade. "Ele sempre dizia que foi para desempenhar tarefas como essa, de trazer paz a uma nação, que ele havia entrado para as Forças Armadas", diz o tio, Arnaldo.


Luiz Carlos da Costa, de 60 anos
Vice-representante especial da ONU no Haiti

Arquivo pessoal


O carioca Luiz Carlos da Costa estava no auge de sua carreira na ONU, onde trabalhava havia quarenta anos. Nove anos atrás, passou a integrar o seleto grupo de funcionários destacados para chefiar missões de paz. Esteve na Libéria e no Kosovo, antes de assumir o segundo posto da missão no Haiti. Ele era casado com Cristina (de branco) e pai de Marianna, de 21 anos (à esquerda) e Anna Maria, de 23 (no centro). Luiz Carlos da Costa ficaria no Haiti até o fim do ano. Considerava-se bem adaptado ao país. "Ele garantia que lá havia restaurantes franceses melhores do que os de Nova York", diz seu irmão, Cesar. Até sexta-feira passada, o diplomata era dado como desaparecido, mas já não havia esperanças de que fosse encontrado com vida. Uma carreira brilhante foi soterrada pelos escombros da sede da missão.


Emílio Torres dos Santos, de 46 anos
Coronel do Gabinete do Comandante do Exército, em Brasília

Arquivo pessoal


Nascido em Crateús, no Ceará, o coronel desempenhava no Haiti a missão mais importante de sua carreira. Ele era o braço direito do comandante da força de paz no país, o general Floriano Peixoto Vieira Neto. A conquista do cargo era o reconhecimento pelas qualificações obtidas em quase trinta anos no Exército. Filho de militar, Emílio era especialista em paraquedismo, tinha cursos de guerra na selva e chegou a contrair leishmaniose numa missão na Amazônia. Esta era sua segunda passagem pelo Haiti. Em 2011, completaria o tempo necessário para entrar na reserva, mas seu plano era continuar na corporação. "Emílio era muito corajoso, não tinha medo de nada", diz sua mulher, Ana Paula. Na terça-feira, ele, que se comunicava com ela todos os dias pela internet, não entrou em contato. Estava no Hotel Christopher quando o prédio desabou. Emílio deixou duas filhas: Tatiana, de 13 anos, e Ana Carolina, de 7.


Rodrigo de Souza Lima, de 23 anos
Terceiro-sargento do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena

Arquivo pessoal


Rodrigo faria 24 anos nesta semana e estava tudo preparado para que ele pudesse comemorar o aniversário com a família em Piraí, no Rio de Janeiro. "Ele queria se aposentar no Exército. Era o que gostava de fazer", diz seu irmão, Tiago.

10.1.10

Entrevista com secretário do SEDH, Rogerio Sottili

SEDH: Agricultura contribuiu na elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos
Luciana Lima
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Brasília - O secretário adjunto da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Rogério Sottili, deu entrevista à Agência Brasil sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos
Brasília - O secretário adjunto da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Rogério Sottili, deu entrevista à Agência Brasil sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos
Brasília - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) tem sido alvo de diversas críticas, mas segundo o secretário adjunto da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Rogério Sottili, o programa foi construído com a participação da sociedade civil, envolvendo vários ministérios.

Em entrevista à Agência Brasil, Sottili informou que foram dois anos de debate, intensificados no último ano com a participação das demais Pastas da Esplanada dos Ministérios.

De acordo com o secretário, as reclamações do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes de não ter participado da elaboração do plano são infundadas. “O ministro Stephanes pode não estar bem informado”, disse o secretário que está à frente da SEDH no período de férias do ministro Paulo Vannuchi.

“O Ministério da Agricultura foi ouvido e recebemos de lá inúmeras respostas assinadas por vários secretários, coordenadas por secretários executivos. Mais do que isso, eles fizeram sugestões ao plano”, disse Sottili, que estranhou também a reação dos ruralistas ao programa.

“É até compreensível a surpresa, porque são setores que sempre tiveram dificuldade de debater o tema dos direitos humanos. Nunca deram muita importância a esse debate e, quando assistem a um programa que tenta sistematizar uma política de Estado para a questão dos direitos humanos, se sentem surpreendidos por isso.

Agência Brasil:
O senhor imaginou que o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) provocaria tanta reação, até mesmo dentro da Esplanada dos Ministérios?
Rogério Sottili:
Não esperava. O propósito do programa já foi construído com debate em todo Brasil. Há mais de dois anos estamos nesse processo de construção. No último ano, mais intensamente em toda a Esplanada dos Ministérios, em todos os poderes e com a sociedade civil. A repercussão que está ocorrendo e a polêmica em torno do programa têm um lado muito positivo e outro muito negativo. O lado positivo é que é muito importante e extremamente agradável, extremamente democrático, saber que um tema de tão difícil sensibilização dos setores públicos, dos setores políticos, tem provocado debate. O fato de as pessoas se debruçarem e dedicarem tanto tempo a esse debate é muito importante. O lado negativo disso é que lamentavelmente a gente vê um debate muito viciado, a partir de uma visão muito negativa dos direitos humanos. Mas até isso é parte da democracia, dos direitos humanos. Acho que temos que comemorar e enfrentar esse debate. Vamos aproveitar ao máximo para fazer com que o Brasil dê mais um salto importante na direção dos direitos humanos.

ABr:
A reação dos ruralistas surpreende, ou já era esperada?
Sottili:
É até compreensível a surpresa porque são setores que sempre tiveram dificuldade de debater o tema dos direitos humanos. Nunca deram muita importância a esse debate e quando assistem a um programa que tenta sistematizar uma política de Estado para a questão dos direitos humanos, se sentem surpreendidos por isso.

ABr:
Mas a própria surpresa com que as medidas foram recebidas também não surpreende o governo, na medida em que o programa apenas institucionalizou ações que já ocorrem, como as câmaras de conciliação de conflitos no campo, por exemplo?
Sottili:
Exatamente. Esse é o lado negativo. Mas nós vamos impedir isso. Vamos levar o debate para o bom debate. Eu digo que é viciado porque é um debate que já existia. Essa mediação de conflito já havia sido finalizada, de forma genérica, no PNDH-2, elaborado por Fernando Henrique Cardoso. É ruim ver que, quando se tenta fazer um debate tão importante, percebe-se uma tendência de tentar politizar a discussão do ponto de vista da campanha eleitoral. Tenta-se desgastar o governo utilizando o tema dos direitos humanos. Isso é ruim.

ABr:
A criação das câmaras de conciliação recebeu críticas do setor do agronegócio que acredita que haverá mais violência no campo. O que o senhor pensa sobre isso?
Sottili:
A mediação de conflito é o instrumento mais moderno e impressionante que exite no Estado brasileiro para enfrentar o problema da violência. Ela não existe não só no Estado brasileiro, é experimentada por outros países também. [É tão moderna] que o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], comandado pelo ministro Gilmar Mendes, colocou a campanha de mediação como um das mais importantes do [conselho]. O CNJ criou o Fórum Nacional de Acompanhamento de Conflitos Fundiários e o presidente Gilmar Mendes esteve pessoalmente, acompanhado do presidente do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] Rolf Hachbart, além do ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, em Marabá, em dezembro. Em dois dias eles reuniram os juízes, os promotores, os movimentos sociais, os proprietários e resolveram, por meio da mediação, um conflito que existia há dois anos. Em 2003 nós tínhamos 49 mortes em conflitos agrários. No ano passado nós tivemos uma morte.

ABr:
Mas então por que o senhor acredita que a mediação vem causando tanta polêmica?
Sottili:
O plano busca resolver pacificamente o conflito. Quem pode ser contra isso? Há setores que não têm interesse de resolver conflitos. Há setores que se alimentam do conflito e, em ano eleitoral, é possível que tentem aproveitar para tentar desqualificar o debate.

ABr:
A SEDH tem dito que o debate para a construção do PNDH-3 envolveu toda sociedade e também todos os ministérios. Mas o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes se queixou que sua pasta não participou das discussões. Alijar o Ministério da Agricultura desse processo de discussão não pode comprometer as políticas voltadas para a paz no campo?
Sottili:
O ministro Stephanes pode não estar bem informado. Isso pode ocorrer nos ministérios em função do dia a dia. Mas o fato é que todos os ministérios que tinham ações no PNDH-3 foram ouvidos, envolvidos, durante todo o processo de construção e de discussão do programa. Em julho, todos os ministérios receberam a versão inicial do PNDH-3. Foi dado a cada pasta um mês para que estudassem o plano, reagissem concordando, discordando, fazendo emendas, fazendo sugestões, alterando.

ABr:
Houve resposta do Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento]?
Sottili:
O Mapa foi ouvido e recebemos de lá inúmeras respostas assinadas por vários secretários, coordenadas por secretários executivos. Mais do que isso, eles fizeram sugestões ao plano. O Ministério da Agricultura foi ouvido, teve participação na elaboração do programa.

ABr:
O senhor poderia citar uma sugestão do Mapa aceita no PNDH-3?
Sottili:
O Ministério da Agricultura, por exemplo, solicitou ser um dos responsáveis pela garantia do direito de informação do consumidor, que prevê ações de acompanhamento de mercado, inclusive com a rotulagem dos transgênicos. A solicitação foi aceita e o Mapa aparece como responsável, ao lado dos ministérios da Justiça, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além das agências reguladoras.

ABr:
Mas a SEDH não extrapola suas funções ao propor medidas que são próprias de outras pastas do governo?
Sottili:
O PNDH-3 é inovador em vários temas porque ele consegue propor um programa que não é de responsabilidade da Secretaria de Direitos Humanos. É um erro pensar que o que está sendo proposto é uma política para ser executada pela Secretaria de Direitos Humanos. É muito mais do que isso. É um programa de governo, é um programa de Estado que não visa a ser executado durante o governo Lula, mas é uma política de Estado que deve ser executada nos próximos governos. O governo Lula teve o PNDH como norteador de sua política de direitos humanos o PNDH2 elaborado pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 2002, que foi muito importante e o aplaudimos. O PNDH 3, que está sendo lançado agora, no final do governo Lula, é um programa tendo como visão uma política de estado. Educação é direitos humanos, então precisamos ter o envolvimento do Ministério da Educação, das secretarias de Educação. Saúde é direitos humanos. Então, é super importante considerarmos que essa questão de direitos humanos é muito mais ampla, por isso envolveu mais de 31 ministérios com ações específicas sobre ela. O [programa] é amplo porque os direitos humanos são amplos por natureza. Eles abarcam direitos civis, direitos políticos, direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais também.

ABr:
Outro ponto nevrálgico do PNDH-3 é a criação da Comissão da Verdade, que terá o objetivo de apurar crimes cometidos durante o período da ditadura militar. Essa medida não fere a Lei de Anistia de 1979?
Sottili:
Em nenhum momento se colocou em debate o questionamento da Lei de Anistia. Esse questionamento da abrangência da lei sobre os crimes de tortura está no Supremo Tribunal Federal e não cabe a nós discutir o que já foi encaminhado para lá. Dizer que o plano revoga a Lei de Anistia é maquiar, é deturpar o bom debate. O próprio ministro Jobim [Nelson Jobim, ministro da Defesa] admite que o PNDH não implica a revisão da Lei de Anistia. Tanto é verdade, que a Diretriz 23 manda observar as disposições da Lei da Anistia (Lei 6683/1979).

ABr:
Mas a Comissão da Verdade teria o objetivo somente de esclarecer os fatos, ou ela poderia esclarecer os fatos e punir os responsáveis?
Sottili:
Toda essa abrangência da Comissão da Verdade será definida pela comissão que vai elaborar a proposta de projeto de lei que será encaminhada ao Congresso. A limitação, a abrangência, os termos, tudo isso está em construção. O que está decidido pelo plano é que deverá ser criada uma comissão, dentro do limite da lei e dentro do limite constitucional.

ABr: Essa reação dos ministros de algumas áreas terá que ser equacionada pelo próprio presidente Lula que volta segunda-feira ao trabalho?
Sottili: Sim, exatamente. Isso é natural. Para o presidente Lula, com a sua sabedoria, com a sua tranquilidade, tenho certeza que isso não será problema.

Edição: Tereza Barbosa e Rivadávia Severo

MST - Predadores da floresta

O MST descobriu na selva um instrumento bem curioso para "promover a reforma agrária" no país: a motosserra.
Com ela, os sem-terra estão devastando a Amazônia

Otávio Cabral
J.F. Diorio/AE

CUPINS HUMANOS
Os sem-terra encontraram na selva uma milionária fonte de renda com a extração ilegal de madeira

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está em acelerado processo de mutação. Foi-se o tempo em que seus militantes tentavam dissimular as ações criminosas do grupo invocando a causa da reforma agrária. Há muito isso não acontece mais. Como uma praga, o MST ataca, destrói, saqueia - e seus alvos, agora, não são mais apenas os chamados latifúndios improdutivos. Os sem-terra têm se especializado também em invadir fazendas no coração da Floresta Amazônica. As terras da região são de difícil manejo para a agricultura, mas isso pouco importa. Nelas pode-se encontrar em abundância algo bem mais valioso: a madeira. Hoje, existem cerca de 1 000 propriedades rurais invadidas apenas no estado do Pará. Metade delas foi devastada para a retirada ilegal de árvores nobres, como ipê, jatobá e cedro, que atingem altas cotações no mercado. As fazendas localizadas na Amazônia são obrigadas por lei a preservar 80% de suas áreas de floresta. Isso significa que as propriedades rurais guardam um imenso tesouro, e também explica por que o MST substituiu a foice pela motosserra.
O caso mais emblemático da nova modalidade de banditismo do movimento pode ser observado na Fazenda Santa Marta, em Tailândia, a 240 quilômetros de Belém. A propriedade tem 20 000 hectares, dos quais 16 000 de floresta nativa. Os sem-terra a invadiram e permaneceram lá até novembro do ano passado. Não plantaram um único pé de feijão, mas dizimaram 2 000 hectares da mata. Uma perícia contratada pelos fazendeiros estimou que 100 000 metros cúbicos de madeira nobre foram retirados da reserva, o equivalente ao corte de aproximadamente 25 000 árvores. No mercado, as toras valem ao todo 40 milhões de reais. "O que os invasores não conseguiram cortar, destruíram. A terra ficou arrasada", afirma Dario Bernardes, o dono da Santa Marta, que obteve a reintegração de posse na Justiça. Como a devastação é lucrativa, o MST e outros movimentos rurais se associaram às madeireiras ilegais. O movimento arregimenta os "sem-terra" entre desempregados e desocupados da região, e as madeireiras cuidam da logística. Depois da invasão, as árvores são derrubadas e cortadas em toras. Caminhões e tratores das madeireiras são enviados para ajudar no transporte. O que sobra é transformado em carvão nos fornos construídos pelos próprios invasores.
Antonio Cruz/ABR

CUMPLICIDADE
A leniência de Ana Júlia com o MST quase causou uma intervenção no Pará

A ação predatória dos sem-terra está documentada em fotos, vídeos e imagens já exibidas ao ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e ao presidente do Incra, Rolf Hackbart. Mas, como sempre, o governo opta pelo silêncio negligente. "Sou da base governista no Congresso, apoio o presidente Lula e tudo o que ele faz de bom pelo país. Mas não posso contemporizar com o que é ilegal, com essa leniência com o MST", afirma o deputado Giovanni Queiroz, do PDT do Pará, membro da Comissão de Agricultura da Câmara. O conflito entre fazendeiros e predadores da floresta já rendeu situações bizarras, como a do proprietário que recebeu uma multa do Ibama, no valor de 1,5 milhão de reais, por causa da devastação em suas terras, ocupadas havia meses pelos sem-terra. "Eles invadem minhas terras, destroem a floresta, impedem meu trabalho e eu ainda sou multado. É inaceitável", protesta Vitório Guimarães, dono da Fazenda Vitória Régia, em Santana do Araguaia, no sul do estado.
O Pará é a terra prometida dos sem-terra da motosserra. Levantamentos do Incra revelam que os trabalhadores formalmente assentados pelos programas de reforma agrária são responsáveis por índices de destruição da floresta proporcionalmente muito maiores aos de agricultores e pecuaristas da região. No caso dos invasores, a situação é caótica. Eles contam com a conivência e a leniência do governo do estado, que, em vez de reprimir e coibir os crimes ambientais, faz exatamente o contrário. Quando acionada, a governadora Ana Júlia Carepa, do PT, não só impede a ação de sua polícia contra o MST como também ajuda os criminosos, distribuindo lonas e cestas básicas nos acampamentos. O desrespeito à lei é tamanho que já houve até um pedido de intervenção federal no estado, solicitado pela Confederação Nacional da Agricultura. Em setembro passado, o Tribunal de Justiça do Pará aprovou a intervenção por 21 votos a 1. O processo foi enviado ao Supremo Tribunal Federal, que pediu informações à governadora antes de julgá-lo. Para evitar a punição que se avizinhava, Ana Júlia determinou que a polícia cumprisse as reintegrações de posse das fazendas invadidas. Diz o desembargador Otávio Marcelino, ouvidor agrário da Justiça do Pará: "Foi necessária a ameaça de intervenção para que se começasse a cumprir a lei e respeitar as decisões da Justiça contra os sem-terra".

A sequência do crime

O MST descobriu que derrubar árvores da Floresta Amazônica é bem mais fácil, rápido e lucrativo que plantar pés de feijão


1. A INVASÃO
Financiados por madeireiros, os sem-terra invadem a floresta armados de motosserras e botam abaixo as árvores nobres


2. A TRANSFORMAÇÃO
As árvores são cortadas em toras e transportadas em caminhões de madeireiras ilegais para ser vendidas


3. A DESTRUIÇÃO
Os restos de madeira nobre e as árvores de menor valor são transformados em carvão nos fornos construídos pelos sem-terra nas áreas invadidas


4. O DESASTRE AMBIENTAL
Imagens aéreas mostram a devastação da floresta em áreas de preservação ambiental invadidas pelo MST na Fazenda Vitória Régia, no sul do Pará

Um golpe em andamento!

Coisa de maluco
Ai, ai... Um decreto do governo defende a censura à imprensa e ataca o direito de propriedade. Pelo jeito, eles não desistem

DESUMANO
O secretário Paulo Vannuchi, ex-militante de organização terrorista e artífice do decreto: se não foi com revólver, vai com caneta

Era pior do que parecia - e a aparência já não era nada boa. Em dezembro, o Decreto dos Direitos Humanos, gestado pelo secretário especial de Direitos Humanos, o ex-terrorista de esquerda Paulo Vannuchi, provocou uma crise nas Forças Armadas ao propor a revisão da Lei da Anistia e a punição dos militares que cometeram crime de tortura durante o regime ditatorial. O surto de revanchismo constrangeu até o presidente Lula - obrigado a dizer que havia assinado o documento sem lê-lo. A afirmação do presidente fica tanto mais surpreendente agora, quando se revela a amazônica extensão do decreto cuja parte mais relevante ainda deve ser votada no Congresso. É praticamente uma revogação da Constituição Federal na garantia dos direitos democráticos mais básicos. Ao longo de 73 páginas eivadas de vociferações ideológicas e ataques ao "neoliberalismo" e ao agronegócio, o documento volta a propor o controle da imprensa, a prática de referendos e outras práticas de "democracia direta", e a criação de leis que protegem invasores de terra em detrimento de suas vítimas. Nos três casos, fica claro que a preocupação com os "direitos humanos" figura no documento muito menos como propósito do que como pretexto para tentar fazer descer goela abaixo da sociedade propostas que o governo já tentou impingir-lhe de outras formas, sem sucesso.
Além de propor punições, que vão de multa à cassação de outorgas, a veículos de comunicação que publiquem informações consideradas contrárias aos direitos humanos, o decreto prevê um "acompanhamento editorial" das publicações de modo a elaborar um ranking de veículos que mais respeitam ou violam os ditos direitos (da forma como eles são compreendidos pelo governo, evidentemente). Em relação à questão agrária, as medidas que o Executivo pretende aprovar no Congresso não são menos estarrecedoras: o governo quer a "priorização" de "audiências públicas" entre fazendeiros e sem-terra antes que a Justiça conceda liminares no caso de invasões. Se houver mandado de reintegração de posse, o decreto sugere, candidamente, que o cumprimento da ordem seja "regulamentado". Como liminares constituem, por definição, medidas urgentes que se destinam a evitar prejuízos e ordem judicial é para ser cumprida e não regulamentada, resta evidente que o decreto visa a proteger os invasores e obstruir o acesso dos fazendeiros à Justiça.
O decreto produzido pelo ex-terrorista de esquerda Vannuchi - com a colaboração dos ministros Tarso Genro, da Justiça, e Franklin Martins, da Comunicação Social, sempre eles - não se limita, porém, a lançar ideias sobre como censurar a imprensa, extinguir o direito à propriedade e emular o sistema chavista de "consultas populares" como forma de neutralizar os poderes da República. Numa espécie de samba do petista doido, ele dispõe ainda sobre assuntos que vão do apoio às organizações de catadores de materiais recicláveis à mudança de nomes de ruas e prédios públicos - aqueles que não estiverem de acordo com o gosto dos bolcheviques que ora habitam o Planalto, claro.
Na juventude, o secretário Vannuchi tentou transformar o Brasil em uma ditadura comunista por meio da guerrilha - ele foi militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização terrorista esquerdista. Agora, no crepúsculo da vida, tenta fazê-lo à base de canetadas. De uma forma e de outra, o ex-terrorista de esquerda Vannuchi entrou para a história pela porta dos fundos. Seu decreto é como achar que se pode matar inocentes em nome de uma causa política: coisa de maluco.