31.8.09

Pré-sal enfrenta problemas de produção no bloco de Tupi

Produção diária no 1º bloco em teste é a metade da esperada pela Petrobras

Testes foram suspensos por problema em equipamento no fundo do mar; Petrobras afirma que o objetivo é conhecer melhor as reservas

Anunciado como a "porta do futuro brasileiro", o petróleo do pré-sal será motivo de festa nacionalista hoje em Brasília, mas os testes no campo de Tupi mostram que ainda não estão totalmente superados os desafios tecnológicos para explorar a nova riqueza.
A produção no bloco de Tupi, na camada pré-sal, ficou abaixo dos 15 mil barris de petróleo que a Petrobras esperava extrair por dia durante o teste de longa duração iniciado em 1º de maio e interrompido em 6 de julho por problemas técnicos.
Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo), a produção do campo Tupi em maio chegou a 23.883 barris de óleo, o que dá uma média de 796 barris de petróleo extraídos por dia. Já em junho, a produção mensal atingiu 413.819 barris, ou 13.794 diários.
Na média, a produção em Tupi nos dois meses ficou em cerca de 7.300 barris. A expectativa é que, no auge da produção, em 2020, a produção diária de petróleo apenas no bloco de Tupi chegue a 1 milhão de barris. Isso equivale a metade do que a Petrobras produz hoje.
Segundo o geólogo Wagner Freire, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo, a irregularidade na produção é aceitável em uma fase como esta, de teste. Para ele, preocupante foi o fato de o teste ter sido interrompido por problemas no equipamento que fica no fundo do mar.
"A Petrobras está acostumada à profundidade de 2.000 metros, que é onde fica esse equipamento. Não deveria ter ocorrido uma corrosão. Um projeto como esse requer um controle de qualidade muito apurado", disse.
Para o consultor em energia Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, a produção de Tupi abaixo do esperado evidencia os riscos de explorar petróleo no pré-sal, que o governo considera baixo. "É mais uma amostra de que o governo e a Petrobras têm muito pouco conhecimento do que é o pré-sal. A cada dia, a tese do risco zero vai mais para o buraco."

Outros blocos
A extração do primeiro pré-sal de Tupi foi marcada por uma cerimônia no Rio com a presença do presidente Lula.
Durante a cerimônia, um pequeno barril transparente contendo petróleo passou pelas mãos de várias pessoas, entre funcionários, atletas e artistas, até chegar às mãos das autoridades que estavam no palco. A Petrobras estima as reservas no campo de Tupi entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris, praticamente a metade das atuais do país, de 14 bilhões de barris.
Além do ritmo irregular, prejudicou a produção de Tupi em maio a decisão de interromper a produção dias depois da festa. A empresa afirmou, em nota, ter aproveitado uma sonda que estava na região para aprofundar a perfuração no poço e pesquisar onde já jorrava petróleo, "durante grande parte do mês".
A Petrobras disse que "reitera que a capacidade de produção em Tupi é superior a 15 mil barris por dia" e que "o objetivo do teste não é maximizar produção, mas analisar o comportamento dos reservatórios para se conhecer melhor o pré-sal".
Além de Tupi, já em teste, a Petrobras explora outros nove blocos no pré-sal. Dos dez, é sócia de petroleiras estrangeiras em nove. Como mostram os dados, o dia da festa do pré-sal não foi o dia em que a válvula foi inicialmente aberta em Tupi. O poço perfurado jorrou 169 mil barris de petróleo em abril.
Segundo a Petrobras, o teste de longa duração deverá ser retomado em setembro. Folha

30.8.09

Semana do leitor - Folha de São Paulo

leitor@uol.com.br

Palocci e Francenildo

"Olha, mas me deu uma tristeza tão grande, uma desilusão tão imensa essa cara de pau do Supremo, que eu quase desisti.
Mas não. Pois a honestidade, a humildade e a grandeza do caseiro -que pediu para ser ouvido e, obviamente, teve o pedido negado- fizeram-me mudar radicalmente de intenção. É justamente a coragem de Francenildo que me inspira hoje a continuar escrevendo, falando, implorando para que os brasileiros se mobilizem. Foi com coragem e uma quase ingênua esperança que esse brasileiro, mesmo sabendo que poucos dias atrás todas as gravíssimas denúncias contra outro "político de profissão" tinham sido sumariamente arquivadas, compareceu, impávido, à audiência. No final, estava triste, desiludido, ferido. Exatamente como todo o Brasil deveria estar."
NEVILLE LYON (Roma, Itália)

"O STF, por meio de seus cinco ministros políticos, ao isentar uma vez mais Antonio Palocci de responsabilidade por atos criminosos que cometeu, segundo provas colhidas pelo Ministério Público, condenou inexoravelmente o caseiro Francenildo Pereira, que, com o resultado, caiu com os outros quatro. Compete a nós, eleitores, julgá-lo nas urnas."
RUBENS CESAR PATITUCCI (São Paulo, SP)

"Creio que esse placar, 5 x 4, foi muito apertado e não habilita Palocci para cargos públicos, onde se exige reputação acima de quaisquer suspeitas."
ANTONIO JULIO AMARO (São Caetano do Sul, SP)

"Essa votação no Supremo mostrou, mais uma vez, que neste nosso país existem dois Brasis. Um, o desses senhores feudais; o outro, o dos miseráveis, que é o nosso.
CLAYDSON COELHO DE CAMARGO (São Paulo, SP)

"Leigo em direito, mas não analfabeto, não entendi o voto do ministro Cezar Peluso, que, depois de mostrar todo o roteiro de encadeamento da quebra de sigilo, optou por não acolher a denúncia."
CARLOS ALBERTO SOUZA (Uberlândia, MG)

"Estou aguardando as manifestações dos companheiros do PT e aliados contra a decisão do STF, pois, mais uma vez, o excluído continuou excluído e o poderoso se saiu bem. Mas até agora só os "elitistas" foram a favor do menos favorecido."
FRANCISCO COSTA OLIVEIRA (São Paulo, SP)

"O ministro da Fazenda não detinha poder funcional de determinar ao presidente da Caixa o acesso à conta bancária".
Pelos votos de Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Ellen Gracie, parece que eles têm vivido em algum país/ Estado/cidade que nunca foi governado pelo PT ou pelos seus aliados. Aqui tudo pode, senhores ministros, desde que seja para livrar toda a turma poderosa de quaisquer malfeitorias. Se não fosse assim, os representantes da cleptocracia petista não vacilariam em abrir para o povo a caixa-preta da Petrobras.
Se, no Brasil, qualquer suspeito pode ingressar na política sem correr qualquer risco de ser intimidado, por que políticos profissionais poderosos do PT não dariam uma carteirada para intimidar Francenildo?
Defesas indefensáveis e articulações até ridículas, como a do blog da Petrobras, por exemplo, são, para mim, a certeza de que Palocci é candidato a eterno suspeito, assim como a Petrobras está entregue a um bando de suspeitos.
E, lamentavelmente, voltamos à estaca única, em que os mais pobres são os únicos prejudicados, quando não culpados, perante a "justiça". (E Gilmar Mendes terá subido no conceito desse pessoal?)."
HELENA DE ALMEIDA PRADO BASTOS (São Paulo, SP)

"Alguns fatos que têm alguma ligação entre si estão em evidência. O mais recente foi a decisão do STF a favor de Palocci em relação às acusações vindas de um ex-caseiro. Ou seja, o "julgamento" obedeceu os trâmites legais, e ponto final.
Vem a seguir a situação da ex-secretária da Receita Federal, que, depois de demitida, vem a público fazer uma denúncia contra uma possível candidata nas próxima eleições presidenciais. E, com afirmações sem sustentação, merece amplo destaque na mídia.
Por fim, o caso Sarney, com as críticas às decisões tomadas pelo Conselho de Ética, que arquivou as acusações contra o senador. Mas não se veem críticas em relação ao arquivamento, pela mesma comissão, das acusações contra o senador Arthur Virgílio. Temos situações que mostram a necessidade de avaliações isentas, que levem em consideração o interesse em soluções transparentes.
Afinal, o objetivo é justamente que todos os fatos sejam debatidos e explicados e que os verdadeiros culpados paguem pelos seus erros."
URIEL VILLAS BOAS (Santos, SP)

29.8.09

Por dentro do cofre do MST

VEJA teve acesso às movimentações bancárias de quatro entidades
ligadas aos sem-terra. Elas revelam como o governo e organizações
internacionais acabam financiando atividades criminosas do movimento
Policarpo Junior e Sofia Krause

Assertivos do ponto de vista ideológico, os líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra são evasivos quan-do perguntados de onde vêm os recursos que sustentam as invasões de fazendas e manifestações que o MST promove em todo o Brasil. Em geral, respondem que o dinheiro é proveniente de doações de simpatizantes, da colaboração voluntária dos camponeses e da ajuda de organismos humanitários. Mentira. O cofre da organização começa a ser aberto e, dentro dele, já foram encontradas as primeiras provas concretas daquilo de que sempre se desconfiou e que sempre foi negado: o MST é movido por dinheiro, muito dinheiro, captado basicamente nos cofres públicos e junto a entidades internacionais. Em outras palavras, ao ocupar um ministério, invadir uma fazenda, patrocinar um confronto com a polícia, o MST o faz com dinheiro de impostos pagos pelos brasileiros e com o auxílio de estrangeiros que não deveriam imiscuir-se em assuntos do país.

VEJA teve acesso às informações bancárias de quatro organizações não governamentais (ONGs) apontadas como as principais caixas-fortes do MST. A análise dos dados financeiros da Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), da Confederação das Coo-perativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), do Centro de Formação e Pesquisas Contestado (Cepatec) e do Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo (Itac) revela que o MST montou, controla e tem a seu dispor uma gigantesca e intrincada rede de abastecimento e distribuição de recursos, públicos e privados, que transitam por dezenas de ONGs espalhadas pelo Brasil:

• As quatro entidades-cofre receberam 20 milhões de reais em doações do exterior entre 2003 e 2007. A contabilização desses recursos não foi devidamente informada à Receita Federal.

• As quatro entidades-cofre repassaram uma parte considerável do dinheiro a empresas de transporte, gráficas e editoras vinculadas a partidos políticos e ao MST. Há coincidências entre as datas de transferência do dinheiro ao Brasil e as campanhas eleitorais de 2004 e 2006.

• As quatro entidades-cofre receberam 43 milhões de reais em convênios com o governo federal de 2003 a 2007. Existe uma grande concentração de gastos às vésperas de manifestações estridentes do MST.

• As quatro entidades-cofre promovem uma recorrente interação financeira com associações e cooperativas de trabalhadores cujos dirigentes são ligados ao MST.

• As quatro entidades-cofre registram movimentações ban-cárias estranhas, com vul-tosos saques na boca do caixa, indício de tentativa de ocultar desvios de dinheiro.

Entre 2003 e 2008, segundo levantamentos oficiais, cerca de trinta entidades de trabalhadores rurais receberam do governo federal o equivalente a 145 milhões de reais. O dinheiro é repassado em forma de convênios, normalmente para cursos de treinamento. O Tribunal de Contas da União já identificou irregularidades em vários desses cursos. São desvios como cadastros de pessoas que não participaram de aula alguma e despesas que não existiram justificadas com notas frias. A Anca, por exemplo, teve os bens bloqueados pela Justiça após a constatação de que uma parte dos recursos de um convênio milionário assinado com o Ministério da Educação, para alfabetizar jovens, foi parar nos cofres do MST. Teoricamente, a Anca, a Concrab, o Cepatec e o Itac são organizações independentes, sem nenhum vínculo oficial entre si ou com o MST. Mas só teoricamente. A quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico das entidades-cofre mostra que elas fazem parte de um mesmo corpo, são uma coisa só, bem organizada e estruturada para dificultar o rastreamento do dinheiro que recebem e administram sem controle legal algum.

Ricardo Stuckert/PR
TORNEIRA ABERTA
Milhões de reais do governo Lula serenaram durante seis anos a fúria do MST


Eis um exemplo da teia que precisa ser vencida para tentar entender como os recursos deixam o cofre da entidade e viajam por caminhos indiretos ao MST. Uma das beneficiárias de repasses da Anca é a gráfica Expressão Popular. Seus sócios são todos ligados ao MST, como Suzana Angélica Paim Figueiredo, advogada do escritório do ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, que atua em causas de interesse do MST. Suzana faz parte da banca que defende o terrorista italiano Cesare Battisti, preso no Brasil. A advogada ainda é presidente de uma segunda editora, a Brasil de Fato, que também recebe recursos da Anca, também presta serviços ao MST e tem como conselheiro ninguém menos que João Pedro Stedile, líder-mor do MST, um dos principais defensores da não extradição de Battisti. Anca, Brasil de Fato e MST, embora sem vínculos aparentes, funcionavam no mesmo conjunto de salas em São Paulo. Procurada, a advogada Suzana não quis esclarecer que tipo de serviço as gráficas prestaram à Anca. Indagadas, o máximo que as três entidades admitem é que existe uma parceria entre elas. Essa parceria, ao que tudo indica, serve inclusive para ocultar as atividades do departamento financeiro do movimento sem-terra.

Além de funcionarem nos mesmos endereços, como é o caso da Itac e da Concrab, e de dividirem os mesmos assessores e telefones, como a Anca e a gráfica, as entidades curiosamente recorrem aos mesmos contadores e advogados – eles também, ressalte-se, integrantes de cooperativas ligadas ao MST. A análise dos dados sigilosos revela que Ilton Vieira Flores, o contador da Anca, o cofre principal do MST, é um dos responsáveis pelo Cepatec, outra fonte de arrecadação de dinheiro do movimento. O contador também é diretor da Cooperbio – um excelente exemplo, aliás, de como as ONGs ligadas ao MST se entranharam no governo. A cooperativa, que tem como função intermediar recursos para associações de trabalhadores rurais que se dedicam à fabricação de matéria-prima para a produção de biocombustíveis, assinou convênios milionários com a Petrobras. O presidente da Cooperbio, Romário Rossetto, é primo do presidente da Petrobras Biocombustível, o petista Miguel Rossetto, ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, uma das principais fontes de recursos da Anca, do Cepatec, da Concrab e do Itac.

Fotos Valter Campanato/ABR e Antônio Cruz/ABR
TORNEIRA FECHADA
O ministro Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário (no alto, à esq.), cortou verbas para convênios. Resultado: o MST, comandado por Marina dos Santos, ameaça retaliar


Há muito que desvendar a respeito do verdadeiro uso pelo MST do dinheiro público e das verbas provenientes do exterior. A Anca, por exemplo, é investigada desde 2005 por suas ligações com o movimento. A quebra do sigilo mostra que funcionários da entidade realizaram saques milionários em dinheiro em datas que coincidem com manifestações promovidas pelo MST e também com períodos eleitorais. Outra coincidência: tabulando os gastos das entidades, resta evidente que parte expressiva dos recursos é destinada a pessoas físicas ou jurídicas vinculadas ao MST. Há também transferências bancárias suspeitíssimas. Em agosto de 2007, 153 000 reais do Cepatec foram parar na conta de Márcia Carvalho Sales, uma vendedora de cosméticos residente na periferia de Brasília. "Não sei do que se trata, não sei o que é Cepatec e não movimento a conta no banco há mais de três anos", diz a comerciária. O Cepatec também não quis se pronunciar.

Para fugir a responsabilidades legais, o MST, embora seja onipresente, não existe juridicamente. Não tem cadastro na Receita Federal, e, portanto, não pode receber verbas oficiais. "Por isso, eles usam essas entidades como fachada", diz o senador Alvaro Dias, do PSDB do Paraná, que presidiu a CPI da Terra há quatro anos e, apesar de quebrar o sigilo das ONGs suspeitas, nunca conseguiu ter acesso aos dados bancários. Aliados históricos do PT, os sem-terra encontraram no governo Lula uma fonte inesgotável de recursos para subsidiar suas atividades. Uma parcela grande dos convênios com as entidades ligadas ao MST destina-se, no papel, à qualificação de mão de obra. Mas é quase impossível averiguar se esse é mesmo o fim da dinheirama. "Hoje o MST só sobrevive para parasitar o estado e conseguir meios para se sustentar", diz o historiador Marco Antonio Villa.

O MST sempre utilizou o enfrentamento como peça de marketing do movimento. No governo passado, os sem-terra chegaram a organizar uma marcha que reuniu 100 000 pessoas em um protesto em Brasília, além de invadirem a fazenda do presidente da República com direito a transmissão televisiva. No governo Lula, a relação começou tensa, mas foi se acalmando à medida que aumentavam os repasses de dinheiro e pessoas ligadas ao movimento eram nomeadas para chefiar os escritórios regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O MST passou, então, a concentrar os ataques à iniciativa privada, especialmente ao agronegócio. Os escritórios do Incra se tornaram suporte para ações contra produtores rurais, muitos deles personagens influentes na base aliada do governo. Além disso, os assentamentos contribuíram para aumentar a taxa de desmatamento e as ONGs ligadas à reforma agrária se tornaram um ralo pelo qual o dinheiro público é desviado. Esse estado de coisas levou à instalação de uma CPI no Senado e, ato contínuo, a um recuo do Planalto nos afagos aos sem-terra. A pretexto da crise econômica mundial, o governo cortou mais de 40% da verba prevista para os programas de reforma agrária. Cedendo à pressão de ruralistas, tirou das mãos do MST o comando de escritórios estratégicos do Incra, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, e colocou no lugar pessoas indicadas por ruralistas. Por fim, o golpe mais dolorido: fechou a milionária torneira dos convênios.

As ONGs ligadas ao MST chegaram a receber quase 40 milhões de reais em um único ano. No início do governo Lula, em 2003, esses repasses não alcançavam 15 milhões de reais. No ano seguinte, cresceram substancialmente, ultrapassando os 23 milhões de reais. Em 2005, o valor aumentou novamente, atingindo 38 milhões de reais. No segundo mandato, as denúncias de irregularidades envolvendo entidades ligadas aos sem-terra ganharam força. E o dinheiro federal para elas foi minguando. Em 2007, ano de abertura da CPI, os repasses às ONGs ficaram em 28 milhões de reais. No ano passado, as entidades receberam 13 milhões. E, nos oito primeiros meses deste ano, os cofres das ONGs do MST acolheram menos de 7 milhões de reais em convênios com o governo federal. Como reação, a trégua com o governo também minguou. No início de agosto, 3 000 militantes invadiram a sede do Ministério da Fazenda. A ação em Brasília foi comandada pela nova coordenadora nacional do MST, Marina dos Santos, vinculada a setores mais radicais do movimento. No protesto, o MST exigiu o assentamento imediato de famílias que estão acampadas. Nos bastidores, negocia a retomada dos repasses para as ONGs e a recuperação do comando das unidades do Incra. Em conversas reservadas, existem até ameaças de criar problemas para a candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff. O governo Lula agora experimenta o gosto da chantagem de uma organização bandida que cresceu sob seus auspícios.

Com reportagem de Otávio Cabral

José Rainha, o rei dos pelegos

O dissidente do MST achou um jeito de embolsar mais dinheiro: apoiando, sem vergonha de ser feliz, o governo federal e abrindo uma nova fronteira de invasões

O cenário é decrépito, mas emoldura uma disputa de milhões de reais. As margens de uma estrada vicinal em Araçatuba, no oeste de São Paulo, estão há seis meses tomadas por 500 barracos. Uma placa insta os motoristas dos caminhões de cana-de-açúcar a tomar cuidado para não atropelar ninguém: "Atenção - Acampamento à frente". Nos dias úteis, o perigo de acidente é menor, já que a maioria dos casebres está fechada e o lugar tem o aspecto de uma favela-fantasma do velho oeste americano - se no velho oeste tivessem existido favelas. Um senhor de idade avançada, sentado à sombra o dia inteiro a observar o vaivém de carregamentos de cana, explica que vive ali só para guardar lugar para o filho, que trabalha na cidade. Ele conta que muitos abandonaram emprego com carteira assinada para morar naquele cortiço rodoviário. Segundo as regras estipuladas pelos líderes que manobram a massa sem-terra, é preciso dormir pelo menos duas noites por semana no acampamento para receber a cesta básica e para não perder a vez em uma possível divisão de lotes, no futuro. Por isso, aos sábados e domingos o local fervilha com a presença de 1 000 pessoas ou mais que vêm fazer churrasco, reunir-se com a família ou simplesmente marcar presença. E que presença: os roubos de galinha e os atos de vandalismo aumentaram nas pequenas fazendas das redondezas. Estamos no acampamento Deputado Adão Pretto, uma fábrica de miséria construída por José Rainha Júnior, o líder sem-terra que já escapou de ser condenado por homicídio e, em julho passado, teve uma pena de cadeia por porte ilegal de arma substituída por regime aberto e prestação de serviços à comunidade.

Roberto Setton

FECHADO EM DIAS ÚTEIS
O acampamento Deputado Adão Pretto, em Araçatuba, é obra da dissidência do MST que não deixa de usar a bandeira do grupo

Rainha lidera uma dissidência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, segundo ele próprio e graças à adesão de outros grupos sem-terra, já reúne mais militantes em São Paulo do que a vertente original da organização. Apesar de excluído da direção nacional do MST e desautorizado a falar em nome do movimento, Rainha continua usando sua sigla e sua bandeira. Isso é possível porque o MST não possui representantes legais nem personalidade jurídica - uma malandragem para não precisar responder a processos na Justiça. O mega-acampamento em Araçatuba faz parte de uma demonstração de força cujo objetivo é superar o MST oficial na disputa por dinheiro público. Não há terras suficientes na região para assentar todas as pessoas que depositaram suas esperanças naqueles barracos de beira de estrada. Mas terra é o de menos para Rainha e seus desafetos do MST oficial. O objetivo é ver quem consegue mobilizar o maior número de pessoas para pressionar o governo por novos "convênios" com entidades controladas por líderes sem-terra. Esse é o mecanismo dos repasses que, em tese, deveriam pagar projetos educacionais, habitacionais e de "aumento da biodiversidade" em assentamentos. Indiretamente, no entanto, o dinheiro acaba servindo para financiar invasões, protestos que terminam em vandalismo e até campanhas eleitorais de vereadores. Desde 2007, o Ministério do Desenvolvimento Agrário aprovou 4 milhões de reais em convênios com duas entidades ligadas a Rainha, que atua apenas em São Paulo. Isso equivale a quase um décimo do total que o governo federal repassou a quatro ONGs ligadas ao MST oficial em todo o país, entre 2003 e 2007. Na comparação, portanto, pode-se considerar que Rainha tem sido bem-sucedido em suas táticas de arrecadação. "Durante quatro anos estivemos atrelados ao MST, mas recentemente passamos para o lado do Rainha", diz Noboru Nishikawa, ex-coordenador do assentamento Chico Mendes, em Araçatuba. E completa: "Ele tem mais facilidade para agilizar as coisas com o governo".

43 foi o número de invasões de terra no oeste paulista no primeiro semestre de 2009. Em todo o ano de 2008, foram 34 invasões

A explicação que a coordenação nacional do MST dá para a cisão entre seus líderes, em 2004, é política: Rainha, ao contrário da maioria de seus camaradas, achava que era preciso apoiar abertamente o governo Lula. O grupo dele, ao contrário do MST oficial, já tem até candidato para 2010, conforme anunciou publicamente em maio deste ano: trata-se de Dilma Rousseff, a ministra da Casa Civil. O que se tenta vender como questão de princípios, no entanto, esconde apenas maneiras diferentes de chegar ao mesmo objetivo: as verbas federais. O MST oficial organiza marchas e ocupações de prédios públicos, como as que ocorreram em todo o país no mês passado, para pressionar por repasses. Rainha prefere investir na tradicional invasão de terra. Em fevereiro, comandou o que chamou de Carnaval Vermelho, com a ocupação de duas dezenas de propriedades no oeste paulista, a maioria no Pontal do Paranapanema, onde se concentra a base de sua militância. A criação do mega-acampamento em Araçatuba, em março, marcou a abertura de uma nova fronteira de invasões. José Rainha está expandindo suas atividades para lá por um motivo básico: a maior parte das áreas disponíveis para reforma agrária no Pontal são terras devolutas e estão a cargo da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que não faz repasse de recursos para entidades não governamentais. Como na região de Araçatuba praticamente não há terras griladas, as desapropriações são responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do governo federal. Rainha já disse diversas vezes que prefere trabalhar com o Incra. Tem lógica: o instituto adora dar dinheiro para ele.

Roberto Setton e Agliberto Lima/AE

CONTATOS CERTOS
Noboru Nishikawa, do assentamento Chico Mendes, acima, prefere a liderança
de Rainha (ao lado): tem lógica

27.8.09

A hora do Chacrinha

Cenas no Senado Federal ultrapassam o acintoso para equipararem-se ao deboche genial do antigo apresentador de TV

A COMÉDIA é de tal ordem que talvez a única coisa a ser levada a sério no Senado Federal seja a ideia de extinguir-se, de uma vez por todas, o seu Conselho de Ética. Se a palavra deixou de constar do dicionário da Casa, nada mais lógico que lideranças partidárias proponham o desaparecimento de um colegiado que, afinal, já não tem objeto pelo qual zelar.
O exame do assunto, que ocorreria ontem, terminou sendo postergado. Não faz mal. Que se permita, neste espaço, uma modesta sugestão no sentido de aperfeiçoar a iniciativa.
É que o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) planeja, enquanto isso, construir uma praça de alimentação no Senado. Estão previstos dois restaurantes e uma lanchonete. Como não se menciona a existência de pizzarias, quem sabe os espaços do Conselho de Ética poderiam destinar-se a tal especialidade.
O senador argumenta que a abertura do novo espaço de comilança se justifica até por razões de saúde pública, tal a precariedade das condições de higiene dos atuais restaurantes do Senado. Haverá de concordar com a tese a senadora petista Ideli Salvatti, que em outro contexto fez um desabafo acerca dos sacrifícios de seu cargo: sente-se merecedora de um "adicional de insalubridade e periculosidade" em seu salário.
A observação não é lisonjeira para seus colegas, ainda que na mesma ocasião a senadora tenha salvado os do próprio partido: "Tenho orgulho da ética petista", declarou triunfalmente.
Foi, sem dúvida, para se fazer passar como último representante da "ética petista" que o senador Eduardo Suplicy, por sua vez, encenou o espetáculo ridículo e infantilóide do cartão vermelho contra José Sarney, numa sessão em que o Senado Federal pareceu descer ao nível dos antigos programas do Chacrinha.
Suplicy, que silenciara enquanto algumas figuras isoladas, como Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF), reivindicavam o afastamento do presidente do Senado, resolveu jogar para a opinião pública, como sempre foi a sua especialidade. A esta altura da desmoralização geral, e depois de se saber que sua namorada viajou para Paris com passagens oficiais, tornou-se apenas motivo de chacota, desbancando seu até aqui indesbancável e irrevogável líder de bancada, Aloizio Mercadante.
O mesmo Heráclito Fortes da praça de alimentação encarregou-se de desmascarar a farsa, dizendo que Suplicy deveria mostrar o cartão vermelho, isto sim, ao presidente Lula, que coordenou a salvação de Sarney no Senado.
Atônito, enfurecido e mais vermelho que o próprio cartão, o senador petista não teve resposta. Quem sabe o ex-presidente e senador Fernando Collor, hoje especializado em lições de moral, pudesse repetir o que disse a Pedro Simon há algum tempo, ordenando que Suplicy engolisse e digerisse o tal cartão -enquanto, é claro, não chega a esperada inauguração dos novos restaurantes da Casa.
Editorial Folha

23.8.09

O PT banca a pizza

De olho em 2010, o partido obedece o presidente Lula, esquece a ética e salva Sarney. Mas foi para isso que ele chegou ao poder?

Octávio Costa e Adriana Nicacio

NOVOS TEMPOS O PT, que antes promovia manifestações pela ética, agora é alvo de atos contra Sarney

Era mais do que sabido que as 11 representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AC), acabariam em pizza. O que, de fato, ocorreu graças ao apoio decisivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O partido que nasceu em 1980 empunhando a bandeira da ética mais uma vez se apequenou diante dos contra cheques do governo federal e do presidente que empurrou pela goela dos senadores petistas a decisão de votar pelo arquivamento. Por 9 votos a 6, o Conselho de Ética salvou a pele de Sarney. E foram decisivos os três votos da bancada petista. Desta vez, porém, não houve festa. O PT entrou em conflito de identidade e mergulhou em profunda crise.

O partido que sobreviveu ao Mensalão tenta agora juntar os cacos, mas ninguém se atreve a dizer se o custo pela pizza para Sarney já foi totalmente pago. No mesmo dia em que as denúncias contra o presidente do Senado rumaram para o arquivo, o PT assistiu à senadora acreana Marina Silva se desfiliar da legenda. Em seguida, o senador Flávio Arns (PR) também anunciou que estava deixando o partido. "O PT jogou a ética no lixo. Posso dizer que me envergonho de estar hoje no PT", disse Arns, minutos após a votação. "A cúpula do PT resolveu ignorar a militância em prol da candidatura de Dilma e da aliança com o PMDB." Abalado, o senador Eduardo Suplicy (SP) lamentou a situação do partido e disse que se a divisão se aprofundar ele também poderá deixá-lo. Com olhos marejados e a voz embargada, o senador explicou que seria um passo dramático "porque as dores da separação são terríveis".

"Existe tropa de choque, sim. Mas para enfrentar os trombadinhas do poder", afirmou, sem qualquer pudor, o senador Almeida Lima (PMDB-SE), na terçafeira 18. Político de 55 anos, que já foi prefeito de Aracaju, ele lidera o grupo de parlamentares que defendem com unhas e dentes as ordens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No Conselho de Ética, a tropa de choque não negou fogo e votou em bloco a favor do senador José Sarney (PMDB-AP). "Faço parte da base do governo porque sou do PMDB. Um partido que tem seis ministérios deve ter responsabilidade para com esse governo. A oposição tenta debochar com essa história de tropa de choque. Mas eu aceito", explicou Almeida Lima.

A tropa é formada por gente com disposição para bater e também dar a cara à tapa. "Quando eu acordo de manhã e me olho no espelho, me vejo do alto do meu 1,95 m, com 130 quilos, cabeludo e penso: 'Eu tenho mesmo cara de tropa de choque'", diz às gargalhadas o senador Wellington Salgado (PMDB-MG). Mas o que move Salgado é a condição de suplente do ministro Hélio Costa.

"Eu tenho um ministro e, por isso, apoio o presidente Lula. Não faz nenhum sentido ir contra as determinações do presidente se ele tem uma aprovação tão alta", explica.

Cada um tem seu motivo para rezar pela cartilha palaciana. O senador Gilvam Borges (PMDB-AP) assumiu o cargo depois que João Capiberibe foi cassado. E o senador cassado acusa Sarney de estar por trás de sua cassação. O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) segue a linha justa do seu partido, que cobra disciplina dos filiados e ocupa no governo o Ministério do Esporte e a direção da Agência Nacional do Petróleo.

Outro ícone da tropa de choque é o senador Gim Argello (PTB-DF), que assumiu após a renúncia do senador Joaquim Roriz e tem apadrinhados na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Argello, que responde a processos no STF, orgulha-se de ser "um homem do Palácio". Ex-integrante da oposição, Romeu Tuma (PTB-SP) também votou a favor de Sarney. Seu filho Romeu Tuma Jr. é secretário nacional de Justiça. Na presidência do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDBRJ) encaminhou o processo como quis. Saiu-se muito bem no papel de segundo suplente do governador Sergio Cabral, que mantém relação de unha e carne com Lula. Vitoriosa, a tropa de choque anuncia que está preparada para novos embates. "A oposição quer tomar o poder na marra e não no voto. Não tem espírito patriótico. Sempre que botar a cabeça de fora, estaremos ali para dar uma paulada", afirma Almeida Lima.

FOTOMONTAGEM: RICA RAMOS. FOTOS: NELSON ANTOINE/FOTO ARENA/AG. O GLOBO; ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ

CADÊ A RENÚNCIA? Depois de Sarney, o vergonhoso "Dia do Fico" de Mercadante

A oposição aproveitou o drama petista para atacar sem piedade. Em clima de pêsames, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) tripudiou: "Hoje é um dia, me perdoe o PT, em que o PT abraça o Sarney e o Collor, e em que a Marina Silva sai do PT. Com toda a sinceridade, eu não sei hoje quem representa o PT lá da origem: se é o Lula do Sarney ou se é a Marina."

Ninguém melhor que o líder do partido no Senado, Aloizio Mercadante (SP), simbolizou esse PT que esqueceu de onde veio e agora não sabe para onde vai. Em menos de 72 horas, ele participou de um acordo para salvar Sarney, em seguida rompeu com a palavra e abandonou os liderados. Depois anunciou que renunciaria à liderança e encerrou a semana onde sempre esteve: perdido entre o presente de ser governo e o passado de ter sido contra tudo que agora prega. Tamanha vacilação levou os petistas a apostar que Mercadante é um senador sem futuro.

O esquema que salvou Sarney foi acertado na terça-feira 11, numa reunião entre os líderes petistas e peemedebistas, o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e a ministra Dilma Rousseff. Foi definido que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, escreveria uma nota justificando o respaldo da Executiva Nacional a Sarney. Mercadante, deveria ler no Conselho de Ética, antes da votação, a nota assinada por Berzoini. Mercadante roeu a corda e os senadores que seguiram a orientação do presidente Lula foram deixados à deriva. Na tentativa de corrigir a falta de Mercadante, o senador João Pedro (AM), suplente do ministro Alfredo Nascimento, leu o comunicado de Berzoini: "Oriento os senadores do PT que votem pela manutenção do arquivamento das representações (...) como forma de repelir essa tática política da oposição."

Em tom quase inaudível, os senadores João Pedro, Delcídio Amaral (MS) e Ideli Salvatti (SC) pronunciaram os votos decisivos para a sorte de Sarney. Mercadante, que não pertence ao Conselho de Ética, proferiu um simbólico voto em separado: "Respeitarei a posição daqueles que têm que seguir a disciplina partidária, mas a nossa posição era para a investigação". Encheu-se de brios e avisou que deixaria a liderança do partido.

No dia seguinte, em mensagem no twitter, disse que a decisão era irrevogável. Mas voltou atrás e comunicou que, iria consultar o presidente Lula à noite. Lula, que estava no Rio Grande do Norte, ao ser informado das idas e vindas do senador, fez um muxoxo: "Ele já tem mais de 50 anos e sabe o que fazer". Diante das trapalhadas de Mercadante, Lula deixou claro a políticos que o acompanhavam que sua paciência se esgotou. E já tinha um nome para a liderança do PT no Senado: o de João Pedro. Na quinta-feira 20, Mercadante reuniu-se com Lula. A conversa terminou na madrugada e na sexta-feira, em discurso no Senado, um envergonhado Mercadante anunciou que fica no cargo de líder a pedido de Lula.

Delcídio Amaral confirmou à ISTOÉ todo o seu desconforto em votar pelo arquivamento das representações, mas fez carga contra o hesitante líder do PT. "O Mercadante não fez o discurso e ficamos os três, João Pedro, Ideli e eu, com cara de babacas", disse Amaral. "Ele nos jogou na ladeira às claras. Eu fui colocado pelo líder no Conselho de Ética. Sou do partido do presidente, da base aliada e não tenho como não vestir a camisa do governo". No interior de Santa Catarina, Ideli, procurada por ISTOÉ, preferiu se preservar do desgaste e falar pouco sobre a crise. Ela afirmou, por intermédio de assessores, que tinha consciência do sacrifício que estava fazendo, mas era a única forma de manter a boa relação com o governo federal e a liberação de verbas para seu estado. "Se quebramos as pontes com o PMDB, rompemos com os demais partidos, como o PTB e outros", acrescentou Ideli.

Segundo o professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp, Roberto Romano, a atuação do PT no Conselho "mostra que a ética é só um objetivo genérico que se grita tanto para a militância interna como para toda a sociedade". Expetistas históricos, como Plínio de Arruda Sampaio, apostam no pior: "Acho que muita gente ainda vai deixar o partido", diz Arruda, hoje no PSOL. A pizza no Conselho de Ética foi grande o bastante para sobrar pedaços para governo e oposição. Por unanimidade, a representação contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), também foi arquivada. E tudo indica que haverá um esforço para retornar aos dias de normalidade no Senado, anteriores à eleição de Sarney para a presidência. "Acabou uma fase. Agora teremos espaço para retomar o debate das grandes reformas e regulamentação das medidas provisórias", acredita Sarney. Mas, se no passado havia um PT para cobrar compromissos éticos dos outros partidos, ficou patente agora que ninguém mais tem moral no Senado. IstoÉ

Dilmão, a brigona!

Dilma se desentendeu com a subchefe de articulação e monitoramento da Casa Civil e secretária-executiva do PAC, Miriam Belchior. De acordo com uma testemunha, o tom subiu a ponto de assessores temerem por uma real briga física entre as duas. A razão da divergência era a liberação de recursos para as cidades que irão sediar a Copa do Mundo em 2014. Miriam, viúva do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, é responsável pela articulação com prefeitos e governadores sobre os investimentos para a Copa. Logo depois, ela detectou um derrame no olho direito, pediu férias de 15 dias e na quinta-feira 20 embarcou para a França. "Saio de férias para tomar um fôlego", disse à ISTOÉ. Sobre a discussão com a ministra, negou o desentendimento. "Não houve briga com a Dilma", disse. Mais uma vez, caberá a Lula intervir por conta do problema: na próxima semana, prefeitos de nove capitais que sediarão a Copa irão ao presidente pedir agilidade na definição dos recursos do governo federal para obras nas cidades. IstoE

O Lobista de Chávez

Jornalista brasileiro trabalha no Senado, mas faz hora extra para defender interesses da Venezuela

Claudio Dantas Sequeira

NO AR Chávez nomeou Beto Almeida conselheiro da Telesur

Cada vez que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, retoma a concessão de uma emissora de rádio ou de televisão em seu país, ocorre uma festa a 3.800 quilômetros de Caracas. O anfitrião é o jornalista mineiro Carlos Alberto de Almeida, funcionário concursado do Senado Federal. Apesar de duramente criticadas pela Sociedade Interamericana de Imprensa e pela Anistia Internacional, medidas como o recente cancelamento das licenças de operação de 34 estações de rádio são aplaudidas por Beto, como ele é conhecido, como ações necessárias à democratização dos meios de informação. Beto tem motivos de sobra para defender Chávez.

Há quase cinco anos, ele foi convidado pelo próprio presidente venezuelano para integrar o conselho diretor da Telesur, emissora criada para se contrapor à rede americana CNN na América Latina. "A cultura imposta por Hollywood nos faz perder a identidade cultural e baixa a autoestima da população", diz o jornalista, seguindo à risca a cartilha do caudilho venezuelano. Na visão de Chávez, a Telesur é "a CNN dos humildes".

Chávez formalizou o convite a Beto numa videoconferência, da qual também participou o comandante cubano Fidel Castro. Desde então, o jornalista tem viajado com frequência a Caracas para participar das reuniões do conselho, dividindo sua rotina diária entre as funções no Senado e a defesa dos interesses da agenda ideológica do presidente venezuelano. Sua principal meta é conseguir convencer o governo de Luiz Inácio Lula da Silva a se associar à empreitada de Chávez, o que demandaria constantes aportes financeiros para alavancar as atividades da Telesur no Brasil. Até agora a emissora funciona de forma precária, quase na informalidade. Mas, aos poucos, Beto vai avançando no lobby pelos ideais bolivarianos. Já emplacou, por exemplo, a programação da Telesur na grade do Canal Comunitário de Brasília, a "TV Cidade Livre", da qual é presidente. E está costurando um convênio entre a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), ex-Radiobrás, e a Telesur, que poderá ser assinado na próxima semana.

Amigo do governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), Beto levou o sinal da emissora de Chávez para a TVE paranaense e garante que todo o trabalho que faz é voluntário, sem vínculo empregatício. "Eles apenas me pagam a passagem e a hospedagem." Em 2008, ele assinou com o governo Requião um convênio de "cooperação para serviços especiais de radiodifusão de sons e imagens", no valor de R$ 528 mil. Em abril, no Fórum Social do Mercosul, saiu em defesa dos amigos. "O governador Requião tem sido vítima da tirania midiática privada porque combate os monopólios, assim como Evo Morales (presidente da Bolívia), assim como o presidente Chávez", diz.

Em artigos e fóruns de discussão, ele também defende o repasse de verbas federais para emissoras públicas e comunitárias. Seu e-mail no Senado é encontrado em listas de debate na internet sobre o tema. O senador Álvaro Dias (PSDB- PR) estranha a dupla militância do funcionário, que trabalha na TV Senado. "É preciso saber se as atividades paralelas dele com o governo Chávez são compatíveis com os horários de trabalho no Senado", questiona Dias. A outra dúvida é se essas atividades bolivarianas são compatíveis com os princípios da liberdade de expressão.

IstoÉ

O trator Marina

A senadora chega ao PV e descobre vários problemas na legenda

Alan Rodrigues e Hugo Marques

FRAUDE VERDE Marina e o embargo das contas do PV pelo TSE na última semana

A senadora Marina Silva (AC) nem mesmo assinou a ficha de filiação ao Partido Verde - a festa está programada para o dia 30 - e já descobriu que tem mais coisas erradas na legenda do que divergências ideológicas ou problemas na direção partidária. O fato mais grave descoberto por Marina, dias depois de rasgar seu registro no PT, é a situação financeira do PV.

O partido corre o risco de perder, nos próximos dias, o direito à sua principal fonte de receita: o Fundo Partidário. Irregularidades nas prestações de contas dos últimos cinco anos poderão levar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cortar os R$ 7 milhões a que os verdes têm direito do repasse de dinheiro público. "Se isso acontecer será kafkiano", responde o presidente dos verdes, José Luiz Penna. Mas a situação não é tão absurda quanto os romances de Franz Kafka.

Os problemas são: falsificar notas fiscais, fraudar prestações de despesas e supostos desvios de recursos do partido para as contas pessoais de alguns de seus dirigentes. Na Justiça Eleitoral, as contas de 1998 foram reprovadas, as de 1999 e 2002 foram aprovadas com ressalvas e as de 2004 a 2007 estão sob suspeita. "Acho que o PV é mais problemático que a Marina, porque pagou um tributo às regras da política do Brasil e perdeu muito da sua qualidade inicial", diz o ministro da Cultura, Juca Ferreira, filiado ao PV.

Penna reconhece que aconteceram erros e os atribui a um grupo interno do partido. "É uma luta política que estamos enfrentando", diz. Marina sabe que não é só guerra política. É fraude. Entre os sete volumes do processo, os auditores identificaram varias notas fiscais frias, algumas emitidas até por empresas fantasmas. "A prestação de conta partidária é uma loucura.

O PV era muito relapso na contabilidade, estamos corrigindo", admite o vereador carioca Alfredo Sirkis. Foi constatado, por exemplo, que para as despesas com aluguéis de imóveis em 2005 o PV apresentou contrato de locação com data de 2008. "Aconteceram algumas besteiras. Teremos que pagar o preço da inexperiência", avalia Penna. Besteiras ou não, o certo é que Marina poderá constatar se é ou não possível manter a utopia política diante da realidade partidária. Ante essa realidade, as questões ideológicas ficaram menores.

Mesmo assim, a senadora, por meio de assessores ainda filiados ao PT, colocou na mesa as condições para sua entrada na legenda. Como um trator, Marina podou várias bandeiras do PV. A senadora é evangélica e deixou claro que não defenderá temas como o aborto, o uso de células-tronco para pesquisas e outros temas como a descriminalização da maconha. Marina quer que esses pontos, a partir de agora, sejam tratados como "cláusula de consciência".

Um eufemismo para dizer que ela irá posicionar-se politicamente como pensa e não por definição partidária. "Esse acordo resolve um problema de relacionamento", diz Sirkis. Marina quer mais do PV. Ela vai indicar dez pessoas para a direção nacional em um congresso que acontecerá em novembro. Esses "novos verdes" é que irão elaborar o programa para o PV. O primeiro ponto será um projeto de um Brasil sustentável para 20 anos.

O outro será definir a política para um governo de quatro anos. Na prática essa é a "refundação e ressignificação do Partido Verde", de que Marina tanto fala. "Estamos nos preparando para ser uma alternativa de poder", diz Penna. No "pacote Marina" inclui-se ainda o controle do partido, a saída do deputado José Sarney Filho (MA) da liderança na Câmara e o rompimento de alianças consideradas espúrias em alguns Estados. "Se o incômodo for cargos, tirem-se eles", diz Penna.

IstoÉ

Os novos aviões de Lula

A frota presidencial agora conta com mais dois jatos de luxo da Embraer que custaram R$ 168 milhões. Além do Aerolula

Claudio Dantas Sequeira

CONFORTO O Emb-190 pode ser adaptado para se criar diversos tipos de ambientes

A partir de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá exercer sua diplomacia presidencial pelo mundo afora a bordo de um novo avião. Trata-se de um jato Embraer 190, da família E-Jet, mesmo modelo encomendado pelo ex-piloto austríaco Niki Lauda para a frota da sua companhia comercial, a Lauda Air. No caso brasileiro, o EMB-190 será usado especialmente para as viagens pela América Latina. Também servirá para transportar equipes de apoio, convidados e como aeronave reserva para casos de eventual manutenção ou pane do Aerolula, como a que ocorreu em março no retorno de uma viagem aos Estados Unidos.

Desde que trocou o velho Boeing 707, o "Sucatão", pelo moderno Airbus A319, em 2005, a Presidência estudava adquirir aviões que substituíssem os dois Boeing 737-200, chamados de "sucatinhas". Mas a repercussão negativa da compra do avião presidencial, por US$ 56,7 milhões, adiou os planos. A decisão de compra veio depois que, em 2007, uma das aeronaves apresentou problema técnico e interrompeu uma viagem da comitiva presidencial à África. O avião levava 25 empresários e 25 jornalistas. O presidente, então, comentou com assessores que o episódio havia definitivamente convencido a imprensa, que criticara a compra do Aerolula, da necessidade de renovação de toda a frota presidencial.



"Apesar de terem poucas horas de voo, os sucatinhas já têm 35 anos de idade e precisavam ser substituídos", explica a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto. Mas a aquisição das novas aeronaves também tem um objetivo comercial. Ao visitar outros países com jatos da Embraer, o presidente Lula aproveitará para fazer propaganda da indústria nacional. Os dois EMB-190 custaram cada um US$ 52 milhões (um total de R$ 168 milhões, ao câmbio de R$ 1,62, de agosto de 2008). De acordo com autoridades militares ouvidas por ISTOÉ, o governo teria economizado R$ 30 milhões em relação ao preço da concorrência. As aeronaves tiveram a autonomia de voo estendida para até oito horas, podendo decolar de Brasília e chegar às Ilhas Canárias, na costa africana. Com apenas uma parada técnica para reabastecimento, será possível atingir a África e a Europa.

Com 36,7 metros de comprimento e 28 metros de envergadura, o EMB-190 voa a 850 km/h. "Como se trata de um avião presidencial, muitas modificações foram feitas, a fim de comportar as atividades do presidente", afirma o major-brigadeiro Joseli Parente Camelo, da Segurança Institucional. O interior foi reconfigurado para abrigar um gabinete de trabalho, com banheiro, além de 36 assentos do tipo classe executiva e mais 11 poltronas. Todas as comunicações são criptografadas para evitar interceptações. A primeira unidade presidencial do EMB-190 foi batizada de Bartolomeu de Gusmão (o padre luso-brasileiro, inventor e primeiro a voar em um balão operacional) e ganhou duas faixas diagonais com as cores verde e amarela. Já está voando, mas problemas de homologação da anac obrigaram a embraer a refazer a cabine, o que adiou a entrega oficial da aeronave, prevista para junho. O segundo EMB-190 deverá ser entregue até dezembro e será uma espécie de espelho do "Bartolomeu de Gusmão", com a mesma configuração interna e de desempenho. Os dois aviões já sairão de fábrica com as modificações nas portas do compartimento de bagagem e nos sliders, os escorregadores para evacuação de emergência, conforme orientação feita pelas agências reguladoras da aviação dos Estados Unidos.

FOTOS: DIVULGAÇÃO/EMBRAER; AG. BRASIL. ARTE: FERNANDO BRUM
Fonte: Gabinete de Segurança Institucional da Presidência

IstoÉ


Discutir anistia é "mexer numa ferida cicatrizada", diz ex-presidente do STF

O ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Velloso afirmou que não acredita em uma punição para responsáveis para crimes de tortura no período militar. Na opinião do ex-ministro, a Lei de Anistia significou um perdão para todos que cometeram crimes relacionados ao regime militar, tanto para representantes do Estado como opositores do regime.

"Eu acho que esse é um assunto que está superado, porque a Lei de Anistia estabelece um esquecimento, um perdão para ambos os lados. É uma pedra que se coloca sobre o ocorrido, porque houve crimes praticados de ambos os lados", defendeu o ministro.

Velloso afirmou que, embora o texto da Lei de Anistia exclua todos os que foram condenados por crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal, a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) estendeu o benefício a todos, inclusive aqueles que cumpriram pena.

"Agora, se quer se rediscutir o tema com relação a esses crimes de autoridades militares, vamos dizer assim, vai se rediscutir também com relação àqueles que praticaram crimes de terrorismo, de assalto, sequestro e crimes de atentado pessoal", disse.

Para o ex-ministro, a discussão traria somente prejuízos. "Então, se tentarmos rediscutir o tema, virará uma bola de neve que irá prejudicar ambos os lados. E, politicamente, eu acho que não seria adequado rediscutir isso. É mexer numa ferida que já está cicatrizada", defendeu.

Velloso criticou a afirmação de que crimes como tortura não estariam previstos na legislação de anistia, que concede o perdão a "crimes políticos ou conexos". O ex-ministro defendeu que a conceituação seja interpretada da forma mais ampla possível e argumentou que a legislação prevê crimes de qualquer natureza por motivação política.
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"Ora, há de se entender que tudo aquilo que se fez numa luta, que afinal de contas era política, pode relacionar-se com os crimes políticos", argumentou. "Essa interpretação de que a anistia é ampla e irrestrita me pareceu uma interpretação razoável do tribunal, porque a lei de anistia quer colocar uma pedra de esquecimento sobre a matéria", disse.

Velloso acrescentou também que, mesmo que o assunto fosse rediscutido, acredita que os crimes seriam tidos como prescritos nos tribunais.

"Esses crimes de tortura não tinham tipificação específica na lei penal brasileira, passaram a ter depois da Constituição de 1988. Eram, quando muito, crimes de lesão corporal, lesão corporal grave, mas tudo prescritível. É certo que há tratado firmado posteriormente que diz que crime de tortura é imprescritível, mas isso não pode retroagir."

"Entender que esse tratado teria aplicação retroativa no direito brasileiro não é um afirmativa condizente com o sistema constitucional que temos", declarou.

O ex-ministro ressalta, no entanto, que o assunto está em discussão no STF. Segundo ele, apenas o tribunal poderá decidir sobre o assunto. "A palavra final será dada pelo Supremo Tribunal Federal e nós todos vamos ter que conformar com que o Supremo decidir", completou.Folha

22.8.09

Lula junta os cacos do PT!

Depois de desgastar os petistas para salvar Sarney, presidente tenta reunificar bancada e buscar um discurso eleitoral

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerra a semana certo de que debelou duas pontas de crises que poderiam colocar a perder todo o esforço de concluir o mandato com alguma tranquilidade para votar temas importantes no Congresso e, de quebra, alavancar o seu próprio partido rumo a 2010. A primeira foi o arquivamento dos processos contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que deixa o PMDB como devedor ao Planalto por ter forçado os votos em favor de Sarney dentro do PT. A outra ponta de problema que o presidente acredita ter contornado foi o mal-estar do PT, com a manutenção de Aloizio Mercadante (SP) no cargo de líder do partido no Senado.

“Foi uma no cravo e outra na ferradura”, resumiu um importante assessor do presidente. Os auxiliares de Lula consideram que ao mesmo tempo em que ele salvou Sarney do constrangimento de uma investigação, tenta agora, com a permanência de Mercadante, resgatar para o PT o discurso da ética na política e da transparência. Isso porque o líder não moveu um milímetro de sua posição em favor do afastamento de Sarney da Presidência do Senado e jamais deixou de pregar a investigação das denúncias publicadas nos jornais ao longo de cinco meses. E ao continuar como a voz do partido na Casa, será essa a imagem que o partido mostrará na tribuna.

Essa posição de Mercadante, na avaliação de Lula, trará benefícios ao partido junto ao seu eleitorado de opinião, uma vez que mantém uma distância regulamentar entre a cara do PT no Senado e a do PMDB, representada pelo líder Renan Calheiros (AL). “O presidente foi um craque”, avaliou ontem o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), que acompanhou as negociações dentro do PT ao longo da semana.

Nas cinco horas de conversa entre Mercadante e Lula foi abordada não só a crise interna de identidade pela qual passa o PT como a necessidade de o presidente manter a chamada governabilidade. O gelo começou a ser quebrado, no entanto, quando Lula passou a falar do passado, dos tempos em que o senador petista gastava sola de sapato ao lado do presidente tentando construir o PT. Lula terminou prometendo que, pela manhã, enviaria uma carta a Mercadante para lhe dar o discurso que faltava para encerrar o episódio.

Lastro
Da parte de Aloizio Mercadante, a sua permanência na liderança com direito a uma carta de Lula, citam os petistas, vai lhe assegurar o lastro presidencial para a campanha em São Paulo em 2010. Conforme adiantou o Correio na edição de ontem, os adversários de Mercadante já se mobilizavam em São Paulo para tentar puxar-lhe o tapete na corrida pelo Senado no próximo ano, quando o líder concorrerá à reeleição. Se ele não aceitasse o pedido do presidente, dizem os petistas, a ex-prefeita Marta Suplicy ganharia fôlego para ingressar na chapa ao Senado e poderia inclusive obter o apoio de Lula para jogar Mercadante na disputa pelo governo paulista — missão hoje considerada internamente mais como um sacrifício do que uma premiação por serviços prestados ao partido.

O próprio líder avaliou a amigos que sua posição de liderança dentro do PT estaria comprometida: “Se eu renunciasse, a imprensa oposicionista me elogiaria durante uns três dias e depois me deixaria na chuva”. Ele sabe, no entanto, que terá alguns dias de explicações pela frente, especialmente, aos seus seguidores na internet, onde anunciou há dois dias que deixaria o cargo de líder e que a decisão era “irrevogável”. Ontem, por exemplo, foram centenas de posts em microblogs do twitter, criticando o recuo. “Vou apanhar nos próximos dias, mas tenho argumento para me defender”, afirmou Mercadante a colegas de partido, citando como exemplo a carta de Lula, que ele mesmo fez questão de colocar trechos para responder aos usuários do microblog. Agora, avaliam Mercadante, governadores e auxiliares do presidente, é aproveitar o tempo até 2010 para organizar palanques e as alianças políticas. Da parte de Lula, essas duas crises, a de Sarney e a do PT, vão virar páginas nos livros de história, de política e nos anais do Senado.
Denise Rothenburg - Correio Brasiliense

O criador empalha as criaturas

Lula assume nos bastidores o comando do PT, lidera a operação
para salvar o senador José Sarney de investigação e tira o pouco
de substância que ainda restava ao partido


Otávio Cabral

Fotos Mauricio de Souza/Folha Imagem; Alan Marques/Folha Imagem; Tarcisio Mattos/Tempo Editorial; André Dusek/AE; Celso Junior/AE
TAXIDERMIA
O ministro Tarso Genro, o assessor Gilberto Carvalho, os senadores Delcídio Amaral, Ideli Salvatti e Aloizio Mercadante e o presidente do PT, Ricardo Berzoini, apenas cumpriram ordens de Lula

Eleito presidente da República em 2002, Lula acrescentou a sua magnífica história de vida, personalidade e insuperável carisma um balaio com 50 milhões de votos. Levou para o graal da política seus correligionários do Partido dos Trabalhadores (PT), cujos integrantes mais ativos foram acomodados em cargos executivos, ocupando os postos mais cobiçados da hierarquia política do país. Começava então o governo do PT. Internamente, a militância discutia que transformações o partido sofreria com a experiência de governar o Brasil. Depois de tanto sucesso como pedra, como reagiria o PT sendo vidraça por quatro, oito ou... vinte anos? Tornando ainda mais curta uma curta história, a ideia de que o PT governaria o Brasil começou a ruir, como se sabe, quando o economista da agremiação, Guido Mantega, foi preterido para o posto de presidente do Banco Central, entregue a um banqueiro internacional e, ainda por cima, tucano, Henrique Meirelles. O choque seguinte foi a queda em desgraça do herdeiro aparente de Lula, José Dirceu. As outras cabeças rolariam em 2005, no vórtice do escândalo do mensalão. De lá para cá, o petismo sobreviveu mantendo as aparências mas já sem bandeiras e vitalmente dependente do oxigênio político instilado por Lula. Na semana passada, Lula ameaçou cortar o oxigênio e o PT viu, pela primeira vez com clareza, que a experiência de governar foi sem nunca ter sido e serviu apenas para que o presidente desse andamento a suas prioridades, que são, pela ordem: Luiz Inácio da Silva, Lula e Lula.

Os senhores acima empalhados são a imagem desse quadro. Eles foram obrigados a encenar o teatro de salvar a pele de um inimigo histórico do partido, o senador José Sarney, fazendo o mesmo papel de guarda-costas desempenhado por Fernando Collor e Renan Calheiros, que dispensam apresentação. A missão foi cumprida com sucesso. No escândalo do mensalão, em 2005, o PT que subornava deputados, comprava partidos e desviava dinheiro público obedecia apenas ao ex-ministro José Dirceu, pelo menos segundo as conclusões oficiais. Agora, o PT que não se incomoda mais com o nepotismo, o fisiologismo e a corrupção tem um novo e inquestionável comandante em chefe: o próprio presidente Lula. Partiu dele a ordem para poupar Sarney a qualquer custo no Conselho de Ética do Senado, mesmo que esse custo fosse a implosão do que ainda restava de pudor nas fileiras petistas. Como recompensa, o chefe promete limpar a biografia de todos eles usando sua popularidade quando chegar a hora do voto.

Pablo Valadares/AE
INIMIGO ÍNTIMO
O senador José Sarney é o pivô da crise entre Lula e os senadores do PT


Ao reduzir moralmente seu partido e abrir mão de aliados históricos, como foi o caso da ex-ministra Marina Silva, que deixou o PT por discordar dos caminhos trilhados, o presidente Lula certamente tem em mente um plano auspicioso. Difícil talvez seja convencer as pessoas de como algo que se imagina virtuoso possa passar pela salvação do senador José Sarney. Lula acredita que fez o melhor governo da história do Brasil e quer provar isso elegendo o sucessor. Apesar da resistência do PT, o presidente escolheu a ministra Dilma Rousseff para o papel de candidata, e está empenhando sua imensa popularidade numa pré-campanha que começou há meses. O governo precisa do PMDB para viabilizar seu projeto de poder. É nessa hora que aparece a fatura pesada. Se para quitá-la for preciso fazer alguns sacrifícios, como defender corruptos ou enfraquecer o partido que levou Lula ao poder, segue-se em frente, sem nenhum constrangimento.

O presidente acredita que seu carisma, combinado com uma dose de sagacidade política, é capaz de reduzir a nada qualquer crise que se apresente. Na semana passada, por exemplo, houve um encontro de contas. O governo queria – e conseguiu – evitar a convocação da ministra Dilma para falar do caso envolvendo uma suposta interferência na Receita Federal (veja reportagem), e o PMDB queria – e também conseguiu – arquivar as denúncias contra José Sarney. É nisso que o presidente aposta. Se sua imagem e a do seu governo forem preservadas, tanto faz se o partido do governo é o PT, o PMDB ou o PSL. O que move Lula é o pragmatismo, a tranquilidade de colher frutos da parte positiva do governo e, ao mesmo tempo, transferir ao PT o ônus por defender figuras como Fernando Collor, Renan Calheiros e José Sarney. O PT percebe claramente esse desgaste, mas não pode nem tem condições de reagir à estratégia do criador. Na semana passada, lideranças do partido tiveram acesso aos dados de uma pesquisa qualitativa feita nas principais capitais do país. O objetivo: avaliar as consequências para a legenda do mensalão, do dossiê dos aloprados, da salvação de Renan Calheiros e, agora, de Sarney – todos escândalos que contaram com o envolvimento direto dos petistas. A maior parte dos entrevistados apoia e admira Lula, não vincula o nome do presidente a nenhum dos escândalos, mas tem sérias restrições em votar no PT. Sendo assim, ao empalhar as cabeças do partido, Lula pode alegar que está apenas protegendo-as de si mesmas.

O MINISTRO SOUBE E NÃO FEZ PEDIDOS

Mantega obteve informações da ex-secretária da Receita Federal sobre as investigações dos negócios do clã Sarney mas não fez propostas "incabíveis"


Alexandre Oltramari

Celso Junior/AE
SIM Guido disse que pediu a Lina Vieira (à esq.) explicações sobre o vazamento de informações

Existe um terceiro personagem envolvido no caso do suposto encontro entre a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, no fim do ano passado. É o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chefe direto de Lina Vieira nos onze meses em que ela ocupou o cargo e responsável por sua demissão, há um mês, sem nenhuma justificativa pública. Na semana passada, em depoimento ao Senado, a ex-secretária repetiu que foi chamada para uma reunião com a ministra no Palácio do Planalto e lá recebeu um pedido para agilizar as investigações que a Receita Federal fazia sobre os negócios da família Sarney. Não apresentou provas, mas convenceu por listar uma terceira testemunha, pela abundância de detalhes e por demonstrar não ter razões para mentir. O pedido de Dilma foi classificado pela ex-secretária como "incabível". Ela não elaborou. Nem precisava. A oposição interpretou como a tentativa da ministra de interferir em um procedimento oficial com o objetivo de favorecer um aliado político. Dilma negara antes não apenas o teor da conversa, mas a própria existência do encontro.

O caso não se encerra com o depoimento de Lina. Será preciso esclarecer as razões pelas quais, como tudo indica, a ministra cortou caminhos na hierarquia e fez pedidos "incabíveis" a uma secretária da Receita Federal. Uma hipótese a ser investigada é a de que Dilma só teria entrado em ação depois de uma falha no canal natural para obter o efeito desejado pelo Palácio do Planalto – o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Descobriu-se agora que esse canal foi acionado, mas sem que se produzissem os resultados esperados. Mantega efetivamente chamou a ex-secretária em seu gabinete e pediu detalhes sobre o caso dos Sarney. O ministro justificou seu interesse sem rodeios, informando a Lina que a investigação estava preocupando o Palácio do Planalto. A secretária fez seu relato e o ministro agradeceu as informações. Mantega encerrou a conversa sem pedir nem sugerir nenhuma ação à secretária Lina. Isso é o que se sabe. Por meio de sua assessoria, o ministro Guido Mantega confirmou o encontro com Lina Vieira. "O ministro quis saber a razão pela qual detalhes da investigação da Receita sobre o filho de Sarney estavam saindo nos jornais. Ele entende que a apuração, coberta por sigilo fiscal, não poderia estar vazando. Foi uma conversa normal entre um chefe e um subordinado sobre um assunto diretamente relacionado às atribuições dele", disse a VEJA o jornalista Ricardo Moraes, assessor de imprensa do ministro. Ele disse que Guido Mantega não se lembra da data da conversa.

Gustavo Miranda/Ag. Globo
NÃO Dilma voltou a negar o encontro em que teria pedido para agilizar a investigação


Aqui, o caso que já era complexo torna-se verdadeiramente confuso. A ex-secretária negou ter tratado desse assunto em encontro com seu superior, Guido Mantega. Quando o senador Tasso Jereissati perguntou se ela havia conversado com Mantega sobre a investigação, Lina respondeu simplesmente: "Não". Como Mantega confirma o encontro e o teor da conversa com Lina, está patente que a ex-secretária mente e que, portanto, pode ter inventado a história sobre a reunião com a ministra Dilma? Uma pessoa próxima à ex-secretária diz que ela omitiu aos senadores seu encontro com o ministro Mantega por uma questão de lealdade. Lina teria visado a proteger o ministro, com quem tem ótimas relações e que foi apontado pelo Planalto como responsável direto pela confusão. O ministro teria "perdido o controle" sobre sua subordinada. Procurada por VEJA, a ex-secretária não retornou as ligações.

Travar em público uma queda de braço de credibilidade com a poderosa ministra Dilma não é uma empreitada que se tome a peito facilmente. Lina ficou tão assustada com a repercussão que cogitou não comparecer ao depoimento ao Senado. Só mudou de ideia depois de receber a garantia de que não seria abandonada à sanha da tropa de choque do governo. Ela contou que foi levada ao encontro com Dilma numa tarde de dezembro passado, em data que não consegue precisar, pelo motorista Warley Soares, da Receita, que confirmou ter feito diversas vezes o percurso. Lina disse que entrou pela garagem do Palácio do Planalto, identificou-se a um segurança e subiu sozinha ao gabinete da ministra, no 4º andar do prédio. Todo esse trajeto é coberto por câmeras de segurança. Esqueça-se a ideia salvadora de que bastaria, então, ver as fitas do mês de dezembro para mostrar quem está mentindo. As fitas são guardadas por apenas trinta dias e depois reutilizadas.

"Lula não fará seu sucessor"

Carlos Augusto Montenegro é um dos mais experientes analistas do cenário político nacional. Presidente do Ibope, empresa que virou sinônimo de pesquisa de opinião pública no Brasil, ele acompanhou com lupa todas as eleições realizadas no país desde a volta à democracia, em 1985. Agora, faltando pouco mais de um ano para a sucessão presidencial, Montenegro faz uma análise que o consagrará se acertar. Se errar? Bem, dará às pessoas o direito de igualarem seu ofício às brumas da especulação. Em entrevista ao editor Alexandre Oltramari, Montenegro aposta que o governo, apesar da imensa popularidade do presidente Lula, não conseguirá fazer o sucessor – no caso, a ministra Dilma Rousseff. Também afirma que o PT está em processo de decomposição.

O que os acontecimentos da semana passada revelaram sobre o PT?
Que o partido deu um passo a mais na direção de seu fim. O PT passou vinte anos dizendo que era sério, que era ético, que trabalhava pelo Brasil de uma maneira diferente dos outros partidos. O mensalão minou todo o apelo que o PT havia acumulado em sua história. Ali acabou o diferencial. Ali acabou o charme. Todas as suas lideranças foram destruídas. Estrelas como José Dirceu, Luiz Gushiken e Antonio Palocci se apagaram. Eu não diria que o partido está extinto, mas está caminhando para isso.

Mas por trás do apoio ao PMDB e ao senador Sarney não está exatamente um projeto de poder do PT?
É um projeto de poder do presidente Lula. O desempenho eleitoral do PT depois do mensalão foi um vexame. Em 2006, com exceção da Bahia, o partido só venceu em estados inexpressivos. Nas eleições municipais de 2008, entre as 100 maiores cidades, perdeu em quase todas. Lula sempre foi contra a reeleição e só resolveu disputá-la para tentar salvar o PT. Sua reeleição foi um plebiscito para decidir se deveria continuar governando mais quatro anos ou não. Mas tudo indica que agora ele não fará o sucessor justamente por causa da mesmice na qual o PT mergulhou.

Ao contrário do que muita gente acredita, o senhor aposta que Lula, mesmo com toda a popularidade, não conseguirá eleger o sucessor.
Uma coisa é ele participar diretamente de uma eleição. Outra, bem diferente, é tentar transferir popularidade a alguém. Sem o surgimento de novas lideranças no PT e com a derrocada de seus principais quadros, o presidente se empenhou em criar um candidato, que é a Dilma Rousseff. Mas isso ocorreu de maneira muito artificial. Ela nunca disputou uma eleição, não tem carisma, jogo de cintura nem simpatia. Aliás, carisma não se ensina. É intransferível. "Mãe do PAC", convenhamos, não é sequer uma boa sacada. As pessoas não entendem o que isso significa. Era melhor ter chamado a Dilma de "filha do Lula".

Porém já existem pesquisas que colocam Dilma Rousseff na casa dos 20% das intenções de voto.
A Dilma, em qualquer situação, teria 1% dos votos. Com o apoio de Lula, seu índice sobe para esse patamar já demonstrado pelas pesquisas, entre 15% e 20%. Esse talvez seja o teto dela. A transferência de votos ocorre apenas no eleitorado mais humilde. Mas isso não vai decidir a eleição. Foi-se o tempo em que um líder muito popular elegia um poste. Isso acontecia quando não havia reeleição. Os eleitores achavam que quatro anos era pouco e queriam mais. Aí votavam em quem o governante bem avaliado indicava, esperando mais quatro anos de sucesso.

Diante do quadro político que se desenha, quais são então as possibilidades dos candidatos anunciados até o momento?
Faltando um ano para as eleições, o governador de São Paulo, José Serra, lidera as pesquisas. Ele tem cerca de 40% das intenções de voto. Em 1998, também faltando um ano para a eleição, o líder de então, Fernando Henrique Cardoso, ganhou. Em 2002, também um ano antes, Lula liderava – e venceu. O mesmo aconteceu em 2006. Isso, claro, não é uma regra, mas certamente uma tendência. Um candidato que foi deputado constituinte, senador, ministro duas vezes, prefeito da maior cidade do país e governador do maior colégio eleitoral é naturalmente favorito. Ele pode cair? Pode. Mas pode subir também.

A entrada em cena de Marina Silva, que deixou o PT para disputar a eleição presidencial pelo PV, altera o quadro sucessório?
A Marina é a pessoa cuja história pessoal mais se assemelha à do Lula. É humilde, foi agricultora, trabalhou como empregada doméstica, tem carisma, história política e já enfrentou as urnas. Além disso, já estava preocupada com o meio ambiente muito antes de o tema entrar na agenda política. Ela dificilmente ganha a eleição, mas tem força para mudar o cenário político. Ser mulher, carismática e petista histórica é sem dúvida mais um golpe na candidatura de Dilma.

Na hora de votar, o eleitor leva em consideração o perfil ético do candidato?
Uma pesquisa do Ibope constatou que 70% dos entrevistados admitem já ter cometido algum tipo de prática antiética e 75 % deles afirmaram que cometeriam algum tipo de corrupção política caso tivessem oportunidade. Isso, obviamente, acaba criando um certo grau de tolerância com o que se faz de errado. Talvez esteja aí uma explicação para o fato de alguns políticos do PT e outros personagens muito conhecidos ainda não terem sido definitivamente sepultados.
Revista Veja - Edição 2127

21.8.09

Flávio Arns: 'A bancada do PT está sendo humilhada'

De malas prontas para deixar o PT, o senador Flávio Arns (PR) fez nesta quinta-feira uma avaliação de seus oito anos no partido. Para ele, o PT se transformou com a necessidade de continuar no poder e hoje só enxerga um objetivo: a eleição presidencial de 2010. Em reportagem de Gerson Camarotti publicada na edição desta sexta-feira do GLOBO, Arns diz que entendeu como um rebaixamento o fato de senadores do partido terem sido obrigados pelo Planalto a votar pelo arquivamento das denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no Conselho de Ética.

Ligado aos movimentos sociais - Arns é sobrinho do cardeal-arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, e da coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns -, ele também rebateu as críticas de petistas de que ele deixará o partido porque necessita de votos para renovar o mandato ano que vem. E, em resposta ao presidente Lula, admitiu dificuldade de relacionamento com o governo nestes anos em questões administrativas. Mas diz que, agora, o problema é de princípios.

O presidente Lula disse que o senhor é um companheiro que tem seus valores, mas sempre foi muito encrencado com o PT. Esse é o motivo da sua saída do partido?

FLÁVIO ARNS: De fato houve muitas dificuldades no decorrer desses anos. Sempre fui muito crítico do relacionamento, não do partido, mas do Executivo, com a sociedade organizada. Sempre disse que havia uma falta de respeito, uma desqualificação, uma desvalorização com os movimentos sociais. Também não gosto de ficar devendo favores. Não tenho pessoa indicada em qualquer cargo do governo. Agora, o que a militância pensa de tudo isso é exatamente o que eu penso. O que existe é uma falta de sintonia entre as lideranças e a base.

Vários integrantes do PT dizem que o senhor estaria querendo faturar com críticas ao PT porque precisaria de votos para se reeleger.

FLÁVIO ARNS: É uma interpretação equivocada. Já esperava isso. Mas quando as pessoas de bem dizem isso, falo que o divisor de águas foi outro. Porque se não houvesse os votos dos senadores do PT, e particularmente a orientação do presidente do partido (Ricardo Berzoini), nós nem estaríamos discutindo o assunto. Houve ainda a supervisão do Palácio do Planalto para esse tipo de atitude. Dizer que estou saindo por causa de votos é absolutamente inverídico.

Mas não foi humilhante para a bancada votar obedecendo ao presidente Lula? Ou os petistas votaram por convicção pelo arquivamento das denúncias contra Sarney?

FLÁVIO ARNS: Eu penso que a bancada do PT foi desqualificada nesse episódio faz muito tempo. Quando fizemos a primeira reunião, decidindo pela investigação e pelo afastamento do presidente Sarney, a bancada foi chamada para um jantar no Palácio da Alvorada. O que saiu no dia seguinte foi que o presidente Lula havia enquadrado o presidente do PT. Na sequência, o ministro José Múcio (Relações Institucionais) desautorizou a posição da bancada, dizendo que essa era a posição de um ou dois senadores do PT. Berzoini chamou a posição de Mercadante de infantil. A bancada está sendo humilhada. O Globo

17.8.09

Filho de Sarney foi avisado de que seria alvo de ação, diz PF

Um telefonema do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para o empresário Fernando Sarney, seu filho, é o primeiro de dez diálogos gravados pela Polícia Federal que, segundo o órgão, deixam "claro" que Fernando foi avisado que seria alvo de ação da PF.
A conclusão é de relatório da polícia, no qual há transcrições dessas conversas. De acordo com a PF, a sequência de conversas revela "fatos graves", que comprovam "vazamento".
O telefonema de Sarney para o filho ocorre em 28 de agosto de 2008. Um dia antes, o Ministério Público Federal no Maranhão havia dado parecer favorável à prisão de Fernando e a buscas e apreensões em diversos endereços, incluindo alguns do próprio empresário.
Até agora, os grampos já revelados na imprensa indicavam que Fernando sabia apenas que era investigado, mas não que ele tinha informações sobre a iminência de sua prisão e de ações da PF em suas casas e empresas nem que seu sigilo telefônico havia sido quebrado.
De acordo com a PF, as transcrições mostram que Fernando, sabendo o que ocorria, avisou os outros investigados, disse para eles terem mais cuidado ao usar o telefone e a esconder possíveis provas dos crimes que supostamente cometeu.
As ações seriam um desdobramento da Operação Boi Barrica (rebatizada de Faktor), que já levou ao indiciamento de Fernando sob suspeita de formação de quadrilha, falsidade ideológica, gestão de instituição financeira irregular e lavagem de dinheiro. Mas, no início de setembro do ano passado, o então juiz da 1ª Vara Federal de São Luís (MA) Neian Milhomem Cruz negou a maior parte desses pedidos. No relatório obtido pela Folha, a PF diz ao juiz que não adiantaria fazer as buscas deferidas pelo magistrado, porque os locais "já foram devidamente "limpos'".
Os grampos foram feitos com autorização da Justiça.
Na ligação de 28 de agosto de 2008, Sarney pediu a Fernando que ele fosse para Brasília, de onde o empresário havia saído no dia anterior, segundo a PF. "Eu acho que você podia vir o mais rápido aqui", diz Sarney. Após o filho falar que ia "tentar viabilizar" sua volta, Sarney insiste: "Não, venha hoje, tá?".
Pouco mais de uma hora depois desse telefonema, o empresário recebeu outra ligação, de um de seus advogados, com o mesmo teor: ele precisava falar com Fernando "urgente" naquele mesmo dia, em Brasília, pessoalmente. Segundo a PF, ele chegou à cidade à noite.
No dia 4 de setembro, Fernando diz para Gianfranco Vitorio Perasso, outro investigado, não fazer "alarde". "E sem apavoramento também, tá?", diz. Perasso é dono de empreiteiras que, de acordo com a PF, foram usadas para desviar dinheiro de obras públicas.
Minutos após, Perasso liga para um assessor do ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau. Segundo a PF, o ministro participava da rede de tráfico de influência. Ele nega. Folha

15.8.09

Quem está dizendo a verdade

Dilma Rousseff é acusada de tentar interferir em investigação contra
José Sarney.A ministra nega. Os políticos são um dos poucos grupos
que ainda não decidiram se mentir é uma virtude ou um vício
Otávio Cabral

Fotos Dida Sampaio/AE e Wilson Pedrosa/AE
NO PLANALTO
A ex-secretária da Receita Lina Vieira (à dir.) diz uma coisa. Lula e Dilma enxergam fantasia e mentira na acusação dela

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Há séculos, filósofos debatem se é possível fazer política sem mentira. Otto von Bismarck, primeiro-ministro da Prússia no fim do século XIX, unificador da Alemanha, chegou a chanceler por meio de uma mentira. Em 1870, ele recebeu um telegrama escrito pelo embaixador da França propondo uma negociação entre as duas nações. Bismarck, defensor da guerra, alterou o texto, cortou frases inteiras e transformou o aceno de paz em uma declaração de hostilidade. Vieram a guerra, a vitória da Prússia e a unificação dos estados alemães. A revelação da farsa tempos depois maculou a imagem do herói que passou à história por defender abertamente a ideia de que um estadista precisa ter a mentira como arma legítima. Felizmente, com o triunfo das sociedades democráticas veio a intolerância com a mentira, mas nem isso tirou dela o papel central que exerce na prática política. Pergunte, por exemplo, ao presidente Lula o que ele pensa sobre o presidente do Congresso, senador José Sarney. Pergunte a alguns petistas de alto coturno o que eles realmente acham da candidatura da ministra Dilma Rousseff. As respostas serão políticas ou técnicas, mas elas mais esconderão do que revelarão. Isso é mentira? No mundo real, sim. Na política de todos os tempos, é apenas esperteza, inteligência ou habilidade. O pecado não está propriamente em mentir, mas em ser pego na mentira. Será? No Brasil de hoje, nem isso.

O senador José Sarney, por exemplo, disse em plenário que nunca usou o poder para beneficiar amigos e parentes – e segue tranquilamente no comando do Senado. Alguns senadores de oposição juram de pés juntos que não existe o chamado "acordão" para esconder as irregularidades no Congresso debaixo do tapete – e seguem fazendo de conta que lutam pela moralidade. A ministra Dilma Rousseff tem como regra negar peremptoriamente qualquer fato que a envolva de forma negativa – mesmo quando as evidências se voltam totalmente contra ela. Por essa razão, talvez, mesmo quando o ônus da prova é de quem a acusa, a ministra parece estar, se não mentindo, pelo menos omitindo alguma coisa. Isso é o que se vê agora, com sua negativa de que tenha se reunido com a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira para tentar interferir em uma investigação do órgão contra a família Sarney. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, na semana passada, a ex-secretária contou que, no fim do ano passado, foi chamada ao gabinete da ministra, no Palácio do Planalto, e ela pediu que a investigação sobre as empresas da família Sarney fosse concluída rapidamente. Lina disse ter interpretado o pedido como uma ordem para encerrar o trabalho. Por ter se recusado a cumpri-la, foi demitida. Cabe a Lina provar o que afirmou e reafirmou. Esse é o ponto de vista não apenas legal, mas também ético da questão. Entretanto, do ponto de vista político, infelizmente o que vale mesmo são as aparências.

Wilson Pedrosa/AE
O PT QUE ENGOLE
O apoio a Sarney, que causa protestos diários no Congresso, constrange a bancada petista no Senado. Mas ela faz de conta que nada tem a ver com isso


A reação de Dilma Rousseff à acusação de Lina não agradou a uma parte do PT – aquela que, em público, diz que as explicações da ministra foram absolutamente convincentes. Embora careçam ainda de comprovação, as declarações da ex-secretária são de extrema gravidade e causaram preocupação no governo por dois motivos (verdadeiros). No campo administrativo, se provada a existência da reunião, a ministra teria cometido um crime de prevaricação e improbidade em benefício de um aliado, fatal para quem tem ambições à Presidência da República. No campo político, a reação de Dilma foi classificada como inábil para alguém que tem pela frente uma dura campanha presidencial, na qual acusações, provocações e denúncias são parte do jogo. Começar a partida com a fama de não escapar ilesa de acusações – sejam elas falsas ou verdadeiras – é o fardo que a candidatura de Dilma está tendo de carregar agora.

"Se o rótulo de mentirosa colar na ministra, será muito difícil superar isso em uma campanha", diz um petista com interlocução direta com o presidente Lula. Há sinais de que o episódio da Receita Federal chegou a fazer Lula questionar a escolha de sua candidata à sucessão. Em conversa com aliados, o presidente se mostrou preocupado com o fato de a ministra estar criando muitos atritos antes do início do processo eleitoral. Em público, Lula jamais admitirá isso, até porque Dilma só é candidata por imposição do próprio presidente. O problema é que existe um movimento subterrâneo do PT, supostamente os aliados da ministra, para tentar criar-lhe dificuldades. A história petista de Dilma é recente. Ela se filiou ao partido apenas em 1999, após romper com o PDT. Não pertence a nenhuma das correntes petistas e não tem influência na máquina partidária. Jamais disputou eleição e é considerada no partido apenas um quadro técnico. O PT aceitou sua candidatura por submissão a Lula, mas jamais se empolgou com a ideia. Nesta terça-feira, Lina Vieira deverá prestar depoimento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Ela só foi convocada após afirmar a senadores de oposição ter como comprovar sua versão dos fatos. Não havia um único petista na sessão que aprovou o comparecimento da ex-secretária. O governo enxergou na "negligência" uma ação combinada da bancada petista no Congresso.

Fotos Cesar Greco/Foto Arena/AE e Sergio Dutti/AE
NOS BASTIDORES
Marina Silva, insatisfeita, deve trocar o PT pelo PV. Os petistas também não querem Ciro Gomes


Há, de fato, uma insatisfação latente entre diversos setores do PT que não têm coragem de enfrentar o presidente Lula mas alimentam uma espécie de rebelião silenciosa. Em uma reunião com dirigentes do PT e do PSB, Lula não poupou críticas ao líder de seu partido, Aloizio Mercadante. Para Lula, se houve omissão ou falha do líder no caso da convocação da ex-secretária da Receita, é um fato grave. Mas, se a ausência da bancada foi deliberada, como forma de mandar um recado ao governo, é imperdoável. Mercadante e os petistas do Senado vêm batendo de frente com Lula desde a eleição de José Sarney para a presidência do Senado, em fevereiro passado. O PT queria o senador Tião Viana, e o governo, o PMDB, representado por José Sarney – que acabou vencendo a disputa e enfrentando uma saraivada de denúncias que o envolvem em nepotismo, favorecimento de familiares, contas secretas no exterior, desvios de recursos públicos e irregularidades administrativas. Boa parte dos escândalos envolvendo Sarney, suspeita o governo, teve origem em documentos e informações vazadas por parlamentares do PT.

O episódio Lina não foi o único a azedar a semana da ministra Dilma. Talvez pior tenha sido o aparecimento no cenário de campanha para 2010 da senadora petista Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, que recebeu convite do Partido Verde para se candidatar ao Planalto. "Tantos projetos que eu não consegui aprovar nestes anos… Se eu não consegui com o Lula, como é que eu vou lutar por mais oito anos com a Dilma?", disse ela. O Planalto convocou os dois principais aliados de Marina, o senador Tião Viana e o ex-governador Jorge Viana, para tentar demovê-la da ideia, mas eles nada fizeram, porque também estão insatisfeitos com Lula. Tião não se conforma com o boicote do presidente e de Dilma à sua candidatura no Senado. E seu irmão, Jorge, desconfia que Dilma foi contra a sua entrada no ministério após a queda de Marina. Para aumentar a tensão, os petistas de São Paulo, que comandam o partido, não querem nem ouvir falar no apoio, defendido pelo presidente Lula, ao deputado Ciro Gomes para o governo paulista.

"Falta a Lula dimensão histórica dessa crise. Sarney, Collor e outros representam a política que o Brasil quer superar. Ao apoiá-los e obrigar o PT a andar junto com essa gente, Lula está nos forçando a abraçá-los e morrer junto com eles", analisa um senador petista, sob a garantia do anonimato. Esse mesmo senador, se perguntado formalmente sobre a mesma história, dirá, em público, que Lula tem razão ao defender o presidente do Congresso, que não há nada de mais em andar acompanhado de Fernando Collor e que as críticas não passam de uma conspiração da oposição para tentar implodir o apoio do PMDB a Dilma em 2010. Diz o filósofo Roberto Romano: "A mentira sempre foi um componente histórico da política. O avanço da sociedade democrática serve como um antídoto, mas os políticos continuam fazendo da mentira um instrumento de trabalho". Sendo realistas, foi, é e sempre será assim.Veja