24.4.09

Gabinetes negociam bilhetes de deputados com agências

Câmara emite passagens em nome de pessoas que afirmam ter feito compra em empresa

Cotas de pelo menos três congressistas são usadas em esquema; servidora diz que é troca de favores e deputado fica com crédito em agência


Gabinetes de pelo menos três deputados -Aníbal Gomes (PMDB-CE), Dilceu Sperafico (PP-PR) e Vadão Gomes (PP-SP)- emitiram bilhetes aéreos para Paris em nome de pessoas que jamais viram e que afirmam ter comprado suas passagens em uma agência de viagens de Brasília.
Trata-se de um esquema de comercialização de passagens bancadas com dinheiro público, que funciona paralelamente à farra dos bilhetes, na qual congressistas distribuem sua cota para familiares e amigos viajarem a turismo.
Um caso identificado pela Folha se dá no gabinete de Aníbal Gomes. A servidora Ana Pérsia, funcionária do deputado, repassa os nomes dos passageiros que viajarão com passagens de diferentes gabinetes à Terceira-Secretaria da Casa.
A lista dos passageiros é indicada pela agência de turismo Infinite, que funciona na galeria do Hotel Nacional de Brasília. O proprietário, Márcio Bessa, é irmão de Ana Pérsia.
A servidora da Câmara admitiu à Folha ter incluído os nomes na cota do deputado, segundo ela dentro de uma troca de favores: ele viria a receber créditos para voar no futuro via Infinite. Não fica claro se esses são devolvidos aos deputados em bilhetes ou em dinheiro. "Meu irmão só fazia isso porque era eu", disse.
Ela diz ainda que há um intercâmbio entre gabinetes. "Sempre teve esse procedimento aqui, há 40 anos acontece isso. As próprias companhias aéreas não questionavam", disse. "O Vadão emprestava crédito, o Dilceu também. A gente pedia, depois pagava em pedacinhos e ia juntando. Nós já atendemos o Ademir Camilo (PDT-ES) também. Tem deputado que quase não usa a cota."
A cota aérea foi criada para que o congressista pudesse fazer quatro deslocamentos mensais ao Estado de origem. O valor varia de R$ 4.700 a R$ 33 mil, conforme o destino.
A legislação proíbe que a Câmara comercialize passagens ou use agências, sem licitação, como intermediárias. As agências tampouco podem aceitar créditos da Câmara como forma de pagamento para viagens.
No caso da Infinite, como seus passageiros voam na cota de deputados, o dono da agência diz que devolve os valores posteriormente, embora afirme que "nunca soube como é bem esse processo". "Ele [deputado] tem crédito e emite em nome de quem quiser, é verba do deputado, para nós nunca houve nenhum tipo de problema. De onde vinha, eu não sei, só sei que ela me mandava o bilhete emitido [pela Câmara]."
O "pagamento", segundo ele, vem depois. "Ela [Ana Pérsia] liga para mim e diz que o deputado está sem crédito. Diz: "Pode emitir uns bilhetes e te pago quando sair a verba do deputado?". Ela fica me devendo. Depois ligo para ela e falo para emitir o passageiro, fazemos um encontro de contas."
Quem fatura os bilhetes é a Airlines Representações, também de Brasília. Ela funciona como "consolidadora" das passagens, no jargão do setor. "Somos uma agência de grande porte, revendemos passagens para diversas agências. A Infinite comprou alguns bilhetes nossos, é cliente", justificou a proprietária, Valéria Firetti. "Como o Aníbal [Gomes] é conhecido do Márcio [Bessa], quando a verba dele demora para sair, compra particular a passagem e depois faz o acerto. Mas não sei se paga com dinheiro, cheque, etc.".
Segundo ela, a procura pelas agências é recorrente. "Muitas vezes, deputados ou esposas de congressistas querem pagar bilhetes com a carta de crédito, mas eu não posso aceitar."
Um dos casos ocorreu no dia 28 de janeiro de 2008. Foram lançados simultaneamente no sistema da Câmara, na mesma data e por três gabinetes diferentes -Vadão Gomes, Aníbal Gomes e Dilceu Sperafico-, bilhetes de ida e volta, São Paulo-Paris, em nome de três passageiros: Sérgio Iannini, Ivan Choas e Vinicius Costite.
A Folha localizou dois deles, que confirmaram ter feito a viagem. Os bilhetes do advogado Iannini e do comerciante Choas, entretanto, foram adquiridos na Infinite. Ambos negam conhecer os deputados.
"Isso gera um dano moral, sou terceiro, de boa fé. Para mim, as passagens tinham sido emitidas e pagas na agência", afirmou Iannini. "Não sei o que aconteceu, não sei quem são os deputados", disse Choas.
Do gabinete de Aníbal Gomes também saíram bilhetes para a família Zoghbi, de ex-diretores do Senado, que fizeram viagens ao exterior. Os Zoghbi também usaram passagens de Raymundo Veloso (PMDB-BA), Zé Geraldo (PT-PA) e Armando Abílio (PTB-PB). Folha

22.4.09

Eletrificação rural espalha endemias, diz pesquisador

Iluminação exagerada por falta de planejamento atrai insetos para áreas habitadas
Luminária de plástico com filtro de ultravioleta custa pouco e evita problema; cientista da USP pagou pesquisa do próprio bolso

O Ministério da Saúde nunca produziu um estudo epidemiológico sobre o impacto da eletrificação de zonas rurais no Brasil. Uma série de levantamentos que um pesquisador da USP conduz por iniciativa própria desde 2004, porém, tem dado indícios de que a iluminação artificial perto de áreas selvagens contribui para espalhar doenças como malária, mal de chagas e leishmaniose.

"Os ribeirinhos e os caboclos sabem que a luz atrai insetos", diz o técnico em planejamento energético Alessandro Barghini, que concluiu o doutorado no Instituto de Biociências e prepara um livro sobre o impacto das lâmpadas na saúde pública.

Pagando suas pesquisas do próprio bolso, o cientista está conseguindo quantificar esse efeito colateral da eletrificação e, de quebra, já mostra mostra como ele pode ser combatido. Uma luminária de plástico tratado contra raios UV, material relativamente barato, pode reduzir a atração de insetos.

"Insight" nas Galápagos

A ideia de que a iluminação artificial poderia ter impacto na saúde pública, diz Barghini, surgiu durante uma temporada de trabalho do Equador e nas ilhas Galápagos. "Lá, eu trabalhava de dia na parte elétrica e, à noite, no tempo vago, eu observava aves e insetos", conta. "Havia uma ave que ficava esperando os insetos baterem na luminária e caírem para comê-los. Ela preferia ficar atrás das lâmpadas a vapor de mercúrio, que atraem mais insetos."

Comparadas a lâmpadas incandescentes ou de vapor de sódio, as de mercúrio emitem mais radiação ultravioleta, que é a que mais atrai insetos, explica Barghini. A consciência de que a eletrificação rural poderia contribuir para endemias aumentou após 1997, num trabalho em Roraima, área endêmica de malária.

"Nós alertamos o Procel [Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica] e as empresas elétricas: `Senhores, a eletrificação em áreas isoladas pode aumentar o risco de endemias porque os insetos são atraídos`", conta Barghini. "Mas nós tínhamos apenas indícios. Nossa equipe era de engenheiros, então a gente não tinha argumentação médica para sustentar essa tese."

Anofelinos no parque

A tese só começou a ser comprovada depois que Barghini se juntou ao sanitarista Delsio Natal, da Faculdade de Saúde Pública da USP, para um estudo sobre anofelinos, mosquitos transmissores da malária.

"Eu queria fazer em ambiente totalmente silvestre, só que a despesa é grande", conta o cientista. Sem conseguir verba para trabalhar na Amazônia, o cientista tentou validar sua ideia no Parque Ecológico do Tietê, na região de Guarulhos (SP). Deu certo. "Está empesteado de anofelinos lá."

Num estudo publicado em 2004, os cientistas mostraram que luz artificial tem alto poder atrator de mosquitos e que as lâmpadas fluorescentes, apesar de serem mais econômicas, atraem 30% mais mosquitos que as incandescentes.

O trabalho que mostrou a eficácia dos filtros de raio ultravioleta em reduzir a atratividade das lâmpadas veio depois, e foi feito com o entomólogo Bruno Medeiros, no bosque do Clube dos Professores da USP.

Segundo o pesquisador, se os filtros fossem adotados em programas de eletrificação rural, poderiam ter impacto positivo em políticas de saúde publica. E o custo é baixo, sobretudo no caso de luminárias públicas com proteção de vidro.

"Nesse caso eu diria que o custo é zero, porque em vez de vidro você usa um policarbonato com tratamento contra radiação UV", diz. Segundo o cientista, orientar as pessoas para evitar iluminação em excesso também é importante. "Iluminando só onde você realmente precisa você pode reduzir a potência das lâmpadas, o que ainda gera economia."

Entusiasmado com suas pesquisas, Barghini só parece frustrado por não ter atraído a atenção de autoridades sanitárias. Sua tese de doutorado, porém, passou pelo crivo de uma banca altamente interdisciplinar. A tese recebeu a chancela do entomólogo Sérgio Vanin, do arquiteto Marcelo Romero, do sanitarista Delsio Natal e do engenheiro José Aquiles Grimoni. Neves, o orientador, ficou feliz com o resultado do trabalho. "Para mim, ele tem enormes implicações sociais."Folha

17.4.09

ONG petista da BA recebeu R$ 6,6 milhões da Petrobras

Além de festa de São João, entidade organizou eventos de cidadania e direitos humanos

Estatal defende importância dos repasses; ao optar por uma ONG para realizar a transferência, empresa não é obrigada a fazer licitação


A ONG petista Aanor (Associação de Apoio e Assessoria a Organizações Sociais do Nordeste) recebeu um montante de recursos da Petrobras que vai além do patrocínio a festas de São João no interior da Bahia. Desde 2005, a empresa firmou com a entidade, comandada pela vice-presidente do PT no Estado, contratos que somam R$ 6,6 milhões.
Parte desses contratos de patrocínio foi firmada sob a rubrica de dois projetos: "Buscando a Cidadania" e "Dia Internacional dos Direitos Humanos".
Para o Dia dos Direitos Humanos, foi pago R$ 1,3 milhão no final de 2007. O dinheiro destinava-se a feira cultural no Farol da Barra, show de música e atividades de teatro e dança em Salvador.
"A preservação dos direitos humanos é diretriz de responsabilidade social da Petrobras e em sintonia com as instituições nacionais e internacionais, governamentais ou não, que trabalham com o tema", diz a empresa sobre o contrato.
No caso do "Buscando a Cidadania", foram sucessivos pagamentos que totalizam R$ 1,2 milhão. A remessa mais recente, de R$ 341 mil, tem vigência até outubro deste ano.
Segundo a Petrobras, o projeto prevê "qualificação profissional de jovens e adultos do bairro de Lobato", "marco zero do petróleo no país", localizado na periferia de Salvador. Trata-se de curso técnico profissionalizante que, de acordo com a empresa, atende 630 pessoas.

São João
A maior fatia dos recursos, totalizando R$ 4,1 milhões, refere-se ao São João, festa tradicional no Nordeste financiada pela estatal desde 2006.
Conforme a Folha revelou, a ONG Aanor intermediou a destinação de R$ 1,4 milhão, no ano passado, distribuído para empresas contratadas por 26 prefeituras no Estado.
Prefeitos do interior da Bahia relataram ter sido abordados por Rosemberg Pinto, assessor do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, para tratar das cotas de patrocínio.
O acerto, afirmam, incluía compromisso de contratar empresas indicadas por Rosemberg para montar as festas. A Petrobras diz que Rosemberg não atua mais nessa área desde julho passado.
A ONG baiana Aanor é dirigida por Aldenira da Conceição Sena, que acumula os cargos de vice-presidente do PT baiano, dirigente da CUT e assessora do deputado estadual Paulo Rangel (PT), líder da bancada na Assembleia.
Rangel afirmou desconhecer o trabalho da ONG na organização das festas de São João. Ele foi autor de um projeto que beneficiou a entidade com a titulação de "utilidade pública", status que permite à entidade abater doações do Imposto de Renda. O governador Jaques Wagner (PT) promulgou a lei em março passado.
Ao optar por uma ONG para intermediar as transferências de verba, a Petrobras usou uma modalidade de repasse que não exige licitação.
No caso de Sergipe, por exemplo, organizado pela Beija-Flor Produções Artísticas, foi firmado um convênio entre a empresa e a estatal, com valor semelhante ao da Bahia: R$ 1,3 milhão, no ano passado.
Em Salvador, a Petrobras contratou a empresa Camarote Marketing e Promoções para montar o "Arraiá da Capitá", ao custo de R$ 200 mil. Declarou "inexigibilidade" de licitação.Folha

Dantas acusa Protógenes

Dantas acusa Protógenes de forjar prova e fazer escuta ilegal

Dono do banco Opportunity afirma à CPI dos Grampos que a Satiagraha foi "operação de espionagem" e tinha interesse em influenciar a criação de supertele

O empresário Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, afirmou ontem à CPI dos Grampos que houve escuta ilegal (sem autorização da Justiça) e montagem de gravações na Operação Satiagraha da Polícia Federal, de julho do ano passado, quando ele foi preso sob a acusação de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção ativa. Dantas acusou o delegado Protógenes Queiroz "pela armação".
O diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, disse que não comentaria as declarações de Dantas. A reportagem não localizou Protógenes, que sempre negou escuta ilegal.
Durante seis horas e meia, Dantas usou a maior parte do tempo para se defender e atacar a investigação da PF.
"Foram escutas ilegais praticadas pelo Protógenes e sua equipe. Não sei se [usando a estrutura] da PF ou da Abin [Agência Brasileira de Inteligência]", disse. "Essas gravações estão mutiladas, têm enxertos, têm subtrações. Não existem os originais. Os originais desapareceram."
O banqueiro apresentou um laudo assinado pelo perito Ricardo Molina que comprovaria montagem na gravação do vídeo em que seu ex-executivo Humberto Braz teria oferecido propina de US$ 1 milhão para um delegado federal abafar a investigação da Satiagraha.
"Tem o vídeo [do encontro de Braz com o delegado] e tem o áudio e foi apresentado, em rede nacional, o vídeo com o áudio. Depois foi descoberto que o vídeo é feito por um equipamento e o áudio por outro. E o vídeo não corresponde ao áudio. O áudio é separado do vídeo. Há montagem", afirmou.
Laudo de outros peritos, disse Dantas, atesta a escuta ilegal.
No total, foram mais de nove horas de gravação ambiental de conversas em restaurantes, com autorização da Justiça. No processo em que Dantas acabou condenado por corrupção ativa, o procurador da República Rodrigo de Grandis transcreveu os diálogos considerados mais importantes, que fundamentam a acusação.
O relatório final do corregedor da PF Amaro Vieira Ferreira sobre os supostos abusos cometidos por Protógenes durante as investigações diz que foi achado em um hotel em São Paulo, no qual o delegado se hospedava, vídeo que seria a prova de que jornalistas da Globo foram os autores da filmagem da tentativa de suborno. Os jornalistas, diz Ferreira, se deixaram filmar num espelho.
Devido à tentativa de suborno, Dantas foi condenado pela Justiça Federal a dez anos de prisão em regime fechado. Ele recorre em liberdade. O material é tido como a maior prova da Satiagraha contra Dantas.
Ainda na CPI, Dantas levantou a suspeita de que Protógenes fez espionagem empresarial passando dados a concorrentes do Opportunity. "As conversas entre diretores jurídicos de nossas empresas foram encontradas na casa de Protógenes. Na casa."
Ele também acusou a PF de ter passado dados à Telecom Itália na Operação Chacal de 2004, que investigou a empresa Kroll por suposta espionagem.
Dantas disse ainda que sua proposta para deixar a BrT (Brasil Telecom), empresa da qual era acionista, foi levada pelo ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh a uma lista de autoridades do governo. Essa relação, afirmou, incluía a ministra Dilma Rousseff.
Segundo o banqueiro, o governo queria sua saída da BrT para a empresa ser comprada pela OI (Telemar), levando à criação de uma supertele. "A operação [da PF] teve múltiplos objetivos. Foi uma operação de espionagem. Os dados colhidos por essa ampla estrutura eram para ser usados na briga societária da BrT."
A Satiagraha, com base nas escutas telefônicas, levantou a suspeita de que Greenhalgh teria sido lobista de Dantas no governo para a criação da supertele, um negócio de R$ 5,3 bilhões concluído neste ano.
"A grande virtude, no nosso entender, é que nós enxergamos como uma operação de desejo de governo. E já estávamos cansados de trabalhar com o governo contra", disse Dantas.
Greenhalgh afirmou que só levou a proposta de Dantas para os fundos de pensão, que então controlavam a BrT. Nega lobby. A Casa Civil disse que Dilma não tratou da BrT com Greenhalgh, pois o assunto não dizia respeito ao governo.
A reportagem não conseguiu falar com a Kroll nem com a Telecom Itália. Folha

13.4.09

Mudanças terão efeito "dominó" em contratos e afetam até FGTS

Motivo de polêmica, a proposta de reduzir o piso de 6% da remuneração da poupança expõe um emaranhado de gargalos e deficiências da economia brasileira de difícil equacionamento técnico e político.
Aplicação isenta de impostos, a poupanca tem em sua correção um valor fixo de 0,5% ao mês mais a TR (Taxa Referencial), uma espécie de indexador que não representa nem uma inflação nem um juro nem uma taxa de risco.
A TR é calculada a partir da média do pagamento dos CDBs dos 30 maiores bancos, que depois sofre ação de um redutor cuja lógica é retirar efeito de impostos, entre outros componentes, dos CDBs.
O problema de mexer na TR é que ela também serve para corrigir o FGTS do trabalhador, que rende TR mais 3% ao ano, além de contratos de financiamento imobiliário que utilizam recursos da poupança.
Preocupado com o equilíbrio entre inflação e juros, o Banco Central, na última ata do Copom, diz que a remuneração fixa da poupança chegará ao ponto de inviabilizar novas reduções da taxa Selic.
O raciocínio do BC é que, com a Selic em 9,25% no final do ano (a taxa hoje está em 11,25%), a poupança pagará mais do que os fundos de investimento que carregam títulos da dívida pública pós-fixada.
"Se os fundos perderem recursos para a poupança, quem vai comprar esses papéis? Se ninguém comprar título federal, vai ter de aumentar o juro e não vai conseguir baixar mais a Selic", afirma Ricardo Rocha, professor do Ibmec-SP.
Além do problema com a rolagem da dívida pública, o governo tem o interesse de manter a arrecadação proveniente de 20% do ganho de capital dos fundos e dos CDBs. Já os bancos não querem perder as taxas de administração dos fundos.
Estudo do BC mostra que mais de 93% dos aplicadores da poupança têm menos de R$ 10 mil. "A poupança é líquida [isenta] para pessoas que ganham pouco e não têm acesso a fundo de investimento. A maioria não guarda para a aposentadoria. O problema é para aqueles que estão contando com rendimento de 6% e depois terão de aumentar a contribuição [caso caia]", disse Rocha. Folha

Governo estuda tributar poupança com saldo maior

Medida busca evitar que recursos migrem de fundos de investimento para a caderneta

Limite estudado para maior tributação é de R$ 100 mil; rendimento da poupança também deve ser reduzido por meio de alteração na TR

O governo está disposto a tributar o rendimento da poupança para grandes aplicadores e "diluir" a TR (Taxa Referencial) para reduzir os ganhos da caderneta, que começam a ficar mais interessantes do que o dos fundos de investimento.
O limite estudado para iniciar a tributação é de R$ 100 mil, mas o valor sofre oposição dentro do próprio governo e poderá ser elevado. A mudança deve sair por meio de medida provisória nos próximos dias. O governo, no entanto, teme que ela seja barrada no Congresso, como aconteceu com a CPMF.
Se for confirmada, será a primeira intervenção na caderneta desde o confisco da poupança promovido pelo Plano Collor, em março de 1990.
O objetivo do governo, ao promover as mudanças, é evitar que haja a migração de aplicações de fundos de investimento, que ajudam no financiamento da dívida pública, para a caderneta de poupança.
Segundo uma fonte do governo, ainda não está fechado como será a tributação nem a forma que acontecerá a redução no ganho da poupança.
A tributação ideal sobre a poupança seria o Imposto de Renda, que não tem uma destinação específica. No entanto só poderá ser aplicado a partir de janeiro de 2010 devido ao princípio da anterioridade.
Outra solução estudada pelo governo é colocar uma espécie de Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), incidente sobre os combustíveis e que pode ser implementado em 90 dias.
O inconveniente é que a contribuição precisa ter um destino específico, como a CPMF, que foi criada para a saúde. O governo não sabe ainda qual qual área pode privilegiar.
Já a TR deverá sofrer um efeito maior do redutor que já incide sobre seu rendimento, que deve levar a poupança a oferecer um retorno menor do que os atuais 6% mais TR.
Descontentes com a tendência de aprovação da mudança, os bancos defendiam um menor direcionamento dos recursos captados na poupança para os financiamentos imobiliários, proposta que contava com oposição das construtoras.
Pelas regras vigentes, 65% do dinheiro deve ir obrigatoriamente para o crédito imobiliário e só 15% podem ser aplicados livremente -o restante fica preso no compulsório.
O governo também desistiu de adotar como remuneração da poupança percentuais do CDI, como acontece hoje com os CDBs dos bancos, como defendiam alguns técnicos da equipe econômica.
Além de difícil entendimento para a maioria dos poupadores, a proposta não resolveria o problema da correção do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e dos contratos de financiamento habitacional, que utilizam a TR. Folha

Lula gastou R$ 1 bi em publicidade em 2008

O governo federal, comandado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gastou mais de R$ 1,027 bilhão com publicidade nas administrações direta e indireta em 2008, contra R$ 968,8 milhões no ano anterior (valor já corrigido pela inflação medida pelo IPCA)
Ao fazer comparações com os anos anteriores, a Secom utiliza o IGPM (Índice Geral de Preços ao Consumidor). Dessa forma, o total de 2008 teria variação negativa de 0,1%, contra R$ 1,027 bilhão do ano anterior.
O valor engloba todas as publicidades realizadas pelas empresas estatais, de "utilidade pública", feita por ministérios e outros órgãos da administração direta, além de propagandas de caráter institucional, que divulgam ações governamentais sob responsabilidade da Secom.
A Folha revelou no dia 29 de março que a administração Lula deu um grande salto nos patrocínios de estatais nos últimos anos. Houve um pulo de 96% entre 2003, ano da posse, e 2006, quando o petista foi reeleito, passando de R$ 555 milhões para R$ 1,086 bilhão.
Em 2008, foram R$ 918,4 milhões em patrocínios, valor que, somado ao da publicidade, chega a quase R$ 2 bilhões, número próximo aos grandes anunciantes privados, como Casas Bahia ou Unilever.

Publicidade
Os dados de publicidade mostram que, no ano passado, a maior parte do dinheiro (R$ 641 milhões ou 62,4%) foi para emissoras de televisão. Os jornais ficaram com 13,1% (R$ 134,7 milhões), seguidos por rádios (R$ 88,8 milhões ou 8,7%) e revistas (R$ 81,1 milhões ou 7,9%). A internet recebeu R$ 27 milhões ou 2,6%.
A Secretaria da Comunicação Social da Presidência da República gastou no ano passado R$ 105,2 milhões em publicidade -a campeã de investimentos. Em seguida, veio o Ministério da Saúde, com R$ 68,6 milhões, o BNDES, com R$ 30,8 milhões, e o Ministério do Turismo, com R$ 23,2 milhões.
A Eletrobras gastou R$ 25,4 milhões; Furnas, R$ 16,9 milhões. Os ministérios da Justiça (R$ 9,8 milhões), Educação (R$ 7,1 milhões) e Desenvolvimento Social (R$ 4,5 milhões) estão na sequência.
As empresas estatais federais gastaram, em 2008, R$ 714 milhões com publicidade. "A Secom só pode informar os valores consolidados dos investimentos de empresas estatais que competem no mercado, como a Petrobras, a Caixa Econômica Federal ou o Banco do Brasil e não está autorizada a revelar os valores de publicidade de cada empresa", afirma nota da assessoria de imprensa. Folha

PF tem indício de doação legal ao DEM

Inquérito mostra que executivos da Camargo Corrêa dizem ter recibo do partido repasse de R$ 300 mil

E-mails indicam que doação ao PT, que estava com o recibo "pendente", não foi citada pela polícia, que nega ter poupado o partido

Apesar de documentos da Operação Castelo de Areia indicarem que uma doação de R$ 300 mil da construtora Camargo Corrêa ao DEM do Rio Grande do Norte tinha recibo -e seria, portanto, legal-, a Polícia Federal, ao pedir a prisão de executivos da empreiteira, relatou "suposto financiamento ilegal de campanhas", citando a doação dos "300 para o Agripino em nome do DEM".
O senador Agripino Maia é presidente do DEM-RN e, no início do mês, entregou à Justiça Eleitoral o recibo da doação.
Ainda foram citados repasses para PSDB, PMDB, PPS, PSB, PDT e PP. Todas essas legendas podem ter recebido contribuições ilegais de campanha, segundo a investigação. No entanto, repasses para PT, PTB e PV também aparecem no inquérito, sem que tenham sido mencionados pela polícia.
A oposição ao governo Lula acusou a PF de agir de má-fé, por ter supostamente poupado o PT no relatório. A PF nega.
No inquérito da PF, aparecem e-mails cujos assuntos são doações de campanha. Em uma dessas mensagens, de 18 de novembro, Dárcio Brunato, executivo da Camargo Corrêa, envia para Luiz Henrique Maia Bezerra, representante da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), uma lista de oito doações a partidos. Do lado de cada uma delas, aparece se o recibo está "pendente" ou "OK".
No documento está escrito "DEM - R$ 300.000,00 (RN) recibo OK". No mesmo e-mail, aparece "PT Diretório Regional R$ 25.000,00 [recibo] pendente". Não há como identificar qual é o diretório petista, mas a lista não indica doação ilegal.
Em 6 de novembro, Bezerra já tinha escrito a Fernando Dias Gomes, outro diretor da Camargo Corrêa. "O recibo do DEM-RN, R$ 300.000,00, eu mandei ontem por Sedex a você, deve chegar hoje. Quanto aos dois do PSDB do Pará, fui informado pelo próprio partido que eles já haviam enviado diretamente a vocês", diz.
A PF diz que o foco da operação não são os partidos, que não estão sob investigação. E nega ter se pautado por interesses partidários. Diz que apenas transcreveu diálogos de grampos nos quais o assunto eram doações eleitorais e havia referência ao DEM e a outras siglas.
A polícia diz que, ao falar de doações, o delegado afirmou: "As conversas monitoradas não falam especificamente de um ou outro partido, mas de vários deles, portanto, sem indícios de favorecimento dirigido". Folha

8.4.09

Em pareceres, diretor beneficia cinco municípios

Desde que assumiu uma diretoria na ANP em maio de 2005, Victor Martins recomendou, como relator, mudanças em critérios de pagamento de royalties a cinco cidades e obteve a aprovação da diretoria da agência. Os municípios são: Duque de Caxias (RJ), Paraty (RJ), Linhares (ES), Cubatão (SP) e Estância (SE), segundo atas de reuniões da ANP.
Juntos, receberam R$ 176,4 milhões em royalties de petróleo em 2008 e viram sua arrecadação com essa fonte de recursos crescer de 112% (no caso de Duque de Caxias) até 409% (Estância) -numa proporção bem maior do que a expansão média dos pagamentos a todos os municípios (46%).
A Folha contatou as prefeituras de Paraty e Duque de Caxias, mas não obteve resposta sobre eventuais contratos com a Análise Consultoria. A reportagem não conseguiu contato com as demais prefeituras.
A primeira cidade a ser "promovida" à zona principal de produção de petróleo foi Duque de Caxias, em julho de 2007. Enquadrado em tal critério, o município passa a receber uma fatia maior de royalties, em geral, por ter área territorial marítima confrontante com algum campo de petróleo. Pelos dados da ANP, não é o caso de cidade da Baixada Fluminense. Os demais municípios receberam o benefício ainda em 2007 e em 2008.
Irmão do ministro Franklin Martins (Comunicação Social), Victor Martins é formado em administração, com especialização em petróleo. Foi diretor da agência de desenvolvimento do Estado do Espírito Santo antes de assumir a diretoria da ANP, em 2005. Folha

Irmão de ministro é investigado pela PF

Relatório põe Victor Martins, diretor da ANP, como líder de suposto esquema para favorecer prefeituras com royalties

Irmão de Franklin Martins nega acusações e afirma ter se afastado de empresa da mulher em 2005, quando foi nomeado para a agência


Relatório de equipe de inteligência da Polícia Federal coloca o administrador de empresas Victor de Souza Martins, irmão do ministro Franklin Martins (Comunicação Social), no centro de um suposto esquema para aumentar a fatia de prefeituras na distribuição de royalties de petróleo, pagos essencialmente pela Petrobras.
Royalties são compensações que as empresas produtoras de petróleo pagam à União e aos Estados e municípios onde se localizam a produção, o armazenamento e a distribuição do produto. Victor Martins é diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Combustíveis) desde 2005. Entre outras atribuições, cabe a ele e a outros dois diretores da agência arbitrar se um município deve ou não receber royalties. E se o valor recebido deve ser revisto.
Segundo o documento da PF, Victor Martins teria "lançado mão de informações privilegiadas" para convencer prefeitos a contratar os serviços da Análise Consultoria e Desenvolvimento, empresa que tem entre os sócios e dirigentes sua mulher, Josênia Bourguignon.
O próprio Victor também figura como sócio da empresa de consultoria, da qual se afastou gerencialmente assim que assumiu o cargo na ANP, em 2005. "Mas ele nunca deixou de administrar a empresa de fato", afirma o documento.
Em nota divulgada após a revelação do caso pela revista "Veja", o diretor da ANP disse que a Análise Consultoria não assinou nenhum contrato com nenhuma prefeitura ou empresa desde que ele tomou posse, em 20 de maio de 2005. "Seu último contrato foi firmado em agosto de 2004 e já está extinto." Já a ANP disse não ver conflito ético entre a função de Victor e a empresa da mulher dele.
O documento, a que a Folha teve acesso, foi apresentado pelo setor de inteligência da PF ao diretor da instituição, Luiz Fernando Corrêa, em março de 2008. Na época, a PF já havia concluído a Operação Águas Profundas, uma investigação que identificou fraudes em cinco licitações, quatro delas para reparos em plataformas de exploração.
Durante escutas telefônicas feitas na Operação Águas Profundas foram constatadas as irregularidades na distribuição de royalties, conforme a PF.
Um inquérito foi aberto em meados de 2008 para investigar o assunto. Mas Victor Martins, o principal suspeito, segundo a PF, não foi indiciado nem acusado formalmente. Seu nome sequer foi incluído no inquérito, que se resume a cópias de recortes de jornal.
Um delegado da cúpula da PF alegou à Folha que o nome do diretor da ANP foi excluído das investigações para preservar o sigilo do trabalho da PF. Segundo ele, se o documento que menciona Victor tivesse sido incluído no inquérito, ele e os demais investigados teriam acesso às informações, prejudicando o trabalho da PF.

Comissão
O relatório da inteligência da PF calcula os lucros perseguidos pelo suposto esquema. No começo de 2008, Victor, segundo o documento, estaria "ajeitando" uma cobrança da Petrobras no valor de R$ 1,3 bilhão. Desse valor, a empresa de sua mulher receberia R$ 260 milhões em comissões. O relatório, porém, não informa se o negócio foi fechado.
O documento também menciona outras áreas onde haveria corrupção dentro da ANP. O superintendente de Fiscalização da agência, Jefferson Paranhos Santos, teria abafado investigações contra distribuidoras de combustíveis. E manteria uma proximidade inapropriada com os proprietários de algumas das maiores empresas do setor. Em 17 de maio de 2007, por exemplo, Santos teria se hospedado, no Rio Grande do Norte, na casa de Marcelo Alecrim, dono da AleSat, a quinta maior distribuidora do país. Por meio da ANP, Santos negou as acusações. Folha

A Operação Royalties

Por Diogo Mainard
"Victor Martins está sendo investigado pela PF.
Ele é diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
É também irmão do ministro da Propaganda de Lula,Franklin Martins"


Victor Martins está sendo investigado pela Polícia Federal. Num relatório interno, sigiloso, ele é tratado como suspeito de comandar um esquema de desvio de 1,3 bilhão de reais da Petrobras.

Quem é Victor Martins? Já tratei dele alguns anos atrás. Talvez alguém ainda se lembre. Ele é diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). É também irmão do ministro da Propaganda de Lula, Franklin Martins.

Vamos lá. Ponto por ponto. Em meados de 2007, a PF prendeu treze pessoas na Operação Águas Profundas. Elas eram acusadas de fraudar e superfaturar contratos com a Petrobras. Durante as investigações, os agentes da polícia fazendária do Rio de Janeiro descobriram outro esquema fraudulento, envolvendo empresas de consultoria, prefeituras e a ANP. Segundo a denúncia, tratava-se de um esquema de desvio de dinheiro de royalties do petróleo. A PF abriu uma nova investigação, batizada de Operação Royalties.

Nos primeiros meses de 2008, o delegado responsável pela Operação Royalties preparou um relatório sobre o resultado de suas investigações. O que tenho na minha frente, no computador, é justamente isto: a cópia integral desse relatório.

De acordo com os dados recolhidos pelos agentes da PF, Victor Martins, apesar de ser diretor da ANP, continuaria a se ocupar dos interesses da Análise Consultoria e Desenvolvimento, empresa da qual ele seria sócio com sua mulher, Josenia Bourguignon Seabra. Victor Martins se valeria de seu cargo para direcionar os pareceres da ANP sobre a concessão de royalties do petróleo, favorecendo as prefeituras que aceitassem contratar os préstimos de sua empresa de consultoria. Num episódio descrito pela PF – e reproduzo o trecho mais escandaloso do relatório –, Victor Martins "estaria ajeitando uma cobrança de royalties da Petrobras, no valor de R$ 1 300 000 000,00 (um bilhão e trezentos milhões de reais), através da Análise Consultoria, e teria uma comissão de R$ 260 000 000,00 (duzentos e sessenta milhões de reais), a título de honorários".

O relatório da PF, com todos os detalhes sobre o esquema e o nome dos supostos cúmplices de Victor Martins na ANP, foi apresentado a Luiz Fernando Corrêa, diretor-geral da PF. O que aconteceu depois disso? Primeiro: a Operação Royalties, que estava a um passo de ser deflagrada, com as primeiras prisões, foi posta de molho. Segundo: o delegado que dirigia as investigações foi transferido. Terceiro: o chefe da polícia fazendária do Rio de Janeiro foi trocado. Quarto: o superintendente da PF carioca, Valdinho Jacinto Caetano, foi promovido ao cargo de corregedor-geral, em Brasília.

É bom lembrar: Victor Martins só está sendo investigado pela PF. Ninguém o acusou judicialmente. Ninguém o condenou. Mas os parlamentares do PSDB e do DEM passaram a semana fazendo de conta que instituiriam uma CPI da Petrobras. O motivo: segundo eles, a PF abafaria as denúncias contra petistas e membros do governo, como na Operação Castelo de Areia. Se é assim, a Operação Royalties parece confirmar essa tese. CPI da Petrobras. Já.

7.4.09

Traficantes se infiltram na política, diz Tarso

Em discurso a PMs, ministro da Justiça diz que situação faz com que crime organizado tenha uma "gravidade excepcional" no Rio

Tarso não citou nomes, mas afirmou que falava com base no que os jornalistas divulgam; ele também disse que a elite financia o tráfico

Rafael Andrade/Folha Imagem

Tarso cumprimenta o comandante da PM do Rio enquanto recebe medalha do mérito policial

O ministro Tarso Genro (Justiça) afirmou ontem que grupos criminosos formados por traficantes ou milicianos se transformaram em "força política" no Rio. Para Genro, essa realidade faz com que o crime organizado tenha uma "gravidade excepcional" no Estado.
"E aqui vem uma gravidade excepcional da situação do Rio, que faz do Rio para nós um espaço de luta fundamental. Este grupo estruturado como poder de fato dentro de uma determinada região começa a aprofundar seus vínculos com a esfera política e começa a produzir determinadas lideranças políticas", declarou.
"Então naquele espaço territorial onde o Estado se nega como força legítima aparece uma força ilegítima, que se transforma em força política", disse Genro, durante uma palestra na Polícia Militar do Rio.
Nas eleições do ano passado, a Polícia Federal investigou a ligação de candidatos com traficantes e milicianos -grupos geralmente formados por policiais civis ou militares que cobram por suposta "segurança" e impõem punições próprias aos moradores de determinadas áreas.
A vereadora Carmem Guinâncio (PT do B), a Carminha Jerominho, chegou a ser presa após as eleições, sob a acusação de receber apoio de grupos paramilitares da zona oeste do Rio de Janeiro. Ela, que nega as acusações, foi solta por ordem judicial e eleita.

Aula inaugural
A declaração de Tarso Genro foi feita na aula inaugural do Curso de Aprimoramento da Prática Policial Cidadã, para 300 policiais militares. De acordo com o relatório da CPI das Milícias, 156 dos 521 milicianos identificados pela Secretaria da Segurança são PMs.
Questionado se conhecia algum político fluminense envolvido com grupos criminosos, respondeu: "Estou baseado em informações que vocês [jornalistas] mesmo divulgam. Não iria citar ninguém".
Em seguida, afirmou que grupos criminosos se infiltram na política em outros lugares do mundo. "O crime organizado, não só no Brasil, chega a um determinado momento [em que] cresce em direção à política e cria quadros políticos."
Ele afirmou que o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) tem também como objetivo "cortar essas veias alimentadoras do delito, fazendo com que a comunidade não seja sufocada por políticos locais que são mandatários do crime organizado e que utilizam a comunidade para seus fins políticos, fazendo do crime um partido político que penetra em diversos partidos políticos".
O próprio PT, sigla de Genro, tem em seus quadros um político investigado por ligação com a milícia: o vereador Elton Babu. O irmão dele, o deputado Jorge Babu, foi expulso do PT pela mesma acusação. Eles negam as acusações.
Genro disse que o Pronasci precisa apresentar resultados no Rio em três anos. Caso contrário, disse, "será uma demonstração de fracasso".
Em seu discurso, Genro ainda disse que é graças aos "setores mais elitizados da sociedade" que "o criminoso realiza o seu lucro, realiza a sua relação de compra e venda". "Esse grupo [a elite] é utilizado pelo crime organizado como estrutura consumidora."

Sogra de assessor de Renan é "fantasma" em gabinete

Amélia Pizatto, desconhecida por outros funcionários do senador, ganha R$ 4.900

Funcionária está contratada pelo gabinete de Renan há 6 anos, após ato assinado por Agaciel Maia; peemedebista não quis comentar o caso


Líder do PMDB no Senado e principal artífice da vitória de José Sarney (PMDB-AP) para a presidência da Casa, Renan Calheiros (AL) mantém há quase seis anos uma funcionária comissionada fantasma em seu gabinete, com salário bruto de R$ 4.900. Procurado, o senador não quis falar sobre o caso.
Trata-se de Amélia Neli Pizatto, 51, sogra de Douglas de Felice, assessor de imprensa de Renan. A filha de Amélia e mulher de Douglas, Aline Pizatto, também trabalha no Senado.
Na quinta-feira à tarde, a Folha foi à casa de Amélia. Pelo interfone, uma pessoa que se identificou como sua empregada informou que ela estava no banho. Depois, disse que Amélia não estava em casa.
Amélia está contratada pelo gabinete de Renan desde 14 de abril de 2003, num ato assinado pelo então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, demitido após a Folha ter revelado que ele escondeu da Justiça uma casa avaliada em R$ 5 milhões.
Na semana passada, a reportagem ouviu a chefe de gabinete e a secretária de Renan, Paula Frassinetti e Elaine Laus, e outros três funcionários do gabinete do senador. Todos disseram que não conhecem, nunca ouviram falar em Amélia e que ela não trabalha no gabinete. "Amélia? Não tem ninguém com esse nome", disse Paula.
Ela, então, orientou a reportagem a verificar se Amélia não estaria lotada na liderança do PMDB no Senado, função exercida por Renan há dois meses.
A Folha ouviu o chefe de gabinete da liderança, Francisco Chaves, e três funcionários. Os quatro disseram que ela não trabalhava lá. A reportagem entrevistou também os dois chefes de gabinete de Renan anteriores a Paula, Maurício Melo e Edilamar Nóbrega. Os dois disseram que não conhecem nenhuma Amélia e que em seus períodos na chefia de gabinete lá ela não trabalhou.
A Folha falou ainda com Elizabeth Gomes, vizinha e amiga de Amélia há 12 anos. A casa de Elizabeth fica em frente à de Amélia, em Taguatinga, cidade satélite de Brasília. "Ela nunca trabalhou, é dona de casa."
Renan deixou a presidência do Senado em outubro de 2007, após uma sucessão de escândalos. Foi acusado de ter despesas pessoais pagas por um lobista da empreiteira Mendes Júnior, de ter grilado terras e de manter sociedade oculta em duas rádios em Alagoas, entre outros casos.
Após a revelação de que teria escalado um assessor para investigar a vida do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), Renan não resistiu à pressão e abandonou o cargo.
Entre o final de 2008 e o começo deste ano, atuou nos bastidores pela candidatura de Sarney. Com a vitória de seu correligionário, recuperou parte do poder. A vitória de Fernando Collor (PTB-AL) sobre o PT para presidir a Comissão de Infraestrutura é atribuída a ele. Folha

4.4.09

MALUF, UM CLÁSSICO

Ninguém jamais se igualou ao ex-governador paulista em escândalos de desvio e lavagem de dinheiro público


Fábio Portela

Pedro Martinelli
FINA ESTAMPA Paulo Maluf,
em 1979: o Cary Grant do mundo
da corrupção
VEJA TAMBÉM
Do arquivo de VEJA
Nunca houve tantas provas (14/5/2005)
Na cadeia, Maluf faz política (28/9/2005)


Nos anos 50, costumava-se dizer que ninguém sabia vestir um terno como Cary Grant. O ator americano era a própria tradução da elegância. Um modelo para o resto dos homens. Enfim, um clássico. O brasileiro Paulo Maluf bem que tentou, a exemplo de Grant, marcar época pelas roupas bem cortadas – como se vê na foto que ilustra esta página, de 1979 –, mas foi imortalizado por outra razão: Maluf tornou-se, aos olhos dos promotores, o maior clássico da corrupção no Brasil. As investigações sobre ele mostram um estilo todo próprio de desviar dinheiro público, escondê-lo em paraísos fiscais e repatriá-lo. Nesse ramo, Maluf não tem concorrente. No máximo, seguidores. Na semana passada, VEJA teve acesso às peças finais do quebra-cabeça do desvio de verbas promovido por ele na prefeitura de São Paulo nos anos 90. É uma pequena obra-prima da gatunagem. O esquema foi esquadrinhado pelo promotor Silvio Marques, do Ministério Público paulista, que nos últimos oito anos analisou 272.000 documentos bancários do Brasil, Estados Unidos, Suíça, Inglaterra, França e Ilha de Jersey para rastrear o dinheiro sumido. E conseguiu.

"Hoje, posso afirmar que ao menos 93 milhões de dólares foram furtados da prefeitura de São Paulo por Paulo Maluf. O dinheiro deu a volta ao mundo para ser lavado, mas descobrimos seu paradeiro: voltou ao Brasil, como se fosse um investimento feito a partir do Deutsche Bank da Ilha de Jersey em debêntures da Eucatex, a empresa de Maluf", explica o promotor. Impressionada com as provas levantadas por Silvio Marques, a Justiça de Jersey decidiu bloquear outros 22 milhões de dólares que continuam depositados por lá, em contas controladas pelos filhos de Maluf, e que também foram roubados da prefeitura. O promotor conquistou, ainda, outra vitória: o Deutsche Bank aceitou pagar 5 milhões de dólares à prefeitura paulistana apenas para não figurar em um processo criminal ao lado de Maluf. O Ministério Público tentará agora repatriar os 22 milhões de dólares que estão em Jersey e retomar os 93 milhões de dólares da Eucatex. Maluf, claro, permanece fiel ao seu estilo. Ele nega tudo. E nunca foi condenado. É mais um clássico que nunca envelhece.


Por que as empreiteiras doam tanto

A Operação Castelo de Areia, sobre a Camargo Corrêa, põe em questão as astronômicas contribuições das empreiteiras aos partidos políticos


Fábio portela e Kalleo Coura

Eduardo Anizelli/Folha Imagem
O OPERADOR
Kurt Paul Pickel, o doleiro que cuidava das remessas da Camargo Corrêa ao exterior, deixa a prisão depois de ganhar habeas corpus

Há uma tremenda movimentação em curso para atacar a mais recente operação de fôlego da Polícia Federal, a Castelo de Areia, que apurou o envio ilegal de dinheiro ao exterior feito por diretores da Camargo Corrêa, uma das maiores empreiteiras do país. A gritaria se dá porque, no decorrer da investigação, a PF encontrou indícios arrepiantes de doações ilegais da empresa a partidos políticos. Como todas as legendas recebem doações "por fora", mas nenhuma admite, houve uma rara aglutinação entre governo e oposição para acusar a PF de agir com motivação política nesse caso e, claro, tentar trancar as investigações. Basicamente, três críticas foram levantadas: 1) não havia a necessidade de a Justiça decretar a prisão de seis funcionários da empreiteira, já que a investigação ainda não terminara; 2) não deveria haver menção a doações políticas nos relatórios, já que a investigação tratava de crimes financeiros; e 3) a polícia violou a Constituição ao revistar, com mandado, o departamento jurídico da empreiteira. VEJA ouviu o jurista Célio Borja, ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sobre o caso. Diz ele: "A prisão preventiva pode ser decretada se o juiz entender que ajudará na instrução criminal. Nesse caso, a Justiça não exorbitou. Sobre os indícios de fraude eleitoral, a PF é obrigada a relatar tudo o que descobrir no curso da investigação à Justiça. Estaria errada se fizesse o contrário, ou seja, se silenciasse a respeito. O único erro grave, a meu ver, é a invasão do departamento jurídico. A inviolabilidade do advogado é garantida por lei".

Ainda que um excesso – grave, repita-se – tenha sido cometido, colocar sob suspeita toda a investigação só beneficia os políticos e os empreiteiros, que vivem uma íntima simbiose financeira. O esquema é manjado: as empresas ganham polpudos contratos para realizar obras públicas e retribuem a gentileza doando milhões e milhões de reais aos partidos – a todos eles, "por dentro" (legalmente) e "por fora" (no caixa dois). As empreiteiras doam somas tão grandes que só há uma explicação razoável para a origem do dinheiro: ele está embutido na margem de lucro que elas aplicam a seus contratos com o estado. Ou seja, quem paga a festança é o contribuinte. Um levantamento feito por VEJA com base nas doações eleitorais de 2002 a 2008 e em repasses feitos aos diretórios nacionais dos partidos em 2006 e 2007 revela que as cinco maiores empreiteiras do país doaram, nos conformes, pelo menos 114 milhões de reais a políticos no período. Muito mais, por exemplo, que bancos ou montadoras (estas, aliás, restringem ao máximo suas contribuições). Em troca da generosidade, as mesmas cinco empreiteiras assinaram dezenas de contratos públicos. Só em obras do PAC, desde 2007, levaram 1,4 bilhão de reais. Os empreiteiros são os melhores amigos dos políticos, e vice-versa.

Na Operação Castelo de Areia, as investigações começaram no entorno do doleiro Kurt Paul Pickel, que, segundo a PF, coordenava a evasão de divisas da Camargo Corrêa. Ele recebia dinheiro vivo dos diretores da empresa e o mandava para contas no exterior. Depois, as remessas voltavam ao Brasil, num sistema de lavagem. Ao monitorar os diretores da empresa, a PF captou as explosivas conversas em que se fala de doações "por fora" e "por dentro" a políticos. Até agora, a polícia apurou apenas os crimes financeiros do grupo, e aguarda uma ordem da Justiça Eleitoral para começar a vasculhar a fundo a relação entre a Camargo Corrêa e o mundo político. Já sabe até onde iniciar a busca: não em um, mas nos vários pen drives que foram apreendidos na sede da empresa. É um trabalho que deveria começar o quanto antes.

Até tu, Jânio?

Edward Costa/AE
POR FORA E LÁ FORA
Até hoje, a família de Jânio Quadros acha que o ex-presidente mandou dinheiro para a Suíça

Kurt Paul Pickel, o doleiro favorito dos executivos da Camargo Corrêa, não trabalha exclusivamente para a empreiteira. Ele é uma espécie de referência em São Paulo quando o assunto é mandar dinheiro para a Suíça, ou trazer recursos de lá, de forma sigilosa. Entre os muitos clientes que o contataram durante a Operação Castelo de Areia, um chama atenção. Trata-se de Jânio Quadros Neto. Um advogado contratado por Janinho procurou Pickel para tentar localizar uma conta milionária que o ex-presidente Jânio Quadros teria deixado na Suíça. O negócio não foi para a frente por falta de dinheiro para arcar com o alto valor das buscas. A conta suíça de Jânio já é uma peça de folclore na política brasileira. A primeira vez em que se falou sobre o assunto foi em 1987, quando apareceu um bilhetinho escrito pela mulher de Jânio, Eloá, à filha do casal, Tutu, com menções à tal conta, no Citibank de Genebra. Na ocasião, Jânio fez troça: disse que, se alguém encontrasse a conta, poderia ficar com tudo que estivesse depositado. O dinheiro nunca apareceu, mas a dúvida permanece: será que o pé-de-meia suíço de Jânio, se é que existe mesmo, também foi feito com doações de empreiteiras?

EFEITO COLATERAL

Queda de 10 pontos porcentuais na avaliação positiva do governo Lula só mostra que a economia e a popularidade sempre apontam para a mesma direção


Otávio Cabral


Tem base real o relativo otimismo do governo quanto à dimensão dos danos que a crise econômica ainda deve – e provavelmente vai – provocar na vida dos brasileiros. A expectativa oficial é que a diminuição das receitas públicas, o freio na produção, déficits e demissões continuem até o fim do ano, mas sem adquirir proporções catastróficas. Se pelo lado econômico o diagnóstico oficial da crise é que ela será menos assustadora do que em outros lugares do mundo, no campo político há uma intensa preocupação do governo com suas consequências, tanto as imediatas quanto as de longo prazo. As pesquisas de opinião já revelam os primeiros reflexos. Na mais recente, do instituto Sensus, a avaliação positiva do governo sofreu uma queda de 10 pontos porcentuais de janeiro a março, passando de 72,5% para 62,4%. O apoio ao presidente Lula ainda é muito expressivo e seus índices de aceitação são os maiores dos últimos vinte anos. Em democracias consolidadas, porém, já está mais que demonstrado que a popularidade do governante está relacionada ao sucesso da economia – e isso assusta o governo.

Geoff Caddick/EFE
DE OLHO NO FUTURO Lula teme que a crise atrapalhe seu plano de influenciar a sucessão


Lula já confidenciou a assessores que teme perder nos próximos meses o que construiu em seis anos na Presidência. "A ciência política mostra que há uma relação direta entre o apoio ao governo e o bom desempenho da economia", afirma o cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise. "O bolso é o primeiro fator que o cidadão leva em consideração ao avaliar um governo." Em países de governo presidencialista, como o Brasil, essa relação é ainda mais direta, pois os eleitores associam a figura do presidente da República ao bem-estar dos cidadãos. As estatísticas confirmam essa relação. Desde José Sarney e seu Plano Cruzado, todos os presidentes foram bem avaliados nas pesquisas em épocas de bonança econômica e, da mesma forma, mergulharam na impopularidade quando confrontados com inflação, desemprego e recessão (veja o quadro). Um trabalho realizado pelos professores Gustavo Lana, da UFMG, e Renata Santana, da UnB, mostra que a oscilação de 1 ponto porcentual no PIB provoca uma variação de 5 pontos porcentuais na popularidade do governante. Ou seja: mantidas as previsões econômicas, o presidente Lula pode fechar o ano com índices de aceitação na casa dos 40% – patamar que ele tinha quando assumiu o governo, em 2003, em meio a uma séria crise de confiança.

Alan Marques/Folha Imagem
EFEITO COLATERAL DE OLHO NA HERANÇA Dilma vai ficar longe das más notícias para herdar apenas o lado bom do governo

Pesquisas qualitativas encomendadas pelo Palácio do Planalto mostram que a população já começa a apontar o presidente como responsável pelo aumento do desemprego e pela diminuição do poder de compra. "É um dado inédito. Atacar o governo é normal, mas críticas diretas ao presidente não apareciam em nossos levantamentos", afirma um ministro. Politicamente, a inflexão da linha de popularidade do presidente também já provoca mudança de estratégia na pré-campanha presidencial. Está decidido, por exemplo, que haverá dois gabinetes oficiais para lidar com a crise – o das boas e o das más notícias. O primeiro ficará encarregado do anúncio de novos programas sociais, da inauguração de obras e da divulgação de resultados positivos. Terá como porta-voz a ministra Dilma Rousseff, a candidata do governo à sucessão de Lula. O segundo, que responderá pelo PIB, desemprego e problemas em geral, ficará sob a responsabilidade dos ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento. "Dilma vai cumprir o papel de senhora das boas notícias. Ela não vai mais pronunciar a palavra crise", afirma um dirigente petista. Por enquanto tem dado certo. A pesquisa Sensus mostra que a ministra saltou em um ano de 3% para 16% das intenções de voto.